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Aqui mora a história dos Judeus de Coimbra

Coimbra teve duas judiarias, onde viveram muitas pessoas, durante muitos anos. Contribuiram para o desenvolvimento da cidade, mas não tiveram um final feliz. A história que foi sendo descoberta e é contada no Pátio da Inquisição pela historiadora e curadora Berta Duarte.

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Fotografia: Filipa Queiroz

«Esta exposição pretende sobretudo chamar a atenção para uma comunidade ou várias comunidades que estiveram radicadas em Coimbra durante um tempo muito longo, falo dos judeus mas poderia falar de muitos outros povos e religiões, que deixaram marcas e acabaram por contribuir para formatar o que somos hoje, como povo e como país», começa Berta Duarte, antiga chefe da Divisão de Museologia da CM de Coimbra. «A circunstância de os judeus terem permanecido em Portugal durante tanto tempo marcou a história de Portugal, embora ela tenha sido abafada Uma marca especialmente relevante para Coimbra, é o facto de o primeiro documento a atestar a presença de judeus no país ser da cidade, datado do século X. 

Os judeus em Portugal são chamados de judeus sefarditas, porque a palavra tem origem na denominação hebraica para designar a Península Ibérica (Sefaradספרד). A exposição «Judeus de Coimbra | da tolerância à perseguição | memórias e materialidades», no Edifício da Inquisição, em Coimbra, começa com essa explicação e rapidamente passa do contexto peninsular ao contexto português, uma presença muito antiga que não se pode ainda determinar com grande precisão, uma vez que não há grandes vestígios materiais e documentais, como explica a curadora. Há um painel que tem imagens de peças encontradas em Mértola, Silves e Tróia, e textos sobre a organização dos judeus em grupos e mapas que os situam.

Judeus em Coimbra

Existiram duas judiarias em Coimbra. E sabem onde ficavam? Em pleno centro histórico, na actual Rua Corpo de Deus, junto à linha da antiga muralha, e na Rua Nova, na Baixa, próxima da localização desta exposição (que não é mera coincidência). Ao longo da mostra, podem descobrir curiosidades como o facto de as judiarias serem organizações relativamente autónomas, confiadas ao rabino (professor ou mestre) que, por sua vez, respondia ao rei. Também que há duas localidades perto de Coimbra que se chamam Cioga do Campo (ou São João do Campo) e Cioga do Monte, derivações da palavra Sinagoga, porque as teriam albergado naqueles tempos.  

No início do século XII, Coimbra tinha então uma comunidade organizada em judiaria, com a sua sinagoga e o seu cemitério. «O cemitério judaico é a segunda prioridade para qualquer comunidade judaica se estabelecer, sendo que o primeiro são os banhos rituais», refere Berta Duarte.

Em 2013, foram encontrados, completamente por acaso, num edifício da Rua Visconde da Luz (antes chamada de Coruche), aquilo que se veio a revelar serem banhos de purificação judaicos (mikveh), possivelmente dos mais antigos da Europa.

Está tudo explicado na exposição, que inclui muitos outros conceitos e objectos, além de factos históricos, como que havia uma importante elite de judeus poderosos e próximos do rei, proprietários de vários terrenos e quintas de Coimbra, que depois acabaram por ser banidos. «Em meados do século XIV, vai crescendo dentro da comunidade urbana um sentimento de anti-semitismo e intolerância, que foi crescendo, muito motivado pela Igreja, pregando que os judeus eram culpados de tudo o que era mau, desde a morte de cristo às pestes», explica Berta Duarte.

Lenda do Corpo de Deus

«Há um judeu, de nome Joseph, que corrompe o sacristão da Sé oferecendo-lhe dinheiro para ele lhe trazer cinco hóstias sagradas. Ele traz as hóstias e os judeus, que não acreditam no «corpo de Deus», resolveram fazer uma experiência e pô-las numa sertã ao lume com azeite. As hóstias terão saltado da sertã e feito o sinal da cruz no chão. Este é o “milagre do corpo de Deus”. Diz-se que quando o episódio chegou aos ouvidos do Bispo, foi um grande escândalo e ele organizou uma procissão com outros fiéis, que entra na judiaria para trazer de volta as hóstias sagradas, profanadas pelos judeus». Ou seja, o pretexto ideal para entrar naquele território, como remata Berta Duarte, que terá levado ao abandono definitivo da judiaria velha e instalação da comunidade judaica na judiaria nova ou de Sansão (antigo nome do largo onde hoje é a Praça 8 de Maio).

Apesar de quase tudo ter sido destruído e apagado da história, ainda existem particularidades que podemos encontrar nas zonas onde esteve instalada a comunidade judaica, como a tipologia arquitectónica. 

Pátio da Inquisição

Em 1496, o rei D. Manuel assinou o édito de expulsão dos judeus (e mouros) do país, condição imposta por Espanha para que o monarca pudesse casar com D. Isabel, o que rompeu com a longa tradição de tolerância religiosa em Castela, Leão e Portugal.

Milhares de judeus tiveram de escolher entre a expulsão ou a conversão aos cristianismo (passando a chamar-se cristãos novos).

As últimas salas da exposição, contam a história dos cerca de 470 anos do edifício onde se encontra, que começou por acolher estudos dedicados às arte e humanidades, mas adquiriu um valor simbólico por se ter tornado lugar do Tribunal do Santo Ofício da Inquisição. O «refeitório muy grande» do Real Colégio das Artes, foi cárcere e casa do tormento até à extinção do Tribunal, em 1821. A última sala, destaca uma das várias pessoas que por lá passaram: Padre António Vieira. Berta Duarte diz que é «um espaço sensorial». «Gostava que, antes de saírem, lessem o texto, olhassem para as cordas e observassem as gravuras e nomes que retirei de processos da Inquisição de Coimbra.»

Séculos depois e após várias utilizações, esta é a nova vida de um dos edifícios do Pátio da Inquisição. Pode ser visitada gratuitamente de terça-feira a sábado, das 13h às 18h. O espaço encerra ao domingo, segunda-feira e feriados.

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