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Coimbra Out Loud

Vejam

«Aurora»

Tiago Silva: «Subir a um palco fantástico como o da Queima é um ponto alto»

«Eu ao lado de Quim Barreiros no cartaz. Eia, isto está a acontecer mesmo?». Estamos em 2008. A noite não é uma estranha para Tiago Silva. Trouxe da Pampilhosa da Serra para Coimbra uma bagagem pesada de noites e espectáculos, mas subir a um «palco fantástico como o da Queima é um ponto alto». Afinal, […]

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Fotografia: João Azevedo

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Coimbra Out Loud

Vejam

«Aurora»

«Eu ao lado de Quim Barreiros no cartaz. Eia, isto está a acontecer mesmo?». Estamos em 2008. A noite não é uma estranha para Tiago Silva. Trouxe da Pampilhosa da Serra para Coimbra uma bagagem pesada de noites e espectáculos, mas subir a um «palco fantástico como o da Queima é um ponto alto». Afinal, Quim Barreiros não actua, «mas eu toquei algumas músicas dele, porque para algumas pessoas estar ali o Quim ou eu a cantar, eles querem é aquele barulho da marcha por trás.» Não leva a mal. «Se fosse agora talvez levasse, mas na altura não, e na verdade o lugar de Quim Barreiros não é ocupado por ninguém!»

Apesar de tudo, o momento não é de glória plena. «Estava a tocar no palco principal e o meu pai internado nos Covões. Um amigo meu filmou para ele ver, ainda soltou uma lágrima a ver o filho a tocar na Queima», mas acaba por falecer dias depois. É Junho e a agenda está cheia de espectáculos, o Verão inteiro. O luto é silencioso e não falta a um compromisso. The show must go on. A família insiste para continuar, para seguir com a vida, porque parar é uma perda para todos, inclusive para o pai, que queria que o artista da família vingasse.

Quem diria. Ainda ontem, o pequeno Tiago estava na sua Dornelas do Zêzere a ver os acordeonistas a animar o Café Estrela da Noite. «Só pensava: “Ei, que espectáculo, é isto que eu quero ser”.» O café é da família mas, ao contrário das três irmãs, a veia não é de comerciante, apesar de ajudar também no supermercado e, à época, no restaurante. «Havia artistas que iam de propósito, pegavam no acordeão e faziam uma festa. A vida social era muito activa. As festas, os convívios nos cafés, as pessoas saíam do trabalho e o ponto de encontro era o café para conversarem, petiscarem, e havia sempre música, estava sempre presente.» 

Música popular, natureza e tradições. Tiago começa no rancho folclórico com 11 anos. Depois da telescola, frequenta o seminário do Verbo Divino do Tortosendo porque «havia insegurança por parte dos pais, quando os miúdos iam de autocarro para as escolas nas redondezas sem acompanhamento e podiam perder-se» e o Seminário oferecia «tudo a que tínhamos direito». O fim-de-semana, é sinónimo de regresso a casa mas, sobretudo, ao rancho e à música. Tiago toca de ouvido. «Ouvia as senhoras a cantar e com o acordeão tentava apanhar, foi um método que tive de adoptar no sentido de fazer as minhas próprias músicas.»

O primeiro concerto é na aldeia, na passagem de ano de 1997 para 1998. Só sabia tocar o «Apita o Comboio» praticamente e fê-lo durante 45 minutos, com a plateia em êxtase. «Fiquei todo feliz porque no fim tinha o convite para três festas no Verão!». A concertina entra na história em 2005, para o quarto disco. Quando chega «à cidade», para estudar no Conservatório de Música de Coimbra, já tem vários trabalhos discográficos editados. «Todos os anos, já era uma exigência do público que me acompanhava. As pessoas perguntavam: «Então, este ano não há CD? Eu vendia CD nas festas – hoje em dia é impensável, agora temos as plataformas digitais -, e ainda tenho esse público que me pergunta pelo CD. Eu digo-lhes: «Olhe, só saiu o single». E eles respondem: «Que é isso?» 

Não falta orgulho nas raízes. Voltou a elas depois da morte do pai, para ajudar a mãe com o negócio, e quase desistiu da música. «Só tinha vontade de viver a vida, com medo de as coisas de um dia para o outro desaparecerem». Não desapareceram, pelo contrário. A paixão pelas viagens leva-o a Cuba com os amigos e é lá que conhece Rita, socióloga, natural de Coimbra. «Foi aí a segurança. Em Coimbra nunca nos tínhamos cruzado, e eu vivi muito perto da casa dela, mas foi preciso ir a Cuba para conhecer a pessoa que me deu aquele clique». 

