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Hugo van der Ding: «O Festival Política é o tipo de espaço que é a resposta à violência das redes sociais»

Disseram-lhe que o tema era a inclusão e pensou que incluir personagens ou factos na nossa História também devia contar. Conversámos com o humorista no Convento São Francisco depois da «aula» que serviu de aperitivo para a estreia do Festival Política em Coimbra.

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Fotografia: Mário Canelas

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Machado de Assis, nome maior da literatura brasileira, jornalista, romancista, poeta, teatrólogo, recebeu recentemente uma mudança de look porque durante muito tempo não era apresentado como…negro. Campanhas como «Machado de Assis Real» divulgaram recentemente imagens do escritor com a alegada cor original ocultada pela História. História que também fala (muito) pouco de mulheres como Paula Vicente, filha de Gil Vicente, que no século XVI representou nalgumas peças do pai e chegou a escrever comédias. Ou Judith Teixeira, escritora e poetisa que lançou uma revista chamada Europa em 1925, mas cuja obra foi censurada dado o teor homossexual, apesar de elogiada por homólogos como Aquilino Ribeiro pela sua audácia e modernidade.

Viriato, Tariq, Zumbi dos Palmares, Valentim de Barros foram outros nomes que Hugo Sousa Tavares, conhecido pelo nome artístico Hugo van der Ding, incluiu na sua «aula» de História no warm-up do Festival Política no passado dia 11 de Fevereiro, em Coimbra. Depois de cerca de duas horas a rir e levar facadas de humor inteligente e sarcasmo acutilante, conversámos com o autor de tiras humorísticas como A Criada Malcriada, recentemente compiladas no livro O Lixo na Minha Cabeça (2022), da rubrica Vamos Todos Morrer na Antena 3 e do podcast Duas Pessoas a Conversar, que nos falou sobre a participação no festival que pretende estimular, de norte a sul do país, o interesse pela política, os valores democráticos e a defesa dos direitos humanos.

Também divagámos sobre a importância da educação, da leitura e o programa Vamos para a Tua Terra acabado de estrear pelo humorista «por acaso» que, até há pouco tempo, era tradutor literário de ofício com «meio canudo» em Direito. Agora dá «aulas» em antigos conventos e mostra-nos como, apesar de tudo, tem uma paixão contagiante pela humanidade e pela diversidade, a começar pelas gerações mais novas que já assistem aos seus espectáculos na primeira fila – mesmo sem perceber patavina.

Filipa Queiroz: Estamos no Festival Política. Se não houvesse liberdade, nada disto seria possível. Isto é um espectáculo muito livre, onde exaltas essa liberdade e gostava de começar por perguntar o que é que a liberdade significa para ti? 

Hugo van der Ding: Significa isso. Significa a possibilidade de falar destes assuntos, mesmo que não seja dito de uma forma clara fica a ideia de que estes assuntos só são possíveis discutir se preservarmos esse espaço para o fazer. Vivemos tempos muito complicados para definir o que é a liberdade. 


FQ: A certo ponto, durante o espectáculo, contaste que nos últimos dias ficaste especialmente sensibilizado com a falta de empatia da comunicação social ao abordar o tema dos terramotos na Turquia e na Síria, por terem começado a falar e dar mais relevância ao facto de estarmos ou não preparados para terramotos daquela magnitude aqui em Portugal, por exemplo.

HVD: Sim, preocupei-me mesmo. Não tinha dito aquilo ainda em público porque pensei que atacar os jornais é o que faz o Trump, não é? Mas…foi quase um desabafo… É importante que os jornais não deixem de estar um bocadinho à frente das coisas. Sabemos que mesmo jornais mais sérios insistem na aparência moderna de pôr muitas notícias de adopção de casais do mesmo género, por exemplo, que se percebe que é só para encher as caixas de comentários de ódio. É uma coisa perversa e é o contrário do que supostamente deviam estar a fazer. Não sei, mas tenho pensado muito nessa história da liberdade. Acho que a liberdade é o valor essencial mas as várias liberdades só servem se servirem o valor fundamental da liberdade. Incluindo a liberdade de expressão também. Acho isso. A liberdade de expressão não é o valor máximo. A liberdade é o valor máximo. Não sei como mas, às vezes, sinto que precisamos todos de rever todo o discurso que circula no espaço público. 

FQ: Por falar em expressão, és um leitor ávido, até coleccionas livros, tens uma forma de fazer humor que é o chamado humor inteligente, um humor que requer muita pesquisa, com cuidado com as palavras, subversão também. Achas que também existe uma crise de expressão? Refiro-me especialmente aos mais jovens que alegadamente se interessam cada vez menos e mais superficialmente pela leitura.

