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Feira dos 7 e dos 23

O que há para comprar e o que não tem preço na Feira dos 7 e dos 23

Centenário e quinzenal, há de tudo um pouco e para todos os gostos no mercado em Bencanta, inclusive um corredor de restauração e uma linha de transporte público exclusiva.

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Feira dos 7 e dos 23

É bastante comum que em filmes italianos e franceses haja uma cena ou outra que se passa numa feira. Sobretudo se a estória contada acontecer no verão e se a produção for norte-americana, como é caso de Cartas para Julieta (2010), de Gary Winick. Mesmo quando a trama se desenrola no inverno isso pode acontecer, mas sem a algaravia das cores, como acontece em Paris (2008), de Cédric Klapisch, em que um dos protagonistas, o charmoso Albert Dupontel, tem uma tenda num mercado aberto e (quase) faz par romântico com a etérea Juliette Binoche. 

Não havia equipas de filmagem nem estrelas de cinema quando fomos a uma das feiras mais conhecidas de Coimbra. Havia chuva e vento. Mas as nossas retinas e tímpanos gravaram as histórias daqueles pequenos comerciantes. De camisas de dormir a mudas de laranjeira, de frango do campo a headphones, de regadores de plantas a torresmo, de móveis de madeira a postas de bacalhau, no meio de todos eles cabia ainda uma infinidade de produtos. Para quem nunca foi, apresentamos-vos a Feira 7 e 23, em Bencanta, perto da freguesia de São Martinho do Bispo.

Transporte e entrada

Centenária e quinzenal, a Feira dos 7 e dos 23 tem este nome porque ocorre nestes dias. Se acontecer calhar num feriado ou domingo, é realizada no dia anterior, sempre das 7h às 15h. Ela tem tamanho valor para Coimbra que há autocarros que circulam apenas quando a 7 e 23 acontece. Quem preferir ir de carro, paga 50 cêntimos para entrar e pode estacionar num dos 177 lugares dedicados. Passar a pagar para entrar fez parte do projeto da Câmara Municipal de Coimbra de revitalização dos mercados e feiras, que incluiu o alcatroamento das principais vias dentro da 7 e 23 e a plantação de 110 árvores, mas segundo alguns comerciantes a medida trouxe mais prejuízos do que ganhos, como veremos mais adiante.

Fomos de autocarro. O Feira 7 e 23 partiu da Portagem com poucos passageiros e parou à entrada do recinto onde entrar a pé oferece vantagens únicas. Logo que cruzámos o portão, começou a azáfama de aromas, cores e sons que somente mercados abertos proporcionam. Cheiros de ervas e condimentos variados na barraca imediatamente à direita deram-nos as boas-vindas. No Beta Bar, à esquerda, assomaram muitos como nós à procura de refúgio da chuva generosa e em busca de uma bebida quente.

Quem vai à feira

Deparámo-nos com um trio, todos moradores de Coimbra. Visitavam não apenas esta como outras feiras locais, como a Feira dos 5 e dos 19, na Mealhada, que antes era realizada em Santa Luzia, ao longo da IC2, mas mudou de sítio e agora é a Feira do Barcouço. Patricia Faustino disse que a visita «desde sempre». Para ela, as medidas municipais trouxeram melhorias para os consumidores e também para os comerciantes. «Antes do alcatroamento, era muita lama».

Wilson Marques disse que ia à feira para se render à sedução do apelo gastronómico. Indagados sobre se comprar artigos na feira é uma solução para amenizar a crise económica, Wilson respondeu que já foi mais vantajoso do ponto de vista financeiro, mas agora nem por isso. Rute Rijo disse que acompanha os amigos pelo ambiente que somente as feiras proporcionam. Segundo ela, a Feira dos 7 e dos 23 é a maior da região. «Somos “feirólogos”», resume Wilson.

Quem está na feira

Depois da conversa e aquecida com um galão e um pão da avó assado na chapa, foi hora de partir à descoberta. Mais do que os produtos a serem vendidos, o mais encantador em feiras e mercados – especialmente aqueles ao ar livre – são as pessoas. Como a senhora Maria Augusta Lino, que tem 83 anos, quatro filhos, 10 netos, 17 bisnetos e dois trinetos, ela tem uma banca modesta: comercializa camisas de dormir e pijamas, que transporta em uma carrinha que fica atrás dela. Aos 14 anos, começou a vender produtos agrícolas no mercado de Buarcos, em Figueira da Foz, onde mora até hoje. Casou aos 19 anos mas ficou viúva aos 36.

Ao longo de quase 70 anos participando de feiras, a comerciante contou que já vendeu «tanta coisa, um pouco de tudo» e que, além de estar presente na feira de Bencanta, também vende seus produtos numa feira em Soure, que, segundo ela, acontece uma vez por mês.

Bem mais jovem do que Maria Augusta, mas igualmente atencioso e conversador, sempre com um sorriso aberto, encontrámos Carlos Carpinha. Tem 55 anos e está a dar continuidade ao negócio da família: seu pai iniciou a venda de bacalhau em feiras. Ainda jovem, aos 13 anos, passou a acompanhá-lo, portanto, conhece os meandros da atividade há 42 anos. Seu filho, Alexandre, refaz os mesmos passos do pai, só que começou ainda mais cedo, quando tinha 11 anos.

Com residência em Vagos, próximo de Aveiro, pai e filho participam em 22 feiras mensalmente. A crise financeira que afeta o país refletiu-se nas vendas do negócio da família Carpinha, apesar da sua tenda estar sempre cheia.  Estimaram uma queda de 15% em 2022 e previram que chegará a 20% este ano. «O presunto é feio, mas é muito bom», atirou em tom alto e oferecendo pedaços do enchido, para atrair fregueses. Funciona.

Marlene Caetano, da Casa do Lume, originária da Praia da Mira, vende os mais variados produtos de origem suína na Feira dos 7 e dos 23 há 11 anos, com a ajuda de Catarina Milheiro. Marlene diz que a instalação da cancela para pagar para entrar fez a feira perder público porque quando a fila está muito longa as pessoas perdem a paciência e vão embora. Algo com que o senhor Carpinha concorda. Mas ao contrário do comerciante de bacalhau, Marlene nega que haja uma crise financeira. «O que há é uma crise moral». Solicitada a elaborar mais a afirmação, ela diz que as pessoas não têm mais senso de comunidade e estão muito acomodadas. Declaração que permite várias leituras.

No corredor da restauração, de onde emanava um aroma inebriante, estava Jorge de Jesus, que entrou no comércio vendendo pães, quando ainda era jovem, como nos contou com muito orgulho e satisfação. Hoje tem oito ajudantes para atender os fregueses que querem comer, por exemplo, uma sandes de porco feita com pão fresquinho, cuja massa é feita e assada lá mesmo, ou pedaços de frango. Pode-se comer lá ou levar para fora.

Jorge não defendeu qualquer queda no movimento devido à cancela e afirmou que chega a vender 150 frangos em dias de grande movimento. As personagens são singelas, o roteiro não tem nenhum plot twist. Mas há, de forma subjacente, histórias de luta, de resiliência. Visitem a feira, levem as crianças e jovens. A economia local e os pequenos empreendimentos familiares agradecem. 

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