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Nasce o Centro Social e Cultural da Relvinha mas problemas de acesso e integração continuam a pedir soluções

Depois de quase duas décadas de impasse, uma angariação de fundos e um financiamento público permitem concluir o espaço que já tem programação prevista. Mas quem esteve envolvido no processo garante que é só a ponta do icebergue de problemas que persistem, como a falta de acesso aos programas de financiamento e de integração da chamada zona Norte de Coimbra no resto da cidade.

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Fotografia: Tiago Cerveira (capa), Mário Canelas

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«O homem sonha e a obra nasce», já dizia Fernando Pessoa – embora possa demorar. Mas o Bairro da Relvinha é conhecido pela sua resiliência e estes dias os olhos focam-se no renovado Centro Social e Cultural do bairro, que está quase concluído. «Falta pôr a cartonagem por dentro», conta-nos Jorge Vilas, antigo presidente da Cooperativa Semearrelvinhas e principal rosto da luta pelo espaço que tem custado a sair do papel. O edifício já existia e tinha sido cedido à Cooperativa (antes Associação de Moradores) pela Câmara Municipal de Coimbra, mas tinha deficiências inerentes a todos os imóveis centenários e depois de diversas utilizações, a última como oficina. 


O sonho de dar condições dignas de funcionamento ao Centro Social e Cultural começou em 2003, com o projecto Relvinha.CBR_X promovido pela Associação Cívica Pro Urbe, durante a Capital Nacional da Cultura em Coimbra. Com o projecto de construção assinado pelo arquitecto João Mendes Ribeiro, faltaram verbas para a sua concretização e muitos têm sido os avanços e recuos. «Temos tido muitas [promessas] que nunca são cumpridas», desabafa Vilas, também um dos mais antigos moradores deste bairro, criado em 1957, quando cerca de 28 famílias foram desalojadas para a construção da Avenida Fernão Magalhães, entre a Estação Velha e a central rodoviária. 

«A minha grande paixão era deixar as pessoas com condições mínimas para se sentirem bem no local onde estão e não se sentirem defraudadas com as promessas que foram feitas ao longo do anos e que, na maioria, não foram cumpridas»

Jorge Vilas, antigo presidente da Cooperativa Semearrelvinhas

O programa «Bairros Saudáveis», criado em 2000 pelo Governo português para a promoção da saúde e qualidade de vida das comunidades, deu um novo fôlego ao projecto. A candidatura resultou na atribuição de 50 mil euros, o valor máximo disponibilizado, que permitiram a mudança do telhado, o isolamento térmico e acústico e espera-se que possa chegar também para a substituição das portas.


Fica a faltar a construção de dois anexos, que servirão de sala de computadores com uma pequena biblioteca e um espaço administrativo, para a qual a União de Freguesias de Eiras e São Paulo de Frades garante total apoio. «Não sei se o fundo comunitário que vem para reabilitar vai chegar. Eu próprio já disse ao senhor Vilas para não se preocupar porque, se efectivamente for necessário mais alguma coisa, a União de Freguesias está lá ao lado para acabar o edifício de uma vez por todas e, realmente, deixarmos o espaço com mais dignidade do que tinha», reitera o presidente Luís Correia.

Com as obras do edifício principal quase concluídas, Jorge Vilas assegura que «já satisfaz minimamente as necessidades». Ainda assim, aos 81 anos e depois de quase duas décadas a lutar pelo espaço, Vilas não esconde um desejo: «A minha grande paixão era deixar as pessoas com condições mínimas para se sentirem bem no local onde estão e não se sentirem defraudadas com as promessas que foram feitas ao longo do anos e que, na maioria, não foram cumpridas».

Do crowdfunding ao «Bairros Saudáveis»

2019 marcou a viragem na concretização do sonho dos moradores do Bairro da Relvinha. Começou com a campanha de angariação de fundos: «Pôr a Relvinha no centro! Com um Centro Social e Cultural no Bairro». «Colocámos uma meta acima daquilo que podia ser exequível, mas ainda assim parece que o balanço foi claramente positivo. O objectivo principal era recolher fundos, mas também levar esta problemática em concreto a toda a cidade», conta Rui Calado, um dos dinamizadores do crowdfunding, em conjunto com Filipa Queiroz e João Baía, sociólogo e autor da tese de mestrado «SAAL e autoconstrução de Coimbra – Memórias dos moradores do Bairro da Relvinha 1954 – 1976».


Depois surge a candidatura ao programa «Bairros Saudáveis», com o projecto «Vamos pôr a Relvinha no Centro!». «Alguém me alertou e vi no Facebook, mas não percebia nada», conta Vilas. «Aquilo não está preparado para o comum dos mortais», recorda o octogenário numa alusão aos procedimentos administrativos da candidatura.

«É uma necessidade que notamos em várias entidades como a Relvinha e que têm graves dificuldades em concorrer a programas e projectos que existem e que facilmente angariavam dinheiro».

