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COM PAPAS NA LÍNGUA | Cantanhede

Cantanhede é terra do Marquês de Marialva, título que D. Afonso VI deu a D. António Luís de Meneses, Conde de Cantanhede, pelo importante papel na Guerra da Restauração no século XVII. Das escolas ao vinho, o nome está em toda a parte e também num espaço de referência que é um poço de sabores […]

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Cantanhede é terra do Marquês de Marialva, título que D. Afonso VI deu a D. António Luís de Meneses, Conde de Cantanhede, pelo importante papel na Guerra da Restauração no século XVII. Das escolas ao vinho, o nome está em toda a parte e também num espaço de referência que é um poço de sabores e histórias. O restaurante Marquês de Marialva recebeu-nos para uma conversa com José Carlos Guerra, o fundador, e Helena Teodósio, presidente do município inserido na Região de Coimbra – Região Europeia da Gastronomia. até junho de 2022.

Helena Teodósio nasceu e mora na localidade de Covões, extremo norte de Cantanhede. Licenciada em Gestão e Administração Pública e História, fez uma pós-graduação em Direito da Banca, Bolsa e Seguros, frequentou o curso de pós-graduação em Estudos Europeus e também a licenciatura em Economia. Chegou a ser professora e a integrar os quadros do Banco de Portugal em Coimbra, mas a política e o amor à camisola falaram mais alto e é à autarquia que, com uma energia evidente, se tem dedicado de corpo e alma nos últimos 20 anos.

ENTRADAS

Bandeja de Entradas à Marquês (Melão, Presunto, Lombo Cachaço, Chouriço caseiro, Salpicão do Lombo, Queijo do Rabaçal, Queijo de Ovelha, Queijo apimentado, Uvas, Melão, Nozes, Manteiga), Camarão ao Natural, Ostras ao Natural, Pataniscas

Temos aqui uma apresentação de entradas muito sui generis. O que é?

José Carlos Guerra São as Entradas à Marquês, fui eu que inventei e era eu que fazia. Era a criatividade do momento, arquitetura da mesa. A base das couves para suportar e dar alguma relação da terra com a mesa, a fruta dá-lhe um pouco de cor. Eu vinha de Paris e naquelas áreas é só glamour, aqui na aldeia é que não havia razão para isso. Cheguei a fazer aqui na casa a manteiga e os queijos, saía um Camembert fabuloso, mas sirva-se, pode cortar como se estivesse em casa.

Hoje, conta muito a apresentação, mesmo aqui.

JCG Sim, foi também com as louças que procurei criar melhor apresentação para pratos como o Cozido à Portuguesa. Valorizava em travessas bonitas de vidro, das Caldas da Rainha.

Helena Teodósio Hoje andamos muito naquele estilo de comida gourmet. Eu sou boa boca, por isso gosto de apreciar as diferenças, mas gosto mais desta. Dá para dar o toque mas com as nossas tradições e com os nossos sabores, que são ótimos. Eu gosto muito da gastronomia portuguesa, é incomparável.

O José emigrou para Paris com 18 anos e por lá esteve 10 anos. Como foi essa experiência e como foi parar à cozinha?

JCG Aqui trabalhava em escritórios, uma firma que importava motorizadas, e aquela era a idade de tomar decisões. Havia a tropa em cima de mim e eu procurei a emigração, que era um fenómeno na altura, depois lá fiz de tudo. Quando caí nos restaurantes foi num italiano, nos Campos Elísios, desafiado por um português. Comecei a «gostar da fruta» e nunca mais saí do setor. Fazia o trabalho, não sabia mas o patrão não era exigente e ajudava. Começámos a servir as esposas dos generais americanos que estavam na NATO, na Alemanha, e eu a pegar nos pratos e sem conseguir segurar. O patrão vinha atrás de mim e incentivava-me a continuar e a melhorar. Apanhei confiança, trabalhei com ele durante uns anos, até abrimos um restaurante novo. Entretanto veio um irmão meu, que ficou a trabalhar com ele, e eu fui para um restaurante mais fino, onde já ganhava mais dinheiro. Um outro italiano viu-me a trabalhar e arranjou-me outro trabalho, num restaurante francês, onde aprendi a fazer um pouco de tudo e cozinha muito boa. Também fui empregado de uma «brasserie», depois um restaurante de cozinha argelina, onde cheguei a servir o  [antigo presidente] Jacques Chirac. Quando veio o 25 de abril decidimos vir para Portugal, em 1975. Já tinha três filhos. 

