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COIMBRA NO MUNDO | Brasil

Vivo desde início de 2013 no Rio de Janeiro, mas estou com um pé fora de Portugal desde 2006. Como para tantos, a primeira experiência além portas foi um intercâmbio universitário, por acasos da vida, também no Rio de Janeiro (a proposta inicial era a Polónia, mas a necessidade do Departamento de Engenharia Civil estabelecer […]

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Vivo desde início de 2013 no Rio de Janeiro, mas estou com um pé fora de Portugal desde 2006.

Como para tantos, a primeira experiência além portas foi um intercâmbio universitário, por acasos da vida, também no Rio de Janeiro (a proposta inicial era a Polónia, mas a necessidade do Departamento de Engenharia Civil estabelecer uma ligação com uma Universidade do Rio de Janeiro levou dois professores a apostarem na minha ida e de mais 3 alunos do departamento para servir de comitiva de cobaias de boas-vindas, na esperança de deixar uma boa impressão e impulsionar o intercâmbio entre as duas universidades nos anos seguintes).

O regresso do Rio foi difícil. Tudo se torna pequeno, cristalizado numa bolha temporal que não parece oferecer genica e motivação. Daí que, sem surpresa, acabado de regressar aceitei ingressar num programa de doutoramento em que um dos grandes atrativos (para mim) era a possibilidade de ir umas temporadas para os Estados Unidos. Assim, entre 2008 e 2010, seguiram-se 3 períodos em Santa Barbara na Califórnia, intercalados com estadias em Portugal. Longe de ser o país dos meus sonhos foi uma experiência enriquecedora e que hoje, ao contrário da época, me deixa saudades. Do final de 2010 até 2012 a promessa de estabilização familiar afetiva quase me “efetivou” em Coimbra de novo. Contudo, em 2012, uma nova proposta, desta feita de Pós-Doc levou-me até Lausanne na Suíça. Foi um ano completo junto ao Lago Léman com vivências únicas junto de outros imigrantes europeus, quase todos com o elo comum da comunidade couchsurfing, predecessor idealista do Airbnb.

A decisão de tentar de novo a sorte no Brasil resultou de um cocktail de:
1) acaso: uma chamada não prevista de um conhecido no Brasil que me deu 7 horas para preparar uma candidatura a uma vaga de professor universitário no Rio;
2) conjuntura económica: à data, Portugal apenas me oferecia a precariedade de um regime bolsista universitário;
3) desafetos amorosos: término de uma relação de anos e impulso de romper o ambiente de sempre e de voltar para onde já tinha sido feliz.

O Rio de Janeiro, a cidade maravilhosa, foi ao mesmo tempo a resposta e uma oportunidade inegável.

O Brasil é um país de extremos e de opostos. A alegria contagiante da população contrasta com a pobreza e segregação,  presentes em cada esquina. O cheiro nauseabundo das ruas fedidas engalana-se de aromas e sons alucinógenos promovidos pela vivência social e gastronómica dos botecos. As praias tumultuadas com arrastões ocasionais são como um parente social em grande escala do Tropical, da Praça da República, onde todo o mundo se encontra, bebe e dança à vida numa profusão de atividades desportivas, musicais e de convívio que perpassam todas as idades.

Para entendermos a diferença de mentalidades, basta dizer que tenho no Rio um grupo de amigas constituídas por avós dos 70 em diante, que se juntam ao fim de semana no boteco para conversar, beber uns chopps e abanar as artroses ao som dos grupos de música ao vivo sempre presentes. Defino o meu amor pelo Rio de Janeiro em 4 entidades: Praia, Boteco, Rodas de Samba e Carnaval. Quando um dia sair de cá, será do que mais sentirei falta.

O que me desagrada são as bandeiras sobejamente difundidas mundo afora: insegurança (saber que posso ser morto para me roubarem um pacote de bolachas; a vida tem um preço diferente aqui); a corrupção entranhada no sistema político e social brasileiro que te levam a descrer na emancipação do Brasil de País em  desenvolvimento para País de primeiro mundo; o rancor e ódio entre estratos sociais, que habitam lado a lado, incapazes de compreender que a diminuição das distâncias educacionais e económicas são essenciais para a formação de uma sociedade inclusiva e humana; a bipolarização política brasileira que encontra respaldo no cidadão comum e cria igrejas de fiéis que fraturam exponencialmente uma sociedade já de si segmentada; o aparelho burocrático brasileiro; o estágio retrógado de leis de direitos fundamentais pessoais e a falta de respeito laboral pela maternidade; a subserviência de uma grande fração da população em relação a uma elite empoderada, mas ao mesmo tempo o vitimismo tóxico dessa população rejeitada. Bem, acho que me entusiasmei neste ponto. 

Sou daqueles que sempre defendeu Coimbra como uma cidade que tem quase tudo para oferecer (com exceção de oportunidades de emprego) por comparação com os grandes centros metropolitanos portugueses, com a vantagem de efetivamente se conseguir viver e aproveitar o dia a dia sem filas quilométricas.

Ainda que haja muito a melhorar a verdade é que quando comparamos com outras realidades (e não necessariamente com o Brasil), verificamos que a qualidade dos serviços, oferta de escolas, de serviços de saúde, ofertas culturais, segurança, espaços de lazer e de convivência tornam Coimbra uma cidade como poucas no mundo. Concordo que não seja a mais atrativa para a faixa etária que atravessa os 25 aos 35, mas fora dessa faixa Coimbra oferece todas as condições para uma vida com qualidade acima da média. E tudo isso numa cidade de bolso.

Até ao nascimento do meu primeiro filho (já são dois cariocas na conta) vinha a Portugal praticamente só no Natal por um período de duas semanas.

O restante das férias, apesar de sentir falta de casa e do enorme prazer quando regressava, usava-as para conhecer mais do planeta azul; ainda sentia mais falta daquilo que não conhecia. Depois do nascimento das crianças as férias passaram a ser em Portugal pela saudade da família e amigos e pela vontade de não querer privar os meus filhos das suas origens nem de os afastar de todos aqueles que são parte da minha essência. Ao fim de cerca de 10 anos a viver fora, resigno-me ao fato de que por muitos bons amigos que se façam nas deambulações e estadias pelo mundo, as amizades de infância não têm paralelo. Há alguma substância grude comum que é quase impossível de replicar na plenitude com seres fora do seio de formação pueril. E esse é um património que eu não quero nem posso perder sob pena de eu próprio deixar de o ser.

Sempre que venho a Coimbra visito as amizades de uma vida e curiosamente os pais dessas amizades, que com o tempo deixaram de ser espectadores dos amigos dos filhos para serem amigos; pego na minha velha mota, com 21 anos de histórias, e percorro a cidade para ver as mudanças e eventuais cicatrizes ganhas na minha ausência; reservo um dia para correr a baixa e a alta e, quando a pandemia não nos assolava, uma tarde ou noite para me sentar numa tasca com o meu pessoal da velha Estudantina para umas gaitadas de música e memórias passadas.

Coimbra sofre infelizmente de um problema crónico de não fixação da mão de obra qualificada, que curiosamente produz, mas exporta para todo o país e mundo.

Eu, tal como muita gente, gostaria de me fixar na região Centro e em particular em Coimbra, mas o desenvolvimento industrial e produtivo de Coimbra acompanha a linha de alta velocidade do país: não sai do papel e de promessas. A nível nacional a mudança que se impõe passa também por uma valorização dos salários, aproximando-se das práticas de outros países próximos.

Hugo Repolho

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