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ChikiGentil: a ajuda que assenta bem

Apoiam a comunidade há 12 anos e estão agora a fazer a diferença na vida das famílias que chegam a Coimbra e não têm nada. Fomos conhecer o grupo de voluntários que segue este lema de dar conforto a quem precisa com a gentileza dos outros. Sem burocracias – aqui, a ajuda é para já.

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Fotografia: Mário Canelas

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O desespero pode ter forma de um pai que está na zona da Quinta das Lágrimas com um cartão pré-pago a ligar para um número que deixou de estar atribuído e uma mãe que, de repente, não sabe onde vai deitar os filhos na primeira noite em Portugal. A casa ficou a mais de cinco mil quilómetros de avião e o apartamento reservado em Coimbra com o dinheiro da venda do carro tem, afinal, gente dentro. Nunca esteve para arrendar. Há um plano b: um T0 listado num portal imobiliário, disponível na hora, mas que vai esvaziar o pé-de-meia, contado até ao encaixe dos primeiros ordenados na nova cidade. Aconteceu em Agosto: esta família entrou em situação de carência. Não conseguiu comprar roupa quente para este Inverno. Está, no entanto, agasalhada – recebeu ajuda da ChikiGentil – Coração com Pernas, um grupo voluntário e informal que tem distribuído bens essenciais por centenas de pessoas, graças à solidariedade de outras tantas.

O projecto, de ajuda directa e imediata, nasceu em Gaia e na última década replicou-se por outras zonas do país, usando as redes sociais como plataforma. Por Coimbra, só este mês estendeu a mão a meia centena de pessoas, a maioria imigrantes, sem trabalho ou com baixos rendimentos e que precisam de tudo – alimentos, roupa, sapatos, lençóis, cobertores, pratos, talheres, copos, panelas. A lista continua e vai sendo ajustada todos os sábados de manhã, entre as 9h30 e a 13h, num armazém em Adémia, junto à gráfica VIMARSIL, onde se materializa o vai-e-vem de donativos. Está transformado numa espécie de loja, sem caixa registadora, mas atulhada de tralha útil – ainda assim, há necessidades urgentes que não encontram resposta nos montes de caixotes e sacos por arrumar.

Na secção de roupa para homem, a organizar as peças que chegaram e continuam a não ser suficientes, encontramos Ana Rebeca, a tal mãe que chegou no Verão a Coimbra e «não tinha casa, não não tinha nada». É voluntária na ChikiGentil e hoje é ela quem ouve um rol «histórias bem-parecidas» para no final responder: «Eu sei. Já passei por isso. Não desista».

«Quando a gente chegou, precisou muito. Como toda a história que acontece aqui: as pessoas chegam e precisam de algo, logo», diz. Tem dois filhos pequenos, um deles autista, o marido veio trabalhar como carpinteiro e o salário nem sempre esticou. «Tive dias em que não tinha o que comer em casa. Liguei para a Dádita [Brás, responsável pela ChikiGentil em Coimbra]. Costumo dizer que sou a filha perdida que ela achou ali no rio, no Mondego [risos]», declara. A imagem da família volta a surgir, desta vez, sem brincadeira: «Ajudaram-nos com o que a gente precisava – roupas de frio, coisas para a casa. Mas não é sobre as coisas que você ganha. É sobre nos abraçaram. É sobre quem você conhece no momento em que você precisa».

Há casos em que o apoio só serve se for imediato e este é um dos motivos para a ChikiGentil se manter como um grupo informal. «À face da lei não existimos. Mas não vou criar uma associação porque, se for preciso, para dar um quilo de arroz pedem-me a assinatura de uma assistente social», destaca Dádita Brás, numa caricatura à burocracia que chega a travar a solidariedade. «Eu sou muito prática», contrapõe, enquanto, depois de um dia de trabalho, abre a porta do carro e arreda mais sacos e brinquedos com destino ao armazém.

Chá para cinco

A ChikiGentil deve a sua existência em Coimbra a uma série de roupa que tinha sido «usada uma hora de manhã e uma hora à tarde – duas, no máximo» por Dádita Brás, que, na maior parte do tempo, veste a farda da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra (APCC), onde é funcionária há mais de 20 anos. «Queria dar a minha roupa e não conhecia ninguém. Encontrei a ChikiGentil. Achei o nome tão giro. É verdade: podemos pôr as pessoas chiques, dar-lhes conforto, com a gentileza dos outros. Contactei-os. A fundadora [Susana Vasconcelos] disse-me que não tinham cá ninguém; explicou-me que o grupo fazia a ponte entre quem tem e não precisa e quem não tem e precisa; e perguntou-me se não queria fazê-lo aqui», conta.

