Inspirada no universo musical da canção de Coimbra, «Ícaro» tem encenação de Carla Bolito, direção musical de Luís Figueiredo, libreto de Pedro Lopes e composições de Tiago Curado, Pedro Nuno Lopes e Luís Figueiredo. Entre os cerca de 80 intervenientes no espectáculo único de amanhã (28 de Maio), encontram-se Eduardo Almeida no papel de Ícaro, o coro Coimbra Vocal no papel de sociedade e Helena Faria no papel de narradora. O suporte musical será da responsabilidade da Orquestra Clássica do Centro, com Hugo Gambóias na Guitarra de Coimbra, Diogo Passos na Guitarra Clássica e Luís Figueiredo no piano.
Fomos saber mais sobre este projecto numa conversa com Tiago Curado, músico conimbricense, que afirmou que a premissa inicial «era que tudo fosse feito com gente de Coimbra. Enquanto promotores e produtores, e sendo nós de Coimbra, penso que temos a obrigação de mostrar ao público que há imensos projectos, grupos ou artísticas de grande qualidade em Coimbra. Porque os há. E neste caso não faria sentido nenhum que não fosse assim».
A dança da criação e a história do arranque são sempre os elementos que suscitam mais curiosidade e perguntámos como é que tudo começou. «Gostava de fazer algo com composições originais para coro e orquestra. Sempre gostei deste tipo de peças clássicas e de óperas, principalmente de ópera. Identifico-me bastante com toda a carga emocional que nos traz este género.»
O objectivo nunca foi compor Fados de Coimbra, mas partir do universo da Canção de Coimbra para desenhar um requiem que falasse da Humanidade. Tiago continuou a falar-nos da mensagem que queria imprimir a cada acorde: «Gostava que falasse de nós, Humanidade, que fosse um aviso à navegação enquanto temos tempo. Daí vem o “…para uma morte anunciada”. Está anunciada, mas ainda não aconteceu…ainda temos tempo.»
Com o evoluir das letras e das ideias, o espectáculo levou-nos para algo mais do que um requiem. E não é essa a maravilha do processo criativo e do amadurecimento das ideias? (Tiago Curado)
O esboço estava pronto e Tiago desafiou Pedro Nuno Lopes e Ícaro arrancou. «Começámos a compor as canções e a escrever o libreto e, quando tínhamos um número já aceitável, falámos com o Luís Figueiredo para fazer os arranjos para coro e orquestra.» Luís aceitou e o trabalho prosseguiu, já assente numa base musical sólida. Em seguida, juntaram-se o Coro Coimbra Vocal, com experiência neste tipo de canto, e Eduardo Almeida, a quem Tiago aponta uma voz com «versatilidade e um timbre lindo».
Criado em Coimbra, o vôo de Ícaro começou a tomar um rumo diferente. «Com o evoluir das letras e das ideias, o espectáculo levou-nos para algo mais do que um requiem. E não é essa a maravilha do processo criativo e do amadurecimento das ideias?»
O grupo começou a pensar em algo que envolvesse movimentações em palco e que trouxesse uma certa noção de história, ou seja, uma ideia de encenação. «Alguém que pegasse na música, nas letras, nas ideias e nas intenções e juntasse tudo como um puzzle.» Este foi o mote para o convite feito a Carla Bolito, também de Coimbra, que aceitou e fez um trabalho maravilhoso.
Em suma:
Ícaro não é uma ópera,
não é um requiem,
não é um concerto de Canção de Coimbra,
não é um concerto para orquestra…
não é uma peça de teatro…
Ícaro, à sua maneira, é um pouco disto tudo.
Para as composições fomos buscar inspiração à Canção de Coimbra.
À Ópera a divisão em partes, o Coro e a ideia de uma personagem.
A um Requiem a estrutura, a temática da morte e da existência.
Ao mito de Ícaro o conceito de ambição mas também do sonho e da liberdade.
Uma premissa inicial era que tudo fosse feito com gente de Coimbra.
Um projecto musical que é tempo de reflexão
Este Ícaro partiu de uma vontade de reflectir sobre o estado das coisas, de uma forma poética, nas palavras de Tiago. «Estes últimos anos foram muito difíceis para todos, e trouxeram ainda mais ao de cima as enormes fragilidades que temos enquanto seres humanos. Realmente, nos últimos anos, percebemos ainda mais que “tudo isto” é efémero. E não falo só da pandemia.» Através do poder da música e da encenação, este projecto pretende suscitar uma reflexão sobre a polarização da sociedade, «domada pela ausência de crítica, pelas redes sociais, pela notícia tablóide», e ainda «a ausência de autocrítica e de sentido colectivo.»
O projecto, que tinha como premissa inicial «que tudo fosse feito com gente de Coimbra», arranca com a ambição de quem se inquieta perante o ataque à democracia que continuadamente assistimos pelo mundo fora, as alterações climáticas, os conflitos armados, as crises humanitárias e refugiados, a intolerância religiosa, entre tantos outros temas que ecoam nas mentes criativas de Ícaro.
Quando questionamos sobre a qualidade da criação musical de Coimbra, a reacção não se fez esperar: «Custa-me bastante ouvir dizer que em Coimbra não há gente profissional a trabalhar na cultura. Isto é uma enorme injustiça. Penso que ainda se sofre um bocado da ausência de informação neste sentido. Há tanta coisa a acontecer com imensa qualidade na cidade e as salas ainda estão muito aquém da sua capacidade. Parece-me por vezes que a generalidade do público desconhece o que se faz em todas a áreas, desde a música, ao cinema, ao bailado, etc. Deveríamos todos pensar, o que podemos fazer de diferente para aproximar o mais possível o público ao que vai acontecendo.»
Feito a várias mãos e pleno de verdades, Ícaro promete ser um projecto com asas de verdade.