Como foi voltar?

JCG Tornei a emigrar cá. Via-me aflito, não conhecia ninguém. Nasci aqui a 20 metros, brincava aqui neste largo, nesta casa. Mexeu um bocado comigo mas tinha a necessidade de implantar aquilo que sabia fazer lá. Tinha tido uma escola desta vida, a trabalhar com gente de todo o perfil, de ministros a empresários, e a forma de estar em Paris era diferente. Aluguei esta casa, que era de habitação, de madeira, mas fui restaurando e vi que tinha caraterísticas para praticar o que se faz em França nos restaurantes da província, com salas bonitas e diferentes umas das outras. 

Já havia alguma coisa do género em Cantanhede?

JCG Não. Sobretudo não havia o bem fazer, era só comer. Não fiz logo um restaurante, fiz um pub aqui em baixo, com mesas baixinhas e sofá, tinha uma sala onde se vendiam discos, noutra ferro forjado. Eram produtos diferentes, para não ser só um vulgar café e diferenciar mercados. Também criei uma adega. Aqui no meio tinha uma loja para vender mercadoria. Fazia chouriça a metro, por exemplo.  

Temos Chouriça aqui na mesa, é um produto endógeno. 

JCG Sim, e o Paio do Cachaço, o Paio Vinha d’Alhos. Antes fazíamos cá tudo. Eu criava porcos, cheguei a ter sessenta animais, mas depois tive de alterar as coisas por causa das leis. Tive uma pastelaria aqui ao lado, a primeira de Cantanhede. Fazíamos 5 mil pastéis por dia. Nasceram muitos pasteleiros por aqui. Chamava-se Marquês de Marialva também e como o mercado era pequeno, tinha uma carrinha e distribuía pela região toda. Lembro-me que o mês de outono era para preparar as frutas para o bolo rei, cozê-las em açúcar. Preparávamos aqui 7 mil kg de bolo rei.

Marquês de Marialva em homenagem ao filho da terra.

HT Era o 3.º Conde de Cantanhede, Marquês de Marialva porque depois ficou com ligações a Marialva de Meda. Foi um herói da Restauração. Há uma estátua dele em frente à Câmara Municipal, é uma figura identitária do concelho, determinante nas várias batalhas contra os espanhóis na época. O «espírito marialvino» já tem a ver com um dos elementos da família, que não o Marquês, que percorria a zona de Lisboa e era muito boémio. 

A Helena é natural de Cantanhede, também sentiu muitas mudanças com o passar do tempo?

HT Sim, Cantanhede mudou muito. Aproveito para recuar um pouco, até antes de eu nascer. Este ano estamos a comemorar o centenário do nascimento de Carlos de Oliveira, um escritor neorrealista importante a nível nacional. O Município adquiriu a casa onde ele viveu e transformou-a em casa-museu. Um dos seus livros, «Casa da Duna», conta como se vivia na Gândara. O Município de Cantanhede, que é o maior da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra, com 400 km², tem 3 regiões distintas: a Gândara, que vai daqui em direção ao mar (abrange Montemor-o-Velho, Figueira da Foz, Vagos e Mira); a Bairrada, com a parte dos vinhedos e que cola com a Mealhada; e o Baixo Mondego, ligado a Coimbra, onde temos Ançã. A zona da Gândara era uma zona de pobreza profunda, havia luta até com o próprio tipo de terra que se tinha. Os livros de Carlos de Oliveira falam nas aldeolas perdidas em ermos e na forma frágil como as pessoas viviam. O 25 de Abril alterou muita coisa. Para mim, a maior mudança foi o acesso à educação. A emigração no concelho também foi determinante, para o Brasil, França, Estados Unidos da América, Venezuela, Suíça e Luxemburgo. 