De chofre, «achou muito» o desafio, mas ao partilhar a conversa no trabalho teve a confirmação de que «as pessoas muito são generosas»: tinha mais para dar. Criou a página no Facebook, o principal portal para divulgar os pedidos de donativos e bens disponíveis, e a 26 de Outubro de 2011 entregou o primeiro saco de roupa. «Nunca mais estive sozinha», diz. A frase resume um percurso que começou na garagem de casa e inclui os voluntários que foram aparecendo, as «pessoas que nestes 12 anos nunca deixaram de dar, nem que seja duas garrafinhas de azeite no Natal», e as que têm surgido quando menos se espera. «Quando viemos para o armazém, escrevi na página que iríamos estar encerrados; não poderíamos receber, nem doar nada. Várias pessoas apareceram com os carros particulares e ajudaram-nos a fazer a mudança. Algumas nunca as tinha visto. Uma delas ainda é voluntária», recorda, num dos vários exemplos de uma corrente de favores, que só tem alargado e já permitiu tanto levar ajuda a Mira d’Aire como despejar uma casa na Figueira da Foz.

Nas peças de mobília as despesas de transporte são transferidas ou assumidas pelos beneficiários. Roupa e calçado estão entre bens que as pessoas mais acumulam e mais dão (muitos por estrear), mas, nos casos em que há algum rendimento, é pedido que as peças sejam trocadas por bens alimentares. Para as utilidades domésticas, há também uma regra: «Se é uma família de quatro, se tiver, mando loiça para oito – não queira eu ir lá beber um chá e não ter uma caneca. Pode não ser a melhor forma de funcionar, mas vou fazendo assim».

Como saber se a carência é real? «As pessoas que precisam mesmo são humildes. São as que menos se chegam à frente e as que menos exigem. Lembro-me de uma senhora que só tinha umas sapatilhas para calçar e pediu uns sapatos. Quando se descalçou, tirou um saco de plástico: a sapatilha deixava entrar água. Tive de insistir para que levasse umas botas», ilustra. Fátima Amaral, voluntária há meia dúzia de anos e também colega de Dádita Brás na APCC, confirma: «Veio cá uma mãe que só pretendia umas leggins para a filha para não chumbar a educação física por falta de material. Já tinha recorrido a outras instituições, mas disseram-lhe para esperar um, dois meses. Chegou a nós muito mal agasalhada. Oferecemos ajuda. Só quis aceitar uma peça. A filha, pequenina, sabe o que me pediu? Leite com chocolate».

Bens e voluntários em falta

Fátima Amaral é responsável pela secção de senhora, a maior. Como as restantes (homem, menino, menina e bebé) está organizada por tamanhos e categorias. Há prateleiras quase vazias. «Já nos pediram tanto que estamos só com números pequenos. O nosso público-alvo veste tamanhos maiores, L, XL. A partir do 40, roupa quente, não temos. Ainda hoje, foram daqui duas senhoras sem casacos. Calçado 39-40, de Inverno, também não temos».

«É um pé popular; meu número. Mas não preciso, não», comenta A., de sorriso aberto. Com a ajuda de Júlia Reis, também voluntária, está a encontrar calças, camisolas, um pijama e um casaco à medida. Chegou há 9 meses, ficou desempregada, pediu agasalhos e utensílios para a casa nova. «Vamos para a Mealhada. É mais próximo do serviço do meu marido e é também mais barato. Agora estamos pagando 400 euros por um T0, mais água e energia, só com um ordenado. Estou preocupada, mas vai dar certo», confia.

Com o frio, o nível salarial e o disparo dos preços dos bens essenciais, sobretudo dos alimentos e da energia, «advinha-se que este ano não vai ser fácil», retoma Fátima Amaral, antes de espreitar para a secção de têxteis. «Edredons, já ficámos sem nada. Lençóis, só podemos dar um conjunto porque logo a seguir vem outra pessoa. Um conjunto. Dá para quê?».

Na secção de bebé, o olho também engana. O espaço está apetrechado, mas faltam roupas dos zero aos três meses «para meninos». «Têm saído muitos enxovais: roupinha de fora, bodies, babygrows, chupetas, biberões, mantinhas, fraldas», constata Ana Santos, que começou a colaborar na ChikiGentil durante a pandemia. Além do «básico», o grupo vai «também dando o que é preciso – ovo, cadeira, espreguiçadeira, esterilizador – conforme as necessidades», resume. E «são muitas as pessoas que necessitam».

Quando faltam bens ou há um pedido específico, Dádita Brás abre o Facebook. «Começo sempre pela palavra ‘amigos’. Se a pessoa vai dar é amiga. E há sempre quem tenha uma cadeira-auto, cobertores, aquecedores, para dar. A gente desembaraça-se. Haja boa vontade», afiança.

«Viemos trazer roupa das meninas que já não serve e está em bom estado», anuncia Eduarda, à entrada do armazém. Veio com a filha, Sofia, que escolheu a ChikiGentil por ver «que é efectivamente útil». Mesmo o que chega partido ou demasiado gasto tem uso: segue para a reciclagem e rende 50 euros por tonelada, «o que ajuda nas despesas do armazém e a comprar alimentos ou produtos de higiene».

Dádita Brás está rodeada de dezenas de sacos e caixotes, com as mais variadas coisas, tudo por triar. «Preciso de tempo. Precisávamos de uma pessoa, de segunda a sexta-feira, manhãs ou tardes, para organizar as coisas», desabafa, com o livro de ponto na mão, onde anota as marcações agendadas (neste sábado são 15; faltaram oito), para, num relance, voltar a olhar para a lista de espera e a tentar fazer a troca entre dar e receber.

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