Filipa Alves, facilitadora da associação cultural Casa da Esquina

Socorrido pelos «amigos da Relvinha», e os amigos dos amigos, a Cooperativa Semearrelvinhas acaba por se candidatar tendo como parceiros as associações Há Baixa, Casa da Esquina e a União de Freguesias de Eiras e S. Paulo de Frades. «O projecto já estava praticamente feito», atira Filipa Alves, da Casa da Esquina, que nos recorda que o primeiro contacto com a Relvinha foi em 2019, durante a campanha de crowdfunding. «Nós só ajudámos a fazer a candidatura e demos parceria, porque a Relvinha é um projecto que já está mais do que escrito e encaixava perfeitamente no que é espírito do programa «Bairros Saudáveis».


«A importância da Casa da Esquina foi fantástica, mas isso substituiu uma carência que o nosso país tem a nível de financiamentos europeus e outros tipos de financiamentos- existem muitos -, que é o acesso das comunidades a esse financiamento, não só pelas burocracias mas também por desconhecimento», assinala Rui Calado, amigo da Relvinha de longa data por afinidade familiar. O pai, José Manuel Mendes Calado, cujo espólio foi recentemente doado ao Centro de Documentação 25 de Abril, ajudou na construção do bairro quando, já depois da revolução dos Cravos, as barracas de madeira começaram a dar lugar a habitações condignas. E a amizade ficou. 

Face às dificuldades encontradas por esta e outras associações em candidaturas semelhantes, Rui Calado defende a necessidade de encontrar soluções que facilitem o acesso a apoios. Um dos caminhos sugeridos passaria pela criação de departamentos, nas juntas de freguesias ou câmaras municipais, específicos para auxiliar nestes processos: «Muitas vezes o modelo é idêntico, nessa parte burocrática. É só adaptar a questão em concreto para que haja financiamento europeu ou nacional», considera Calado.

Os benefícios, entende, seriam até maiores para as instituições governamentais, que acabariam por «libertar os recursos, que muitas vezes são para as associações, para outro tipo de coisas». Sugestões corroboradas por Filipa Alves, que acrescenta que têm feito chegar esta posição a vários organismos: «É uma necessidade que notamos em várias entidades como a Relvinha e que têm graves dificuldades em concorrer a programas e projectos que existem e que facilmente angariavam dinheiro».


Luís Correia, a cumprir o primeiro mandato como presidente da União de Freguesias de Eiras e São Paulo de Frades, diz que desconhece o que aconteceu no passado mas assegura que terá sempre as portas abertas para ajudar neste tipo de situações, sobretudo quando implicam mais burocracias. «Na Relvinha estamos a falar de pessoas já com alguma idade. E, apesar da idade, estão muito activas, mas ainda assim lhes faltam algumas competências. Já lhes disse que, no que depender de mim, eles têm a porta aberta e todos os serviços da junta estão disponíveis para ajudar no que eles necessitarem. Há uma parte burocrática que é muito complicada», reconhece o presidente. 

A importância da comunidade

Para Rui Calado, o Centro Social e Cultural da Relvinha «é uma prova que só a união é que faz a força». Esta é, no entanto, uma força que não vem de hoje ou não fosse este bairro uma história de resiliência, pela luta por melhores condições de habitação. «É um bairro onde existe comunidade. Não são pessoas isoladas a viver juntas, mas é um colectivo a funcionar e isso é a grande força deste bairro e a grande diferença para outros», descreve Rui Calado.

«A primeira fase é as pessoas de outras zonas de Coimbra, nomeadamente mais “nobres”, pelo menos financeiramente, conhecerem a Relvinha e a zona norte da cidade. A partir daí, abre-se um conjunto de portas para um conjunto de actividades que podem ser aqui executadas». 

Rui Calado, investigador e «amigo da Relvinha»

Uma opinião partilhada pelo arquitecto José António Bandeirinha, «amigo da Relvinha» desde os tempos em que era estudante universitário, quando o bairro estava em ainda construção e para quem a insistência desta comunidade tem sido crucial. «Diria que a única coisa que isso nos prova é que, se não fosse na Relvinha, era impossível. Foi demorado? Foi! Mas se não fosse a Relvinha nunca faziam e ia ficando esquecido», diz o arquitecto e professor catedrático do Departamento de Arquitectura da Universidade de Coimbra. 


O impasse deste projecto é, para Rui Calado, uma amostra das carências da zona norte da cidade de Coimbra com «cerca de 30 mil moradores e sem um espaço cultural», a que o doutorando em Altos Estudos em História e investigador colaborador do Centro de Estudos Interdisciplinares do Século XX na Universidade de Coimbra acrescenta desconhecimento por parte da comunidade residente no resto da  cidade. Um desconhecimento que, diz, acaba por gerar clichês e mitos que dificultam a ligação. «A primeira fase é as pessoas de outras zonas de Coimbra, nomeadamente mais “nobres”, pelo menos financeiramente, conhecerem a Relvinha e a zona norte da cidade. A partir daí, abre-se um conjunto de portas para um conjunto de actividades que podem ser aqui executadas». 

