Com 6 ou 7 anos praticamente voava sobre as Escadas do Quebra Costas para ir para escola, saltava todos os lances, e tinha uma paixão pela catequista. Ela era o máximo! A minha carreira começou na catequese porque ela decidiu que eu tinha uma voz belíssima e a minha mãe ria-se, porque pensava: este gajo nem falar português sabe.
Victor Silveira, Victor Clash, Vitinho, o espanholito da Sé Velha de Coimbra (mas do Futebol Clube do Porto) porque dava erros atrás de erros a falar. Em 1982, foi tocado pelo Papa João Paulo II numa visita à Universidade que se virou para ele e disse: grande estudante. Mas enganou-se completamente. A partir dos 14 foi só punk, rock’n’roll e rockabilly, primeiro com Paulo Eno e os Objectos Perdidos, depois outro Paulo e os Tédio Boys. Subway Riders, 77 e os épicos The Parkinsons. Sou como o Lou Reed, trabalhou meio dia e desistiu.
Chegou a chamar casa a Inglaterra, sentiu na pele a London Calling, mas voltou. Sobrevivo em Coimbra porque faço muitas coisas, mas em termos intelectuais e de pessoas a fazer coisas interessantes esta cidade está a anos luz. Quando era mais novo, lembra-se de ir muitas vezes a Lisboa ver filmes à Cinemateca Portuguesa e ficar chateado por ver as salas vazias. Eles tinham tudo. E esta deve ter sido a única parte da conversa em que não sorriu.
Por Coimbra, com o gangue, até combatiam o tédio com concertos de parar o trânsito em plena Rua da Sofia. Tínhamos vontade de fazer coisas diferentes e abanar esta coisa toda mas, mesmo agora, que há mais possibilidades de abanar, há um comodismo total e isso vê-se em todos os aspectos. Até na música. Gravo muita coisa para muita gente mas no geral acho tudo insosso, aquela ideia de que tudo o que é português é o máximo então não há competição, mas eu acho que a música portuguesa nunca foi tão má. Mais energias, menos técnica. Mais prazer, menos rótulos. Hoje em dia são todos virtuosos e são uma seca.
Pintor e boxista nas horas vagas, Torpedo (como o herói da banda desenhada) diz que com ele é tudo olhos nos olhos, se é para levar é o primeiro a dar o peito às balas, e na arte criou a própria corrente: o acidentalismo. Podem pesquisar no Google. Drogas não é com ele, os únicos vícios são a noite e o palco, mas antes do Académico, do Pinga Amor ou do ODD (e, há uns anos, o Moçambique) os dias começam no café com os pais e o gangue geriátrico favorito.
O filho mais velho de vez em quando vai aos concertos, o mais novo (diz que) odeia tudo o que ele faz. Mas tem jeito para a música, uma vez até lhe roubei uma. Pode ser que seja ele o futuro. Os jovens hoje já não têm uma relação amorosa com a música, já não gravam cassetes para oferecer às raparigas nem têm interesse em conhecer, antigamente era quase raro um gajo que não fosse para o liceu para a pinta com um Boris Vian no bolso de trás. Psicotronics, The Great Moonshiners Band, Victor Torpedo, ninguém pára o guitarrista, letrista, compositor e produtor que nunca mandou um disco para uma rádio ou editora, mas que está em todas e com todos, sobretudo com o gangue. Faço isso por outras bandas mas não utilizo para mim.
E se mandasse na cidade? Mudava as licenças todas até às tantas da manhã. É preciso bons concertos e não somos cá Cinderelas para a festa ter de acabar à meia-noite no Salão Brazil, por exemplo. A word to the wise guy.
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© Coimbra Out Loud
Fotografia: João Azevedo
Texto: Filipa Queiroz