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Em Coimbra a felicidade pode morar entre sachos, couves e girassóis

Arrancámos de carro desde o centro da cidade de Coimbra em direcção a Bencanta, na margem esquerda do Mondego. Não demorámos nem 15 minutos para chegar à rua onde fica a Fundação Bissaya Barreto, junto ao edifício da Junta de Freguesia de São Martinho do Bispo e Associação de Solidariedade Social Casa do Juiz. É […]

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Arrancámos de carro desde o centro da cidade de Coimbra em direcção a Bencanta, na margem esquerda do Mondego. Não demorámos nem 15 minutos para chegar à rua onde fica a Fundação Bissaya Barreto, junto ao edifício da Junta de Freguesia de São Martinho do Bispo e Associação de Solidariedade Social Casa do Juiz. É aqui, numa parte do terreno da Oryza Guest House & Suites Coimbra, que fica a horta comunitária criada por Patrícia Esteves, autora do site de notícias Uniplanet e co-fundadora da revista Raízes Mag. Uma espécie de jardim encantado onde cidadãos redescobrem o prazer do contacto com a natureza e com os alimentos, ao mesmo tempo que poupam nas compras de supermercado. Um amigo disse-me que conhecia os donos e que tinham o terreno atrás que não utilizavam, conta a impulsionadora do projecto. Falei com a Lídia [Gonçalves] e o Sérgio [Santos], eles já conheciam o Uniplanet e adoraram a ideia, continua. 

A horta está dividida em talhões. Num deles está Vera, concentrada a fazer a colheita do dia. Faço as coisas assim de maneira um bocado trapalhona mas deu muita coisa: tomates, pimentos, cebolas, rúcula, espinafres, pepinos, courgettes, diz. Comecei na quarentena, uma amiga de um amigo tem um terreno e falou-me mas tenho de me organizar para conseguir passar cá mais tempo. Patrícia Esteves continua a mostrar-nos o espaço e explica-nos que há prós, como lhes chama, que não só dedicam mais tempo ao seu talhão como acabaram por expandi-lo e decorá-lo com canteiros de flores, caminhos de pedras e infra-estruturas que permitem, por exemplo, a criação de animais. 

Rui Carvalho, professor universitário de Bioquímica, é um deles. Estava a regar quando nos aproximámos e perguntámos o que é que a sua horta vai dar. Está a dar muito trabalho!, atirou com um sorriso de cansaço feliz. Chegou há um ano, por sugestão de uma colega durante uma conversa no bar da faculdade onde lecciona, na Universidade de Coimbra. Disse-lhe que andava à procura de um terreno mas que só apareciam bons mas caros ou sem água e ela conhecia uma pessoa que está aqui e falou-me da vaga, conta. O que é que Rui produz? Tudo, desde Fevereiro que não compro vegetais e ainda mando para as filhas. Faz criação de galinhas, inicialmente apenas para carne mas a partir de hoje, que adquiriu mais seis, também para ovos. O corpo e a mente agradecem o exercício físico e o ar puro.

A agricultura não era propriamente novidade para Rui Carvalho. Natural da zona de Viseu, este agricultor urbano, se assim lhe podemos chamar, trabalhou no campo até aos 18 anos. É lamentável que tenhamos aí terrenos tão soltos em Coimbra, nomeadamente na Escola Agrária, aponta. Diz que chegou a fazer algumas abordagens, tal como Patrícia, mas a resposta foi sempre adiada ou negativa. Cerca de 20 famílias ocupam a horta lotada e bastou uma pequena semente. Estes conceitos ligados à sustentabilidade já me eram muito próximos, tinha ouvido falar nas hortas comunitárias e como sou de gostar de um conceito e experimentar para ver se funciona, foi o que fiz, diz. O resultado está à vista e não fica por aqui.

