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Opinião | Frente ribeirinha de Coimbra: para quem e de que modo?

Por Adelino Gonçalves

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Fotografia: Município de Coimbra

A partir de setembro de 2020, uma área vital do centro histórico de Coimbra passou a ser entendida e discutida na cidade (e pela cidade) pelo que ela deve ser de futuro: uma parte da frente ribeirinha da cidade. Trata-se da área compreendida entre as pontes de Santa Clara e Açude, e as avenidas Cidade Æminium e Fernão Magalhães. Nessa altura, já com as obras de estabilização do muro de suporte da marginal em curso, não era conhecido o respetivo projeto que a Câmara Municipal de então pretendia impor à cidade. Mas a maioria política mudou e o método que este segue na gestão da coisa pública que a cidade é, parece que também mudou. Parece que ouve a cidade. Parece que se lembra do debate sobre a frente ribeirinha que os Cidadãos por Coimbra promoveram em outubro de 2020 e parece que quer continuar a ouvir a cidade a este respeito, pois, mesmo não estando obrigada a promover uma discussão pública sobre um estudo urbanístico desenvolvido por técnicos da Câmara Municipal, este Executivo fê-lo.

Não sendo um plano urbanístico enquadrado pelo Regime Jurídico dos Instrumentos de Gestão Territorial (RJIGT) ou outro instrumento com a capacidade de vincular usos do solo e gerir os benefícios e os encargos, a lei não obriga a realização de uma discussão pública. Mas a Câmara Municipal de Coimbra fê-lo. Terá mesmo sido a primeira vez que tal aconteceu em Coimbra e serve, antes de
mais, para definirmos todos como podem ser consequentes e eficientes iniciativas que promovam exercício da cidadania. Porém, apesar de não ser um instrumento enquadrado pelo RJIGT, como é um
Plano de Pormenor, este estudo e as obras que o seguirão irão gerar benefícios. Muitos! Mesmo muitos!
Desde logo um benefício que todos os conimbricenses procuram e merecem ter: uma frente ribeirinha qualificada, amiga do peão, das famílias, do desporto e da cultura.

Mas também gera benefícios de outra ordem: mais-valias para os proprietários de todos os prédios urbanos daquela área e entre os quais se destaca a Infraestruturas de Portugal. Só a obra de estabilização do muro da marginal em curso está a produzir um efeito de valorização do solo de toda a área que é, para usar um eufemismo, assinalável. Com o mesmo efeito nesta mesma área, junta-se a instalação do Sistema de Mobilidade do Mondego que agora se diz que pode vir a ligar as duas margens com uma ponte nova. Pois bem, ligando as duas margens, esta nova ponte criará benefícios para ambas (leia-se: para os proprietários de terrenos de ambas as margens) e os entre os
beneficiados destaca-se… a Infraestruturas de Portugal. E os encargos??? Recaem sobre quem?
Não devia haver uma distribuição justa de benefícios e encargos???

O modo como se está a gerir este processo é, para usar outro eufemismo, dúbio. O modo como se está a gerir a informação relativa ao estudo urbanístico da frente ribeirinha é, no mínimo, inquietante. Apenas se fala – e de forma genérica – de grandes opções para o espaço público ou espaços exteriores, dizendo-se que “aqui talvez possam passar carros” e “acolá é para as pessoas, apenas para elas”. Para quê e para quem serão os edifícios que ali vão ser construídos, silêncio. Nada é dito. Serão de comércio? Escritórios? Habitação? Para quem? Apenas para quem tenha poder aquisitivo alto e esteja disposto a contribuir para a fortuna dos proprietários, sem os vincular a encargos? E as famílias que não tem esse poder aquisitivo? E os jovens? Durante o período da discussão pública reclamou-se alto a questão da habitação. Reclamou-se, mas ela não é sequer referida nos “…pequenos ajustes ao estudo original…” da frente ribeirinha.

Que haja habitação na frente ribeirinha e que a Câmara Municipal de Coimbra se empenhe a garantir que ela será para todos e para todas, foi a reclamação feita. O que é dito sobre ela na revisão do estudo urbanístico: nada!

Adelino Gonçalves é arquitecto e professor da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC).

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