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História das Religiões

Descobrimos o verdadeiro mosaico religioso de Coimbra (2.ª parte)

Do novo espaço para a prática do budismo à vontade de reencontro dos judeus sefarditas, passando pelo templo messiânico de Meishu-Sama, em Santa Clara.

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Fotografia: Mário Canelas

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No Livro das Religiões, o escritor norueguês Jostein Gaarder explica o significado da palavra hinduísta, que quer dizer simplesmente «indiano» (da mesma raiz do rio Indo), e ressalta a peculiar complexidade do Hinduísmo que compara a uma floresta tropical: uma religião que, vista de longe, parece muito uniforme, mas que, examinada de perto, revela uma extraordinária diversidade interior com aquela rara capacidade para conviver com a diferença sem comprometer o todo.

A religiosidade por Coimbra se encaixa na definição de Gaarder. Do alto, as cúpulas das igrejas e telhados dos mosteiros dominam a paisagem e engrossam o caldo católico do município. Mas esta impressão se dissipa quando conhecemos melhor quais as fés que movem este lugar e jogamos luz nestes cantos menos iluminados da floresta.

A História das Religiões

O medievalista João Gouveia Monteiro, professor da Universidade de Coimbra, é o responsável pela disciplina de História das Religiões na Faculdade de Letras – uma das cadeiras mais procuradas pelos estudantes, cerca de 180 alunos anualmente, oriundos de variados cursos da instituição. Para Gouveia Monteiro, a procura traduz o grande interesse pelo fenómeno religioso, o reconhecimento de que dificilmente compreenderemos o mundo atual se não entendermos as religiões: «Vivemos num tempo e num mundo em que cerca de 85% da Humanidade (perto de 6,5 mil milhões de pessoas) afirma ter um compromisso religioso! Eis uma estatística que faz pensar, tendo em conta o desenvolvimento da indústria, da tecnologia e, sobretudo, da ciência. Ou talvez não seja de espantar assim tanto: a religião continua a responder a questões a que mais nenhuma área ou disciplina responde. Por isso mesmo, desde o 1.º Homo Sapiens Sapiens, não existe nenhuma sociedade humana historicamente bem documentada que não tenha tido expressão religiosa (a primeira de todas foi precisamente o culto dos mortos)», explica o autor de História Concisa das Grandes Religiões publicado no ano passado.

A disciplina não foi concebida como um curso confessional (não se pretende converter, mas sim informar) e proporciona uma viagem no tempo e no espaço, que arranca perto de 1000 a.C. e o seu itinerário inclui a China, a Índia, a Grécia antiga, o que permite conhecer algumas das personagens que mais influenciaram a história da Humanidade, como Buda, Confúcio, os profetas bíblicos, e Jesus. O professor considera que a construção da paz é o imperativo maior do nosso tempo e ela nunca será alcançada sem um esforço concertado e persistente de mediação religiosa: «Reconhecer que todas as religiões são, à sua maneira, verdadeiras; mas também que nenhuma delas possui a verdade absoluta. Como escreveu Emil Cioran, «há mais verdade no conjunto das religiões do que numa religião apenas».

Lua Brumosa, o astrofísico Zen Budista

«Em rigor, sou ateu. Também sou comunista e dirigente sindical», atira Nuno Peixinho. O astrofísico é Zen Budista, professor e investigador da Universidade de Coimbra, especialista na caracterização física e química de pequenos corpos do Sistema Solar, como asteroides, cometas e objetos transneptunianos (corpos gelados que orbitam o Sol a uma distância média superior à de Neptuno). A entrevista começou objetiva: saber como rezam, onde praticam e quando se reúnem os budistas em Coimbra. Mas a objetividade acabou por tomar o mesmo caminho que a prática escolhida por Peixinho: o Zen Budismo está carregado de uma liberdade, por vezes desconcertante. Então, a primeira pergunta foi refeita: um ateu Zen Budista?

«Na adolescência, fascinava-me muito a coisa mística do Budismo, a imagem do Buda. Hoje não tenho o mesmo interesse e por isso mesmo fiquei no Zen, que corta com toda essa parte mística – muito diferente do Budismo Tibetano». Nuno conta ainda, qual a sua melhor definição da prática Zen e cita o mestre David Rynick: «Quando nos sentamos em meditação Zen, não estamos a tentar livrar-nos de pensamentos nem a cultivar estados mentais elevados. Estamos a praticar a surpreendentemente difícil tarefa de sermos quem já somos — cultivando uma amizade com nós próprios e a com a nossa experiência».