Que agora muitos estão a voltar, não é?

HT Sim, mas na altura os primeiros que foram e conseguiram voltar, vieram bem. Muitas das padarias que temos são de emigrantes. Essa mudança foi pela força que as pessoas tinham, que mesmo passando dificuldades, tinham uma capacidade de trabalho extraordinária. Não sofri isso na pele mas, quando falo na educação, é porque vejo a diferença entre aqueles que iam estudar, que eram poucos, e aqueles que chegavam à 4.ª classe – que, atenção, valia muito mais do que anos de liceu hoje em dia. Antes, a escolha era entre a agricultura e a emigração, não havia nada. Agora temos quatro zonas industriais. Aos 10 anos fui para Coimbra, porque Cantanhede só tinha um colégio privado e uma escola comercial e industrial. Eu tinha a minha avó em Coimbra mas a distância, sendo a mesma, não era a mesma. Uma pessoa vinha cá de vez em quando, na camioneta da carreira. Não havia telemóveis. Escrevia-se muitas cartas e postais. A mudança da vida e a qualidade de vida, não têm nada a ver, desde o interior das casas às condições de higiene e acesso aos bens alimentares. As pessoas tinham os seus quintais e animais. Lembro-me de uma senhora que vivia ao pé de mim e dizia que passava dias e dias a comer couve cozida e vinagre, com os filhos. Hoje a agricultura já é vista de outra forma e, com a adesão à União Europeia, tudo se alterou. Antes a produção leiteira era muito apelativa em termos financeiros, por exemplo, mas depois houve um repensar de toda a lógica agrícola. 

Nos últimos anos, uma grande aposta foi a da criação e contínua expansão do Biocant Park, único parque de biotecnologia em Portugal. 

HT Sim, muitos pensaram «porquê em Cantanhede?» mas o facto é que até o Centro de Neurociências e Biologia Celular da Universidade de Coimbra veio para cá, temos centenas de investigadores, sejam portugueses ou estrangeiros. Mudou as lógicas de pensar de um determinado setor e os conceitos de propriedade aqui dentro. Não tínhamos praticamente arrendamento, nem T1, e tivemos de falar com os empresários para fixar as pessoas, a massa cinzenta. Sou a presidente do Conselho de Administração e a administradora executiva, que estava nos Estados Unidos, voltou. E como ela, tantos outros. Felizmente, hoje Cantanhede é reconhecido de outra forma. Outra fileira são as zonas industriais, que estão a ter uma procura brutal por causa da Biocant. Até há pouco tempo foi um encargo enorme para a dimensão que temos mas foi uma aposta ganha, às vezes tem de se ter uma dose de risco. Já estou há quase 20 anos na Câmara, preparámos um plano estratégico para o concelho. Um município não pode ser navegado à vista, porque há uma pressão dali ou daqui. Já estamos a preparar para mais 20 anos, quem vier a seguir poderá fazer ajustes mas há que pensar: «O que é que o município quer? O que é que precisa?».

Além da indústria, há o turismo. Por causa da localização, estão em projetos como “Tradição da Serra ao Mar”, com os concelhos de Oliveira do Hospital e Mortágua, e «O Mar que nos Une» com a Figueira da Foz e Mira. Também têm 29 feiras gastronómicas no concelho e a incontornável Expofacic, que combina música, gastronomia, exposições e negócios. 

HT São 50 tasquinhas em que damos tudo e a feira não dá prejuízo, é controlada financeiramente, feita pela empresa municipal. Temos 500 espaços comerciais mas depois esta área é entregue às associações que eles indicam. Não pagam nada, a não ser os consumos, até porque é tudo voluntariado. Acho que o sucesso da feira é o facto de se poder fazer muita coisa, nomeadamente as famílias. 

JCG A Expofacic foi um pivô enorme de desenvolvimento destas tradições. Estive lá como membro da comissão, uns 10 anos, e não acreditava no sucesso dela mas foi um sucesso enorme e com o concelho ali todo envolvido.

