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Cometa Coldplay deixa rasto de dúvidas na política local para a cultura

O frenesim à volta dos concertos que por estes dias fazem de Coimbra notícia passa ao lado dos agentes que, com apoios limitados, dão à cidade uma programação cultural diferenciadora e sustentável. Num céu cheio de estrelas, centramos o olhar nos astros ofuscados pelos grandes eventos.

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Fotografia: Filipa Queiroz (capa)

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Dito e feito: Coimbra é por estes dias capital dos concertos de estádio, faz correr muita tinta e assiste à rendição de milhares de pessoas aos Coldplay, com a versão de Chris Martin da Balada da Despedida a alimentar as redes sociais e os argumentos da autarquia para justificar o investimento de dinheiros públicos numa das mais lucrativas digressões da indústria. Mas quando a aposta coincide com cortes na cultura e o debate na academia destaca o impacto negativo dos grandes eventos resta saber se o que brilha é ouro.

O presidente da Câmara Municipal de Coimbra (CMC), José Manuel Silva, tem promovido os concertos dos Coldplay como o «negócio mais rentável de sempre» nesta área para a cidade. À despesa pública de 800 mil euros, contrapõe o retorno «brutal» previsto. O impacto económico tem ainda de ser
medido pelo Instituto Superior de Contabilidade e Administração de Coimbra. Mas, com base noutros grandes eventos, como o Primavera Sound Porto ou o Rally de Portugal 2020, o autarca estima um retorno entre 30 e 75 milhões de euros, distribuídos pelos sectores da hotelaria, restauração e contratação de serviços, antecipando também mais vendas no comércio local e captação de
mais turistas.

Mancines | Foto: Festival Lux Interior


Estes estudos de impacto não são, no entanto, livres de críticas e há investigadores que defendem a urgência de avaliações custo-benefício mais rigorosas, pelo efeito disruptivo que os grandes eventos têm nas cidades. É o caso de Paula Abreu, socióloga especializada em políticas culturais. «Há prejuízos que não são contabilizados. Ter quatro dias de concertos no coração cidade significa ter quase duas semanas em que a vida das pessoas está condicionada: circula-se com muitas limitações; há negócios que interromperam a actividade; há especulação em torno do arrendamento de quartos e há alterações na rede de transportes. Com os SMTUC debilitados, para haver circuitos especiais algo falha noutro sítio qualquer. Desconsiderar isto não é pensar os impactos de forma séria», enumera.

A forte pegada ecológica dos grandes eventos e o «rasto imenso de lixo que sobra quando vão embora» também pesam na balança, mas aqui o sector mostra já ter novas estratégias. Os Coldplay assumem compromissos ambientais, como a redução para metade dos gastos de energia e a plantação de uma árvore por cada bilhete vendido nesta digressão.

Estratégia «é retórica»

Os grandes eventos, com retornos espectaculares e imediatos, estão também a ser reconsiderados por tenderem a provocar desvios no planeamento a longo prazo das cidades, nas áreas da cultura e do turismo. No caso de Coimbra, José Manuel Silva enquadra os concertos dos Coldplay numa «estratégia» para o município que inclui a «organização regular de grandes eventos que atraiam
milhares de visitantes e afirmem Coimbra como uma cidade cool e musical». «É uma afirmação retórica», reage Paula Abreu. A académica explica: «Não existe uma estratégia. Estes eventos servem mais a projecção da cidade associada ao marketing turístico. Não sabemos que eventos querem atrair, nem para que servem, nem como isso se concilia com uma política contínua de intervenção na cidade ao nível cultural».

«A CMC nem garantiu que fosse uma banda de Coimbra a abrir os concertos e dar-se a conhecer às 200 mil pessoas que vão passar por cá», acrescenta Rui Ferreira, editor da Lux Records, à frente do Festival Lux Interior e um dos principais promotores de música na cidade. «É óptimo que estas pessoas que vêem aos concertos dos Coldplay sejam canalizadas para Coimbra e não para
outra cidade. Isto pode ser uma boa jogada de marketing, mas não é uma estratégia cultural»
, reforça.

Rui Ferreira | Foto: Sónia Nunes

Crítico do «apoio a um evento que esgota em poucas horas e vai dar lucro», Rui Ferreira lembra que a câmara só financiou, em 2017, a primeira edição do festival que, este ano, juntou nove bandas – cinco de Coimbra. Os pedidos de apoio seguintes, continua, foram rejeitados por falta de verbas e por serem pedidos por uma empresa privada. «Com 440 mil euros tinha o festival garantido para os próximos 15 anos», comenta, numa referência ao pagamento directo da CMC à promotora Everything is New, responsável pelos quatro concertos dos Coldplay em Coimbra.