Nuno recria o ambiente da meditação, veste-se com o tradicional Kimono Samue, senta-se na posição do Zazen em cima de uma almofada especial, o Zabuton, e coloca o Rakusu, um modelo resumido do manto budista que se porta ao peito, feito com 16 tiras de tecido, costuradas pelo aprendiz durante o período de preparação para a cerimônia Jukai, um momento especial onde os praticantes confirmam seu comprometimento.

O astrofísico conta que nasceu em Torres Vedras e está em Coimbra desde 2006. Era católico quando criança e até fez a primeira comunhão «a custo e por causa dos escuteiros, eu não a queria fazer». O interesse pelo Budismo nasceu nos livros Budismo Zen de Alan W. Watts; Shodoka: o Canto do Satori Imediato de Yoka Daishi e ainda A Arte Cavalheiresca do Arqueiro Zen de Eugen Herrigel. Pacientemente, Nuno Peixinho explica as nuances do Budismo e como é mais difícil para nós, ocidentais, distinguir as várias escolas: «Eu imagino que deve acontecer exatamente o mesmo com alguém que cresceu no meio budista tradicional, mas depois decide que não gosta nada daquilo e resolve ser cristão. E depois quer saber: que tipo de cristão sou eu? Católico, Batista, Evangélico, Protestante. Assim se passa com o Budismo, são muitas subtilezas».

Como frequentador de grupos Zen em Portugal, Nuno encontrou a norte-americana Amy Hollowell, que hoje é sua mestre e que deixa claro seu papel na vida dele: «Amy diz sempre que seu trabalho é ensinar-me a entender que ela não ensina nada e que só está aqui para ajudar-me a experienciar o real de outra forma».  Em Coimbra, a partir daqueles que frequentavam a Secção Experimental de Yoga da Associação Académica de Coimbra, Peixinho montou um pequeno grupo que reunia-se numa sala emprestada, meditavam sentados e também praticavam o Kinhim, uma meditação que se faz caminhando, mas a pandemia distanciou o grupo. Em Setembro, Nuno e seu grupo abriram um novo espaço em Coimbra «para receber quem quiser abraçar o Zen Budismo, venha quem vier e quem quiser». Fica o convite de Lua Brumosa, nome de Dharma adquirido por Peixinho durante seu ritual de iniciação.

Meishu-Sama, o «Senhor da Luz»

Fica em Santa Clara a sede portuguesa da Igreja Messiânica Mundial, fundada no Japão, em 1935, por Mokiti Okada. Nascido em 1882, em Tóquio, no seio de uma família muito pobre, dedicou-se aos estudos e alcançou sucesso profissional. Contudo, uma sucessão de sérios infortúnios levaram-no a sentir-se insignificante e o empurraram (até então Mokiti Okada era ateu) para a religião, especificamente Xintoísmo e Budismo. Mergulhou nos estudos sobre fenômenos parapsicológicos e a prática da fé e, em 1926, revelou ter vivido uma singular experiência mística quando tomou conhecimento da missão que Deus lhe atribuíra: transmitir a poderosa Luz de Deus, o Johrei – joh (purificar) e rei (espírito) que significa a purificação do corpo espiritual pela luz divina.

Esta «maravilhosa revelação» impeliu o japonês a fundar uma nova sociedade religiosa e ele passou a ser conhecido como Meishu-Sama, o «Senhor da Luz». Morreu em 1955 e, desde então, a sua mensagem tem sido propagada no mundo inteiro através da organização Sekai Kyusei-Kyo, a Igreja Messiânica Mundial.

Em Coimbra, os messiânicos são liderados pelo Reverendo Carlos Eduardo Luciow. Ele explica que a Igreja Messiânica Mundial foi instituída em Portugal em 1977, na qualidade de associação religiosa. Em 2008, ao abrigo da Lei da Liberdade Religiosa, adquiriu o estatuto de religião reconhecida pelo Estado Português e, em 2018, chegou a Coimbra firmando a cidade como sede central: «Entre membros e frequentadores, hoje temos cerca de 500 pessoas em nossa Igreja, que visitam regularmente Coimbra para os cultos. Além de ser uma cidade com riqueza histórica, Coimbra se coloca geograficamente como facilitadora aos membros que vivem no norte e sul do país», aponta o Reverendo.