HT A Expofacic centraliza todas as feiras e festivais, mas também esta conjugação interessante que é retomarmos e recuperarmos a base do sabor tradicional de coisas que se faziam em Cantanhede e fazer outro tipo de recriações. O Festival do Negalho da Bairrada, da Chanfana, da Lampantana, do Sarrabulho. Matava-se o porco em casa, ainda tenho saudades dessas sessões, mas feito como era, todo o ritual, com a telha a raspar o pelo do porco. Há pessoas da cidade que não entendem mas nós habituamo-nos a vê-las como uma coisa normal da vida. Era o tempo, não era comida feita de uma forma rápida. Eu gostava de ver o sarrabulho ser feito durante a manhã inteira. Temos muito a tradição de um bom leitão também. A Mealhada tem a fama porque o comercializou, aqui é de quem o faz. 

Nos Covões, sua terra natal. 

HT Sim, e também temos Festival do Leitão. Temos muitas de sopas, como a Sopa Gandaresa e a Sopa de Peixe. A Sardinha na Telha, que leva aquele toque de farinha e é assada na telha no forno. A Batata Assada na Areia, em que a batata é como o que se faz nas furnas nos Açores, colocada na areia e com o lume em cima. 

JCG Eram soluções de pobreza, recursos. 

HT Depois temos a Feira do Vinho e da Gastronomia, sempre com as tasquinhas com a gastronomia local; a Feira do Tremoço, onde até já criaram o Pastel de Tremoço. É a tradição a desenvolver-se e a ligar-se à inovação. Em Ançã, há o Festival do Bolo de Ançã. Imaginem que com o Bolo de Ançã a sair, eles cortam e barram com Arroz Doce. E também já fazem Pudim de Bolo de Ançã. 

São importantes essas inovações?

HT Sim!

JCG Antigamente faziam isso mas era com a sopa, chamam-lhe a Papa Laberça. Era a farinha da sopa, porque a sopa era para toda a gente mas crescia. 

HT Ainda nos festivais, temos o Festival do Galo “à Gandareza”, na Caniceira (Tocha), onde dizem que «o galo não manda só na capoeira, também manda na mesa». O Festival Pica no Chão que é o do Frango, em Febres. Temos boa qualidade de frango no churrasco aqui no concelho. Temos a Mostra Gastronómica Póvoa da Lomba – Capital do Caracol, onde fazem introduções como a Chanfana de Caracoleta e a Pizza de Caracol. 

BEBIDA

Marquês de Marialva Branco e Tinto

E os vinhos, também estão muito presentes nos eventos? 

HT Sim. Temos a casta Baga, que estamos cada vez mais a puxar por ela, em termos identitários. Temos a excelente Adega de Cantanhede, que é uma adega cooperativa, e outras no privado. Os presidentes de junta e associações, ao fazerem estas mostras, também potenciam o concelho de outra maneira que é a parte cultural. Nós gostamos de estar à mesa mas se houver também a música, é muito bom. Todas têm parte cultural, a par com a gastronómica. A gastronomia como forma de incrementar muita coisa e em termos turísticos também, que é determinante, é muito importante essa divulgação. 

Gostam de vinho?

HT Habitualmente não bebo às refeições e gosto mais de brancos do que de tintos. O meu pai produzia mas eu nunca me habituei a beber. O meu marido já tentou e é difícil, mas diz que sei distinguir um bom vinho. Eu prefiro uma boa limonada ácida com hortelã, e gosto de rosés. Vamos ter agora o Pink Wine Fest. 

Entretanto a Bairrada ganhou expressão e até tem uma Rota, onde se inclui Cantanhede.

HT Fazemos parte da Rota da Bairrada e da Comissão Vitivinícola Região da Bairrada. A nossa adega foi das poucas resistentes aqui da zona, terá havido aqui uma conjugação de fatores: gestão, qualidade dos vinhos e dos técnicos. Na adega, apostaram num excelente enólogo e acho que foi algo determinante. Tem sido premiada, mesmo internacionalmente, nas várias vertentes, inclusive nos espumantes. 

O produtor tem cada vez mais a preocupação de trabalhar as castas, a qualidade que têm. Lembro-me de ser miúda e apanhar-se tudo indiscriminadamente, agora não. 

