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Helder Wasterlain: “Acho importante as pessoas fazerem o exercício de ver para lá daquele rectângulo.”

Entre marido e mulher, uma colher. A colher que Helder Wasterlain usa todos os dias para açucarar o café, as palavras e uma folha de papel. Mas há mais. Há o criador reflectido na colher. O criador de A4, o projecto que há um ano derrama arte, humor, pensamento e criatividade no Facebook e nas […]

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Entre marido e mulher, uma colher. A colher que Helder Wasterlain usa todos os dias para açucarar o café, as palavras e uma folha de papel. Mas há mais. Há o criador reflectido na colher. O criador de A4, o projecto que há um ano derrama arte, humor, pensamento e criatividade no Facebook e nas histórias da Coolectiva no Instagram.

Comecei a 19 de Novembro de 2020 e já passei por muitos estádios, tem sido uma viagem muito grande do ponto de vista artístico interior, diz Wasterlain ao telefone, desde Bruxelas. Uma viagem na qual foram embarcando dezenas de passageiros em forma de seguidores, alguns até inspirados ao ponto de replicar a técnica do autor luso-belga, natural de Coimbra.

Minimalismo

Tenho cada vez menos coisas e sinto-me cada vez mais leve, conta Helder Wasterlain. Já por isso a base do projecto é apenas uma folha de papel A4, onde o criador coloca palavras, frases, objectos ou transforma a própria folha em algo que depois fotografa, apresenta e arquiva. Às vezes as pessoas ficam surpreendidas com o minimalismo, com o humor, com a forma como vejo coisas numa folha de papel branca; ou então pensam: “Porra, como é que eu nunca tinha pensado nisto?”. É a surpresa e isso é bonito.

Helder Wasterlain diz que há pessoas que acompanham o projecto desde o início, tanto que até começou a existir uma espécie de comunicação entre ele e os seguidores. Às vezes dou por mim a fazer ilustrações a pensar em determinada pessoa, porque sei que ela vai gostar, só pelos gostos que ela foi fazendo ao longo do tempo.

Estímulo

No início do A4, em 2020, Helder Wasterlain colocou-se a obrigação de fazer uma ilustração por dia. Quando não o pôde fazer, por razões pessoais, confessa que isso o pôs mal disposto. Foi então que foi começando a perguntar-se por que se colocava essa pressão e percebendo que o processo era sempre diferente. Há publicações imediatas e premeditadas, há ilustrações que deixa na gaveta por lhes faltar qualquer coisa, imagens que dão bastante trabalho a elaborar e ideias que aparecem totalmente por acaso. Como a do martelo: De tanto martelar numa ideia, percebi que o martelo era a ideia, cita.

Determinadas datas também inspiraram Helder Wasterlain a criar, fazendo até pequenas série de ilustrações. A do 11 de Setembro foi uma delas e o autor confessa que levou muito tempo a ser pensada. Acabei por partir daquela imagem das milhares de folhas de papel a esvoaçar quando as Torres  Gémeas caem, que foi uma das imagens que ficou, e foi a minha homenagem.

Portabilidade 

Questionado sobre se gostava de ver o projecto materializado numa exposição, por exemplo, Helder Wasterlain responde que não está fora de questão, até porque a portabilidade é evidente. As folhas de papel existem em todo o lado e se alguém um dia quiser uma exposição, a única coisa que tenho de fazer é uma selecção das melhores ilustrações, com curadoria de alguém, e depois recriá-las, no sítio onde for. Não preciso de levar nada, uso objectos que há em toda a parte, explica.

Recentemente, um seguidor perguntou-lhe onde podia ver as suas obras. E eu respondi: Tu já tens as minhas obras. Frases como A hora mudou, mas o tempo não, têm um cunho tanto existencial como intemporal e recentemente o autor aventurou-se no vídeo: a gravação da folha onde coloca um clipe a seguir à palavra vídeo. Uma psicóloga questionou-me sobre o facto de a criatividade de um adulto de 43 anos ainda se mover nestes campos e eu expliquei que ela é quase sempre trabalho, eu trabalho muito com constrangimentos, explica Wasterlain. Estes jogos de grandeza e pequenez são importantes para o cérebro, acho importante as pessoas fazerem todos os dias o exercício de ver para lá daquele quadrado.

Impacto

Para Helder Wasterlain, é importante dizer às pessoas que elas também podem fazer o que ele faz. Têm tudo para fazer isto se forem instigadas, vão pensar noutras coisas de que eu não me lembrei, diz o autor que, a cada ilustração que publica no Facebook e Instagram, recebe dezenas de gostos por dia. Aos ouvidos da Coolectiva chegaram relatos de pais que fizeram o exercício com os filhos.

Eu agora consigo fazer 5 ou 6 de uma vez, numa fiz uma espécie de uma dança da folha, em que a folha estava fechada em bola e tirei uma sequência de fotos dela a abrir, conta Wasterlain, que é de Coimbra mas vive e trabalha em Bruxelas, na Bélgica. A fotografia também é instrumento de criação e um lançamento do projecto em livro é uma hipótese para o artista, que escreve textos para teatro e também contos que dá a ouvir no projecto Code Mémoire (Código Memória). O último aconteceu brevemente em Coimbra mas tem tido maior adesão em Bruxelas, com grande apoio da autarquia e freguesias locais, graças ao potencial artístico, comunitário nas também turístico. 

Código Memória

Imaginem que se aproximam da porta de uma casa, de um objecto comum ou mesmo de um produto, e começam a ouvir a voz de alguém envolvido nesse lugar, objecto ou produto a contar uma história sobre ele. O projecto Código Memória é composto dessas histórias, acedidas através de códigos QR. Podem ser objectos poéticos como um pouco de areia para falar de uma praia, desde que provoquem a curiosidade das pessoas em saber o que representam, explica Helder Wasterlain.

O projecto foi posto em prática em Coimbra, em 2018, com o nome Alta(s) Histórias Soltas, no âmbito Semana Cultural da Universidade de Coimbra. Tentei reintegrá-lo na cidade depois mas não houve sensibilidade da parte da Câmara Municipal, afirma. Penso que tem potencial tanto outdoor como indoor; em Coimbra há bairros que merecem, com uma memória muito viva. Em Bruxelas, o primeiro Code Mémoire, com 7 códigos instalados no bairro Matongé, mantém-se activo anos depois. Durante os confinamentos, as pessoas tinham pouco que fazer e acabaram por usar os códigos nas ruas e ouvir as histórias, é um passeio de cerca de 1 hora, remata o autor. 

Texto: Filipa Queiroz
Fotos: Helder Wasterlain

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