Vivem juntos na Covilhã quando o telefone toca com um convite para trabalhar na Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra. Primeiro para ela, depois para ele. «Perguntaram-me se tocava bombos, fui à Quinta da Conraria falar e disse que não estava preparado para aquilo, mas depois fui para casa a pensar em qual poderia ser o meu contributo naquela realidade que desconhecia da cidade.» 11 anos de sessões de música semanais depois, a ligação é especial. «Sou um privilegiado. É mais do que um trabalho, ajuda-me para o resto da minha vida. Com eles deixo de ser o frontman e trabalho para ficar de fora a bater palmas. São anos de trabalho mas, quando chegas ao final, às apresentações, o brilho nos olhos deles, sentir os nervos deles, é espectacular. É sinal de que estamos a viver.»

Muitas Queimas e semanas académicas depois, não só em Coimbra mas noutras cidades como Lisboa e Porto, e alguns temas a passar em canais como o Portal Pimba, em plena pandemia chega o convite que não pode recusar. «Fui convidado pela produção do The Voice para participar. Recebi um email e pensei: “O que é isto, pá?”. Sou fã de programas de talentos, gosto de ver coisas novas que aparecem e estão escondidas, já tinha percurso feito mas isto abanou-me também. Disse que o inglês era o meu grande problema mas disseram-me que tinha de ir e fazer o que gostava, por isso fui para o Porto e apresentei-me de concertina ao peito.» 

«Quem não gosta de uma boa festa ou dar um pezinho de dança, beber uma cervejinha e dizer: “Eh pá, já não ouvia esta música há tanto tempo! No The Voice, toquei o «Eu Nasci a Ouvir o Fado», que cantava como fadista nas casas de fado mas com um arranjo para música popular, com marcha – ou com pimba, como lhe queiram chamar.» Também com «Todo o Tempo do Mundo», Tiago Silva abriu um novo capítulo na vida. Ficou em segundo lugar no concurso e sente que cresceu porque criou a própria identidade.

Agora, a vida é programada de acordo com a agenda de espectáculos. E um dos filhos já acompanha no estúdio. «Enquanto sentir a música como ela é, porque a mim também ninguém me obrigou.» Tiago Silva cria a família em Coimbra com orgulho, até porque quando era pequeno lembra-se de os pais dizerem: “Vamos a Coimbra!” como algo espectacular. Tem amor pela cidade e lamenta que não tenha passado à short list da candidatura a Capital Europeia da Cultura 2027.

«Quando comecei a conhecer malta ligada às artes em Coimbra, percebi que em termos musicais a cidade tinha talentos enormes, mas que não são tão reconhecidos por estarem aqui. Não temos aquelas grandes empresas – todos nós precisamos delas -, e o facto de Coimbra estar rotulada com o rock, por exemplo, dificulta. Eu acho que Coimbra é muito mais do que isso e pelo menos as redes sociais ajudam, hoje em dia. Às vezes sou requisitado para ir actuar a associações e chego lá e deparo-me com talentos incríveis, muitos jovens, que eu fico de queixo caído e penso que é pena às vezes não terem palco. A candidatura ganhava força se mostrasse a quantidade de cultura regional que existe, se tivesse dado palco a essa riqueza com uma agenda cultural abrangente.»

Tiago criou o programa online Unidos Pela Música Portuguesa, vai regularmente à televisão e investe em telediscos como o do single «Aurora», escrito por José Rebola. «É preciso, quando queremos alcançar objectivos na vida, está sempre associado um investimento. Sem espectáculos, restou o online.» Diverte-se a cantar ao desafio, que «é aquilo que gosta de fazer nas adegas no Inverno, com a concertina ao peito, no meio do vinho, do presunto, do queijo e da chouriça» e «Aurora» assinala o tão desejado regresso à normalidade, com alguma nostalgia. «Vou buscar as raízes, o que se passava antigamente num Domingo de festa, que era o facto de as pessoas se juntarem, porem umas mantas na janela e verem passar a procissão. Depois vinha a banda e o sacristão!».

«Agora, convocam-se as fanfarras
Já se ouvem as cigarras
Seguimos vida fora
Porque até depois da noite triste
Um novo dia existe
É esta a nossa aurora

Agora, libertam-se as amarras
Afinam-se as guitarras
Seguimos vida fora
Volta a dança, o xaile e o bailarico
A marcha e o manjerico
A festa não demora»

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