JCG O meu pai fazia vinho e aquilo não se bebia. Quando vim de França não bebia vinhos da Bairrada. Eram adstringentes, eram ásperos. O começo da refeição com espumante comecei eu aqui. Oferecia um flute a cada cliente. Antes bebia-se um Martini ou um whisky.

PRATO PRINCIPAL

Arroz de Robalo Selvagem, Cabrito Assado à Padeiro

O seu filho, Pedro Guerra, está a candidatar este prato, o Arroz de Robalo Selvagem, às 7 Maravilhas da Nova Gastronomia.

JCG Sim, é o arroz pescado à linha com o arroz Carolino e os grelos. Lá está, trazer a terra à mesa.

São importantes estas iniciativas de promoção da gastronomia? O que acham da distinção da Região de Coimbra como Região Europeia da Gastronomia?

HT Para nós é importante, tanto os projetos da Comunidade Intermunicipal da Região de Coimbra como da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro, há um provérbio africano que diz: «se queres ir rápido vai sozinho, se queres ir longe vai em grupo». Acho que é isso que agora temos de pensar. Se estamos numa fase em que aquelas infraestruturas pesadas de que falei estão feitas, há uma aposta que é sempre fundamental que é a área social e das pessoas, da cultura, do desporto. Somos um município plano, não temos castelos mas temos outras coisas que potenciamos. Andamos num percurso brutal em termos de percursos temáticas. As caminhadas, os percursos de bicicleta e as rotas atraem muitas pessoas para cá. O ambiente e a qualidade de vida, os motivos para as pessoas virem ao Marquês de Marialva comer um robalo mas chegarem mais cedo e irem visitar o património, irem à praia da Tocha, ao Bussaco ou mesmo à Biblioteca Joanina, em Coimbra. Que vão ver um concerto à noite e fiquem a dormir. Isto só se consegue deixando de ter espírito paroquial e a gastronomia é uma das melhores formas de unir as pessoas. À mesa fala-se, discute-se, partilha-se, analisa-se muita coisa, faz-se cultura, e é o complemento para fazer tudo o resto, sem falar da parte económica que envolve a restauração, hotelaria, comércio e agricultura. Todos juntos acho que conseguimos mesmo ir mais longe. 

Espaços como este revelam a importância da apresentação dos produtos, dos espaços e dos pratos.

HT Aquilo que o Marquês de Marialva fez em termos diferenciadores foi dar qualidade ao espaço onde se come. Foi uma aposta ganha. Podemos pegar num prato semelhante e colocá-lo noutro sítio que não sabe à mesma coisa. 

JCG A restauração precisa muito de imagem. De pormenores, de comunicação. Um funcionário deve conhecer o percurso no prato e ter os seus cuidados ao meter na mesa. Eu tinha esta máxima: os clientes devem ser tratados como passarinhos na palma da mão, em algodão. Fizemos aqui almoços muito bonitos. Nasceu aqui muita coisa. 

A Helena fez um percurso de estudos e profissional muito rico. O que é que a sua família acha de a ver hoje como Presidente da Câmara, tão dedicado e apaixonado como parece?

HT O meu pai esteve sempre ligado à vida associativa, à Junta de Freguesia e à Casa do Povo, por isso vivenciei muito esse espírito. Tudo funcionava em minha casa. Lembro-me da primeira vez que as pessoas receberam uma reforma. As pessoas a olhar para as notazitas, porque nunca tinham recebido uma pensão! A minha mãe é alentejana, com um espírito muito independente. Fui criada por mulheres que me marcaram muito. Fiz a faculdade, a minha aspiração era ir para a vida diplomática mas casei quando ainda andava a estudar e tive a meu primeiro filho aos 21 anos e fiz por acompanhá-los. Como estive sempre ligada à filarmónica – toquei saxofone, viola, piano, cantei -, a verdade é que, a certo ponto, me estava a faltar a outra parte, por isso aceitei quando fui desafiada. Na política, tem de se gostar do que se faz, não se pode estar a pensar em horários e é importante ter o apoio da família. 