Nesse sentido, Jorge Vilas não esconde que, no futuro, já com o centro social concluído, espera mais suporte da cidade. «O nosso pensamento é que o centro não seja feito e depois não haja apoio cultural, nomeadamente as forças vivas da cidade. Têm obrigação moral e material de apoiar um projecto destes, tanto mais que foram eles que nos marginalizaram, foram eles que nos meterem aqui. Não fomos nós que pedimos para vir para aqui». 

Um centro «muito desejado»

O certo é que o bairro espera por esta obra com ansiedade. «É muito desejado», lança-nos Cidália Rodrigues, moradora há cerca de 40 anos, que encontramos no largo junto ao Centro Social. Mais abaixo, cruzamo-nos com Graça Almeida que acredita que o espaço será «bom para a gente», pequenos e graúdos. «Deus queira que façam mais coisas. Este bairro também está muito fechado e não há aqui nada de jeito. É só cafés. Está esquecido», lamenta.

Cidália Rodrigues acredita que o espaço pode ser uma grande ajuda, sobretudo para a população cada vez mais envelhecida do bairro. «As pessoas de uma certa idade, que estão sozinhas e isoladas, deviam aqui encontrar um apoio, uma palavrinha. Isso era muito importante para as pessoas de idade, que elas precisam realmente». 


O futuro apresenta-se cheio de ideias para dinamizar o espaço e trazer gente para o bairro. Para além das actuais aulas de costura, de ginástica e de computadores, a Casa da Esquina, no âmbito da parceria com o programa «Bairros Saudáveis», tem já programada uma «Feira do Livro Dado»  e uma «Troca de Roupa!». Nos planos, está ainda o regresso ao bairro do ciclo de cinema Paradocma. Filipa Alves diz que também está na calha  um levantamento das necessidades do bairro para posterior trabalho comunitário.

Da parte da União de Freguesias, Luís Correia enfatiza a necessidade de não deixar morrer o que se tem vindo a fazer na Relvinha e antecipa alguns dos planos: «Nós temos intenção, no futuro, se encontrarmos um bom parceiro para isso, começar a fazer aulas de música e de dança para pessoas de idade». No caderno de intenções, consta ainda a revitalização da zona adjacente ao centro e, para isso, defende o presidente, será primordial quem lá vive.

«Isso é que é uma cidade, com as coisas juntas. E então a Relvinha fica a cumprir o seu papel, como uma espécie de centro histórico deste espaço. Esse é o meu desígnio de futuro». 

José António Bandeirinha, arquitecto e «amigo da Relvinha»

«A população que diga o que lhe faz mais falta. Há alturas na vida em que temos mais crianças nos bairros e que se calhar um parque infantil faz mais sentido, mas se calhar com uma população mais envelhecida já não faz sentido. Não sou eu que resido lá e à minha porta sei do que preciso. A população tem de dar um pouco de si, dizer o que acha que é mais importante para ali ser feito e depois trabalhar nesse sentido. No que a União de Freguesias pode fazer, no que a Câmara Municipal pode fazer e naquilo que a União de Freguesias consegue pressionar a Câmara para poder fazer também. Também temos este papel de lobby junto das outras instituições», argumenta Luís Correia.


Do lado da Câmara Municipal de Coimbra, é-nos assegurado que o Departamento de Cultura tem apoiado a Associação Semearrelvinhas com verbas pontuais, através de cedência de grupos para espectáculos, além de ser prestado apoio às associações através da equipa destacada para trabalhar com na área do Associativismo Cultural. 

Mais sangue novo ao bairro

Olhando para o futuro, José António Bandeirinha considera que é preciso «sangue mais novo» para dar continuidade às vivências que têm marcado a Relvinha. «O que acho é que – até uma vez manifestei aqui a esperança nisso – a cidade devia crescer e esta zona devia ser cidade, perder este ar de estar fora e de ser o subúrbio que era». O arquitecto confessa que ainda chegou a ver esta esperança alimentada pelo projecto da estação de Alta Velocidade, que esteve programada para esta zona da cidade, mas que foi abandonado.

Ainda assim, o arquitecto lança outras soluções, considerando que o caminho pode ser a construção na zona de habitação, para todos os níveis. «Isso é que é uma cidade, com as coisas juntas. E então a Relvinha fica a cumprir o seu papel, como uma espécie de centro histórico deste espaço. Esse é o meu desígnio de futuro». 


O arquitecto termina a nossa conversa a enfatizar as actividades que mantêm este bairro activo e que são uma oportunidade para que a comunidade possa conviver. «É o nosso espírito de transmitir aos outros os valores de quem se empenhou seriamente nisto», atira de seguida Jorge Vilas, depois de dizer que o bairro e o centro estão abertos a todos os que, individual ou colectivamente, queiram usar o espaço. «Queremos é que, efectivamente, os moradores digam: “Temos um legado”, “temos que lhe dar continuidade”, “temos que o proteger”, para que amanhã isto tenha uma história digna – que tem! Um povo sem memória é um povo sem história», remata. 

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