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Capachos, tijolos e lagares – descobrimos rostos por trás de ofícios em vias de extinção

O tijolo e o azeite são coisas que, hoje em dia, estamos tão habituados a ver à mão de semear, em lojas e grandes superfícies, que é fácil esquecermo-nos ou desconhecermos a sua verdadeira importância para a cultura e economia do nosso país. E alguns são especiais e não se encontram propriamente ao virar da […]

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O tijolo e o azeite são coisas que, hoje em dia, estamos tão habituados a ver à mão de semear, em lojas e grandes superfícies, que é fácil esquecermo-nos ou desconhecermos a sua verdadeira importância para a cultura e economia do nosso país. E alguns são especiais e não se encontram propriamente ao virar da esquina. Como em tudo, talvez conhecendo os comecemos a apreciar de outra forma, mesmo que isso não possa evitar a sua eventual extinção. Estivemos em Abrantes, onde além de outros encantos de que falámos aqui, aqui e aqui, descobrimos rostos por trás de alguns antigos ofícios ainda em actividade como cesteiros, esparteiros, oleiros e tecelões. 

A 14 quilómetros da cidade de Abrantes, na aldeia das Mouriscas, que faz parte da província do Ribatejo mas faz a delimitação com a Beira Baixa e o Alto Alentejo, pudemos conhecer uma das últimas cerâmicas artesanais do país. Portugal tem recursos abundantes em argila e muita dela está ali, junto ao Tejo, onde quase toda a gente trabalhava nas cerâmicas no Verão. A tranformação do figo e da azeitona em aguardente e azeite, e o fabrico de seiras e capachos, eram outras das principais indústrias que, em tempos, empregaram dezenas e dezenas de pessoas mas que hoje estão em vias de extinção. Conversámos com quem ainda as mantém a funcionar. 

Cerâmica Tejo

Estão 40º. Um calor abrasador mas nada a que Marco Cadete não esteja habituado. Parte do trabalho do antigo futebolista é carregar tijolos para cozerem num forno aceso a mais de 800º. Tem de ser tudo muito rápido e feito numa determinada ordem, dificilmente sem perder alguns pêlos pelo caminho. Marco era jogador profissional e professor de Educação Física. Há 6 anos, estava desempregado quando a tia o desafiou a pegar no negócio do avô, Joaquim Lopes Cadete, fundado em 1955 – a Cerâmica 100% Artesanal Tejo, na Estrada da Barca, nas Mouriscas. É a única na região do Médio Tejo e das poucas em Portugal que ainda produz o tijolo burro e a tijoleira de forma artesanal. Fiz a experiência e comecei a ver que tinha pernas para andar, porque há poucas a trabalhar como nós, conta Marco, mas queixa-se de que é difícil arranjar quem o ajude. Já ninguém quer fazer este trabalho, é muito duro. Cada tijolo é único e custa 0,85€. Tem uma resistência térmica tremenda, propriedades naturais e sai, literalmente, das mãos e formas de Marco e dos funcionários. O mais novo tem 18 anos e o mais velho 63. 

Enquanto passeamos pela oficina, Marco explica que este costumava ser um trabalho sazonal. Só se fabricava o tijolo quando estava sol – porque o que no Verão leva 3 dias a secar no Inverno leva 3 meses -, mas agora cozem durante o ano inteiro. Mais ou menos de 15 em 15 dias saem cerca de 8 mil tijolos e mil tijoleiras. Já não são os burros e sim retro-escavadoras a fazer a extracção da argila dos terrenos da empresa, há cilindros para amassar o barro e um empilhador que o leva preparado para ser moldado, mas esses são os únicos elementos mecânicos. As formas são de inox. É tudo encantilado e metido nas paletes e no forno manualmente.

Lembro-me de ir para as festas e o meu avô dizer: “Vai chover!” e ser o pânico porque tinhamos de vir a correr guardar o material, recorda Marco, enquanto mostra os tremendos fornos onde ardem troncos de pinheiro e eucalipto. Diz que actualmente a maioria dos clientes são padarias, câmaras municipais, casas de arquitectos e estrangeiros, que fazem turismos rurais a partir de casas recuperadas. E eu gosto disso, afirma Cadete. Significa que voltaram a querer materias de qualidade e que recuperam em vez de deitarem abaixo e fazerem de novo.