O princípio

Patrícia Esteves sempre morou em prédios e em diferentes cidades. Filha de pais divorciados e com o pai a viver em Vila Real, com um terreno, horta e cavalos, além de ser vegetariana e ter as preocupações ambientais – que, a seu ver, qualquer um de nós devia ter -, um dia Patrícia decidiu que queria também aprender a cultivar os próprios alimentos. Pensei que seria interessante criar uma horta em que estivesse muita gente e eles me ensinassem como se fazia, conta. Primeiro passo: encontrar um terreno. Aconteceu graças a um contacto que fez durante uma formação de Ervas Aromáticas, na Casa da Esquina. A primeira horta comunitária que criou fica na localidade de Casal da Misarela e bastou um artigo no Uniplanet para angariar dezenas de voluntários. O problema é que quem respondeu ao apelo foram muitos jovens, sobretudo universitários e sem conhecimentos de agricultura. Mesmo com um grupo criado no Facebook, onde os candidatos começaram a debater ideias, Patrícia avançou com um pedido abertura de uma formação de Agricultura Biológica pela Turisforma. 

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Cerca de 15 pessoas frequentaram o curso, também na Casa da Esquina, e o projecto avaçou e vingou mas as cheias do Mondego e a pandemia fizeram com que ficasse em stand by até ao momento. Além do segundo projecto no Oryza, agora sob gestão dos proprietários da Guest House, há uma terceira horta, desta vez escolar, com alunos de escolas da zona ali mesmo, em Bencanta, junto ao amplo espaço onde se realiza mensalmente a Feira dos 7 e dos 23. A participação nas hortas não envolve custos além de algumas despesas partilhadas, como as das ferramentas, água ou electricidade, e é proibido o uso de pesticidas. É tudo biológico, diz Patrícia Esteves, que já tem uma ideia da próxima horta que quer experimentar fazer: uma horta terapêutica, para pessoas com problemas mentais como a ansiedade e a depressão. Só falta arranjar o terreno.

Uniplanet

Formada em Turismo, Patrícia Esteves tem um mestrado em Gestão e está a fazer Doutoramento em Geografia Humana. A tese é sobre a forma como a comunidade percepciona o turismo em Coimbra. Consultora da empresa de certificação sustentável Biosphere, a vida desta defensora do meio ambiente e práticas sustentáveis reparte-se entre trabalho, estudo, regas, plantações, colheitas e a redacção de artigos e gestão do UniPlanet  – o site que começou por ser o blogue O Único Planeta que Temos e hoje reúne cerca de milhão e meio de visualizações por ano, com mais de 59 mil seguidores no Facebook e quase três mil no Instagram. É visto como um dos principais a nível nacional ligado ao ambiente e sustentabilidade, atira Patrícia. Nacional, mas com uma quantidade enorme de seguidores também do Brasil. As pessoas dizem-me que é fidedigno e a verdade é que às vezes pesquiso notícias que saem nos media tradicionais e descubro que os dados não batem certo, além de fazer artigos com base das dúvidas que as pessoas nos mandam, explica a autora que se vê como influencer da área do ambiente, sustentabilidade e dos direitos humanos. 

Eu vejo que cria diferença, tenho leitores de todas as áreas, muitos professores de áreas como Biologia e Geografia, continua. Patrícia Esteves é convidada para conferências, sobre temas como a importância dos media para a divulgação de temas ligados ao ambiente e sustentabilidade. Em Coimbra, onde reside, aponta o pouco investimento autárquico nessas áreas mas diz que, a mudar, começaria pelas questões sociais, nomeadamente tudo o que toca a Educação. Olhando para o país inteiro, a comunicadora considera vital uma restruturação total do sistema escolar a arrisca dizer que as crianças podiam estar a criar coisas para a sociedade porque elas são novas, têm montes de ideias, não estão formatadas e podiam estar a criar projectos incríveis em vez de estarem para ali sentadas nas salas de aula, a ouvir uma professora e muitas vezes matérias completamente desactualizadas, que não lhes interessam nada para a vida. Patrícia considera que faz muito pouco sentido uma sociedade em que tudo é descartável e remata defendendo que é importante o trabalho que faz, porque através dele não só promove a consciencialização sobre os desafios que o mundo enfrenta e as iniciativas que acontecem um pouco por toda a parte, como exerce uma influência positiva no sentido de altera comportamentos e alimenta o sonho de um mundo melhor a começar pelo rotina do dia-da-dia, às vezes basta apenas lançar a primeira semente. 

Texto e fotos: Filipa Queiroz

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