Onde é que entra a cozinha nisso tudo, tem tempo? 

HT Eu cozinho, mas não muito. A verdade é que sempre tive tudo de mão beijada, a minha avó ainda me levava o pequeno-almoço à cama quando me casei. Pão e leite.

José, na sua infância o que é que se lembra de comer?

JCG  Era a capoeira, o refúgio das famílias pobres. As galinhas, os patos, os coelhos e as sopas de legumes. 

Quando foi para fora, do que é que sentia saudades?

JCG Tinha poucas saudades, mas era a galinha no forno. 

E a Presidente, tem algum prato preferido?

HT Gosto muito de Cabrito, Galo no Forno, Pato Assado e Cozido à Portuguesa. Tendencialmente mais carne mas também Arroz de Míscaros, que aqui no concelho também se faz muito bem. Gosto muito de uma Canja de Galinha com Ovos e um bom Leitão Assado, mas é difícil comê-lo além das fronteiras de Cantanhede, só se for na Mealhada.  

JCG Temos de ser exigentes com a qualidade do leitão. Não pode ter a pele mole. É difícil encontrá-lo bom, mas quando se encontra, nota-se logo. No dia seguinte, quando está frio, nota-se a pele a estalar ainda. 

O José foi um dos fundadores da Confraria do Leitão.   

JCG E o espírito era, de facto, defender a qualidade do bom leitão. Comi lá fora, em França, na Irlanda, e aquilo é o porco com recheio. Não tem nada a ver com o nosso leitão, que é o melhor do mundo. 

SOBREMESA

Miminhos do Marquês (Fruta, Doce de Ovos, Pastéis de Nata, Biscoitos, Doce Marialva, Toucinho do Céu)

São gulosos?

HT Eu, o que mais gosto como sobremesa, são os doces conventuais. Só gosto de doces muito doces. Então se meter muita gema, açúcar e amêndoa… Também gosto muito de fruta, mas portuguesa. esta apresentação é um conceito novo, por causa da pandemia, porque antes serviam aqui aqui uma bandeja com isto tudo e muito mais, inclusive as compotas, que era uma coisa típica daqui que se perdeu. Em minha casa, em Setembro, fazíamos compota de maçã, tomate, uvas, marmelada…

JCG Era o espírito familiar, da casa senhorial, com qualidade e fartura. As pessoas comiam o que queriam. Era muito satisfatório ver as pessoas gozarem aquilo tudo. E depois vinha o cesto com os digestivos: conhaque, aguardente, whisky, vinho do Porto ou licor. As pessoas serviam-se, «casa é vossa». Saíam deslumbradas.

É responsável pelo paladar de muita gente.

JCG Recordo-me de quem vinha comer aqui o pastel de nata que eu servia na concha! Era o mesmo espírito, da terra para a mesa, só que era do forno para a mesa. Os pastéis vinham diretamente, já um pouco arrefecidos. Eram formas de provocar a imaginação e a pesquisa. Tive de aprender a fazer a massa folhada e era ela que fazia a diferença.

E metia mesmo a mão na massa?

JCG Eu tinha de ser ator! Na sala e na cozinha, com o apoio da minha mulher na segunda.

HT Pensar que, olhando para trás, nem cantinas nas escolas havia. Tinha colegas de escola que levavam o farnel para comer e era um saquito de pano com broa e sardinha. Sempre. E bebiam água. 

JCG Eu levava para a escola sandes de sardinha. 

HT A galinha era algo domingueiro ou dado às grávidas ou doentes. Também me recordo de haver salgadeiras no pátio, não havia frigoríficos. Matavam o porco e ia tudo para o sal. A broa, as chouriças, as sardinhas, eram as coisas que estavam sempre prontas a comer, mesmo algum tempo depois de serem preparadas. As pessoas almoçavam às 10 horas, porque iam muito cedo para o campo, e à noite ceavam. Depois há sabores que não se compadecem com a rapidez. A boa cozinha tem de ser lenta. A vida de muitas famílias decorreu à mesa.

CIM – Região de Coimbra

Fotos: Mário Canelas

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