«Quanto sai a notícia sobre as contrapartidas para a empresa e eu, uma semana antes, tive uma reunião com a Câmara em que me dizem que não há dinheiro, fico a pensar que há uma direcção que é: não apoiar a cultura local e apoiar o turismo de massas», partilha também Catarina Saraiva, directora artista do festival internacional de artes performativas, Linha de Fuga. «Esta é a grande
contradição: não se pode dar dinheiro a uma empresa cujo objectivo é o lucro para se dizer às iniciativas que são transformadoras da cidade que não há verbas», defende.

O Linha de Fuga tem custos na ordem dos 150 mil euros e na última edição recebeu um apoio de quatro mil euros. Em protesto, Catarina Saraiva recusou-se a concorrer ao financiamento nos mesmos termos e aguarda que a CMC «se posicione com valores quantitativos» para manter o festival em Coimbra.

Quadrados vazios

Na mesma semana em que foi divulgado o pagamento de 440 mil euros à Everything is New pelos concertos dos Coldplay, a equipa que programava e produzia o Coimbra BD – Mostra de Banda Desenhada anunciou a saída do festival. João Miguel Lameiras e Bruno Caetano tinham a indicação de que a mostra seria mudada para Setembro, feita no Parque Verde, em parceria com outra empresa e com um corte de dois mil euros no orçamento, o que foi desmentido pela CMC quando a organização cessante do evento tornou as condições públicas. «Estávamos sem respostas. A única posição oficial da câmara surgiu depois da notícia, apesar de dizerem que estavam activamente a falar connosco. Se é assim, porque não se fez o festival em Março? Porque nos disseram que o orçamento era menor?», devolve João Miguel Lameiras.

João Lameiras | Foto: Mário Canelas



O Coimbra BD arrancou em 2016, por iniciativa da CMC e, nas últimas edições, contou com um orçamento de oito mil euros – um valor muito abaixo do investido por outros municípios em eventos do género. O Amadora BD, o maior festival de banda desenhada no país, conta este ano com um orçamento de 300 mil euros. Apesar dos poucos meios, o Coimbra BD ganhou projecção: «Muitas
editoras programavam os lançamentos para as datas do festival. Tínhamos sempre novidades editorais. Isto era muito importante para editores, autores, livreiros e público. Vinha gente do Porto, Viseu, Beja, Algarve… Tudo isto são retornos e criam-se raízes», defende Lameiras. Exemplo: «Logo na segunda
edição do festival, vendemos na [livraria Dr. Kartoon] o mesmo que tínhamos vendido na Comic Com, com um investimento incomparavelmente menor».

João Miguel Lameiras, que, além de livreiro e curador, é também editor e autor de BD, só admite voltar à organização do Coimbra BD se houver uma «alteração grande ao nível da política cultural». «Não tenho nada contra e é importante haver grandes concertos. Mas quando a vinda dos Coldplay abafa tudo o resto que é programação cultural e a Câmara dá dois euros por espectador à produtora, que vai já ganhar balúrdios com os bilhetes, não me parece tão bem – sobretudo quando a palavra de ordem na cultura é cortar».

O orçamento para este ano da CMC avançou com a redução de 6,5 por cento das verbas para a cultura e um golpe de 45 por cento nos apoios ao associativismo cultural. O programa dá, no entanto, conta da intenção de ser criada uma estrutura profissional de dança contemporânea e «uma incubadora na área da criatividade e da cultura».

Nichos como alternativa

Os eventos de menor escala têm efeitos económicos reduzidos, mas estão a ser valorizados por terem um impacto positivo maior na comunidade e uma força transformadora, capaz de reforçar o sentido de pertença. Rui Ferreira confirma: «Um projecto como a Lux, que ao longo de 27 anos, tem editado as principais bandas de Coimbra e dado mais nome à cidade, é muito mais sustentável. Os
concertos que são casos únicos acabam. Não há mais.
Duvido que alguém vá formar uma banda porque viu Coldplay; mas há concertos mais pequenos que foram de tal maneira influenciadores que levaram miúdos a tocar».

«A cidade faz-se com uma gestão de sustentabilidade que, além dos efeitos económicos, tem em conta o retorno social e de conhecimento», frisa Catarina Saraiva. «Venham os grandes concertos, mas deixem-nos fazer outras coisas e apoiem o desenvolvimento e profissionalização da comunidade. Coimbra tem um potencial incrível para se tornar uma cidade criativa», remata.

Catarina Saraiva (à esquerda) | Foto: Linha de Fuga


«O facto de os grandes eventos não serem acompanhados de outras iniciativas é que nos deixa com um sabor amargo», conclui Paula Abreu. Os holofotes do Estádio Cidade de Coimbra vão baixar, sem que haja novas luzes sobre a direcção do Convento de São Francisco e a decisão de encaixar um hotel no Mosteiro de Santa-Clara-a-Nova, a casa da Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra.

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