Muitos dos frequentadores do templo em Santa Clara adentram este local de culto nipónico através do Johrei, a terapia pela imposição das mãos que é um dos princípios básicos da Igreja e que caracteriza a tarefa religiosa do grupo. O serviço do Johrei é praticado pelos ministros da Igreja Messiânica e não é pago. Qualquer pessoa pode receber a imposição das mãos na sede da Igreja, na Rua Vitorino Planas, 143. 

A chegada da Torá

«Portugal é marrano e Coimbra é marrana», afirma Lily Abrahan. Os marranos ou judeus secretos de Portugal, são também chamados de sefarditas, porque a palavra tem origem na denominação hebraica para designar a Península Ibérica (Sefarad,ספרד). Lily nasceu na Costa Rica, vive atualmente em Madrid e está a preparar sua mudança para Coimbra, impulsionada pelo neto Simjah Abraham que, há dez anos, nasceu aqui.

Ela é a responsável pela criação da Comunidade Judaica de Coimbra – CJC, ligada à Comunidade Judaica Sefardita, legalmente registada em Israel e, desde 2019, inscrita legalmente junto ao governo de Portugal. Lily explica que a Comunidade luta contra o antissemitismo, protege e dignifica a história israelita local e mantém unido o atual grupo judaico da cidade: «Desde a expulsão dos judeus de Portugal – decretada por D. Manuel a 5 de dezembro de 1496 – até hoje, Coimbra ficou sem a sua Torá. Mas tratámos de arranjar uma nova, está pronta, em Israel, e em breve vamos trazê-la para cá», comemora.

A presidente da CJC conta ainda que uma comunidade sem Torá é simplesmente um grupo que se reúne. Mas uma comunidade com Torá é uma Sinagoga: «Este é o nosso compromisso, é um sentimento, uma razão de ser. Aqui, em Coimbra, cortou-se um elo com a expulsão dos judeus, com a Inquisição e com a conversão forçada do nosso povo ao cristianismo. Cortou-se um elo histórico, mas aqui estamos nós a tratar que este elo se una e ganhe força, e não nos importa se são judeus portugueses, da China ou do Brasil: são todos bem-vindos. Queremos que esta cidade brilhe com sua luz própria porque Coimbra, tanto na sua história como na sua paisagem e cultura, é judia e isso não se pode negar.»

O coordenador da Comunidade Judaica de Coimbra é Alberto Ramírez Alenk, doutor em Filosofia pela Universidade do Chile. Ele entende que Portugal está em processo de vivificação crescente da herança histórica e cultural sefardita e ressalta uma característica do povo hebreu: «A nação judaica, mesmo depois dos momentos obscuros na História como Auschwitz-Birkenau, Treblinka ou Sobibór, segue escutando Deus. Outras nações só se escutam a elas próprias e essa é a grande diferença, na minha opinião, entre o povo de Israel e outros povos. Somos uma nação que, apesar de todas as tragédias, e tragédias como a Inquisição e o Holocausto, seguimos escutando Deus.»

Lily e Alberto sustentam que a Comunidade Judaica de Coimbra está sempre alerta para casos de preconceito e intolerância. São eles que mantém atualizadas nas redes sociais as informações sobre as atividades do grupo e estão à procura de um espaço próprio, que reúna as condições necessárias ao culto, para maior união e organização do judaísmo.

Prestes a lançar a Primeira Pedra da futura Sinagoga de Coimbra, Lily Abraham mostra orgulhosa as pinturas que faz com a filha Pamela, belas reproduções da arte judaica, feita originalmente na primeira metade do século XIV, e que as sombras de uma mão pesada da Inquisição apagaram: «Através destes quadros, reconto a história através da arte. Também trago no peito uma estrela de Davi, que foi recuperada do Holocausto. O nosso trabalho aqui em Coimbra é reencontrar e reunir aqueles que nasceram das sementes judaicas portuguesas espalhadas pelo mundo.»

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