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SIFAMECA

A actividade artesanal de trabalho em esparto e cairo é outra das mais importantes em Mouriscas. É ou foi, porque apesar de, desde meados do século XX, a terra estar ligada à produção de seiras e capachos, usados no processo tradicional de produção de azeite, hoje em dia o cenário é muito diferente. Fomos à sede da SIFAMECA – Sociedade Industrial de Fabricação Mecânica de Seiras e Capachos, criada por 3 sócios há mais de meio século, e vimos duas artesãs num enorme pavilhão a fazer capachos e seiras, utilizados para colocar a massa de azeitona que sai das mós. Chegaram a ser 60 trabalhadores a produzir milhares de peças para todo o país. Depois de preenchidos, são acumulados em camadas e colocados nas prensas dos lagares de azeite tradicionais, que os apertam para tirar o sumo da azeitona. Estas mulheres fazem actualmente cerca de 60 seiras por dia, graças à ajuda de imensas máquinas que ajudaram na produção e que pudemos ver a funcionar. Pensar que antes os esparteiros iam às casas das senhoras que as faziam em casa, no Inverno, à noite, conta Evaristo Valente, sócio herdeiro de um dos fundadores.

 Já Abílio Faria, também sócio, sabe que o avô começou em 1918, quando chegou da guerra. E já vinha de um tio que era esparteiro, recorda. A Sifameca surgiu em 1967 de uma união entre esses profissionais, cujo nome vem do esparto, a planta poácea com os caules da qual se fazem capachos, esteiras, cordas. Eram só homens, as senhoras começaram a entrar mais tarde, como mão-de-obra. Mas os lagares tradicionais estão a acabar, diz Evaristo. Numa outra sala, vemos uma artesã a entrelaçar uma enorme carpete em cairo. Perguntámos quanto tempo demorava. Disse-nos: Duas semanas, mal levantando os olhos do trabalho. Também têm objectos com outras utilidades, como cestas para a fruta. Vendem para todo o país, sobretudo casas particulares e turismos rurais. 

Zé Bairrão

Depois de vermos e percebermos o que são capachos e seiras, não podiamos deixar de visitar um lagar centenário a poucos quilómetros, já em Vale das Mós. Esperava-nos uma mesa com água, garrafas e pão fresco no nº25 da Rua das Fortunatas – e o pão dentro de uma daquelas saquinhas de pano tradicionais, bem mimosa. Parecia que estávamos ali para uma prova de vinhos mas não, era uma prova de outro néctar dos deuses, produzido naquela casa há 4 gerações. Falamos da Zé Bairrão, uma das 5 produtoras promovidas pela TAGUS na acção promocional Azeites da Nossa Terra. Zé Bairrão é um pequeno produtor com um potencial muito grande, como nos explicou Joana Maia. O próprio, explicou-nos que as técnicas de laboração remontam a 1883 e que, como fica numa região nobre, com características que ajudam à maturação da azeitona, os azeites virgem são especiais. Nós usamos 95% de azeitona galega, que dá um azeite que é diferente do outro, muito mais doce, mais amêndoa, mais suave.  

Este é um lagar de província, onde as pessoas estavam habituadas a fazer o próprio azeite; agora está a vender-se menos à porta, é mais para restauração e lojas, está a diminuir, mas ainda vêm pessoas com as suas azeitonas para fazer aqui, conta Zé Bairrão. Azeitona que muitas vezes é recusada, por não ter qualidade.

Antes de provarmos, visitámos o lagar onde a azeitona, depois de ser pesada e limpa,  é transformada em azeite em três fases. Vimos os tegões de armazenagem, o lavador, o moinho e as galgas cónicas de pedra que pesam cerca de duas toneladas e fazem o processo de extração a frio do azeite. Vimos as batedeiras, para onde segue e fica durante meia hor, para separar as gotículas do azeite, e aprendemos que depois a azeitona moída é distribuída pelos capachos, como os feitos na Sifameca, num processo que se chama enceramento. Cada um comporta 110 capachos que são prensados e onde o azeite começa a tomar forma para depois ser decantado, onde é separada a água do azeite.  

Também vimos a centrifugadora, onde se tiram todas as partículas sólidas que ainda houverem, e os depósitos onde fica a estagiar durante 15 dias. É um processo de fabrico 100% natural com método tradicional e marca registada, como consta nos rótulos e belas caixas da marca, com imagens da apanha da azeitona. 

Este azeite vai parar a mesas tão longínquas como Angola, Alemanha e Luxemburgo e percebe-se porquê. Provámos e aprovámos. E ainda levámos para casa courgetes e beringelas acabadas de apanhar, oferecidas pelo proprietário que também produz o legume e a fruta. A produção do azeite requer pelo menos 4 colaboradores, o que nem sempre é comportável por este e outros pequenos produtores, que cheios de resiliência mantém os métodos tradicionais. Este ano, as chuvas também não ajudaram e prejudicaram a azeitona, mas há muitos produtos em stock. Questões que podem fazer-nos pensar duas vezes antes de fazermos compras, mesmo que seja no supermercado.

Texto: Filipa Queiroz
Fotos: Filipa Queiroz, Carlos Bernardo

* A Coolectiva viajou a convite da TAGUS – Associação para o Desenvolvimento Integrado do Ribatejo Interior que, em parceria com O Meu Escritório Lá Fora, dá a conhecer o território, numa lógica informal de viagem onde as pessoas são o destaque.

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