HVD: Acho que há sempre gente mais predisposta e naturalmente interessada na leitura ou o que seja, são sempre menos pessoas, na minha geração também eram menos. Os miúdos hoje em dia têm essa coisa que é a internet que é incrível. Eu fiz o liceu todo sem internet, não é? Sou de 1976, a internet começou a ser normal, generalizada, quando eu andava na faculdade e tenho imensa pena de não ter tido internet quando andava no liceu porque tinha aprendido duzentas vezes mais, porque todas as minhas dúvidas podia tirá-las em casa sozinho. Estes miúdos têm isso. Claro que são muito mais espertos porque têm muito mais conhecimento. Porque quem não era interessado, na minha geração, havia aquele interesse, lá lia algumas coisinhas no liceu e depois morria para o mundo intelectualmente. Viam uns filmes de vez em quando de pessoas a levar nos cornos…(risos) Hoje em dia os miúdos não são assim! Agora, têm muito mais estímulos, é normal que sejam muito mais dispersos, mas têm também coisas incríveis. Às vezes vêem-se coisas que os miúdos fazem, mesmo para nós parecendo umas merdas, são incríveis. Agora, escrevem todos péssimo? Escrevem. A maior parte das pessoas escreve mal, mas estão noutra onda, estão noutra cena, que se calhar nós não percebemos muito bem o que é que é aquilo. 

FQ: Havia crianças a assistir ao teu espectáculo, até foram ter contigo no final para tirar uma fotografia…

HVD: Sim! Às vezes tenho crianças mesmo muito novas. Isso espantou-me um bocadinho mas o [programa da Antena 3] Vamos Todos Morrer é muito popular com as crianças porque elas estão no carro àquela hora quando os pais as levam para a escola, as crianças pequenas. Não percebo muito bem como consigo, mas a verdade é que aquilo chega aos miúdos. Não percebem as piadas quando são um bocadinho mais fora, mas…

FQ: Desperta-lhes o interesse pela História?

HVD: Acho que sim, acho que sim. Isso é aquela coisa de começares a perceber que se puderes ser usado como um exemplo, não é um exemplo, mas é aquela coisa que a gente diz que os miúdos acham graça, depois aí consegues ir passando a tua própria mensagem. 

FQ: Foste «professor» hoje, deste uma «aula»

HVD: Um bocadinho, uma brincadeira… mas eu acho que isto muda um bocadinho a cabeça das pessoas. Acho mesmo. É uma conversa. Claro que é uma coisa muito…este espaço não dava muito bem sequer, era fixe que fosse uma coisa mais interactiva e pudéssemos trocar ideias, porque no fundo estamos um bocado a trocar ideias e acho que pode mudar um bocadinho a cabeça. Não estou a ensinar nada, estou a transmitir fruto das minhas reflexões, se as pessoas quiserem ou não pensar naquilo. Pelo feedback que tenho as pessoas ficam mesmo a pensar nisso. 

FQ: Achas que os professores deviam recorrer mais ao humor nas salas de aula, isso poderia despertar um maior interesse pela nossa História?

HVD: Sim. Nós nascemos eventualmente com algum interesse, que é genético, se calhar. Depois o que é alimentado pelos pais. Mas, os professores são fundamentais. Se nós fizermos um exame as nossas coisas favoritas são as matérias em que tínhamos professores melhores. Se tínhamos um professor muito apaixonado por História gostamos de História. Se tínhamos um péssimo professor de Matemática odiamos matemática e vice-versa. Isto é claro. Eu percebi que gosto muito de História. Tive professores muito bons, regra geral, mas, por exemplo, hoje em dia sou super interessado em Astrofísica. Estou a falar a sério! Astronomia, interessa-me imenso a descoberta do espaço, o universo, Física Quântica. Claro que leio o que vou apanhando, mas como não tive um professor fixe…se calhar se tivesse tido um professor como o de História…já viste? Perdemos todos. Se calhar já tínhamos ido a Marte (risos) e agora andamos aqui no Convento São Francisco a dizer não sei quê, «não batam nas mulheres» (risos).

FQ: Já participaste em duas edições, o que achas do Festival Política?

HVD: Incrível. Acho fixe. O Festival Política é o tipo de sítio que, para mim, é a resposta à violência das redes sociais onde nada é discutido e as pessoas estão todas a mandar vir umas com as outras e ninguém aprende nada e ninguém percebe que não está a aprender nada. E é este espaço fixe que muda cabeças, muda mentalidades. É um trabalho incrível de discussão, de falar… Eu tenho um interesse, até histórico, sobre a comunidade cigana em Portugal. É uma coisa que me fascina muito, é uma comunidade que está cá mais ou menos há 500 anos e há leis contra os ciganos há quê…499 anos? É impressionante. Não é muito comum teres a hipótese sequer de estar junto com a comunidade, ouvires a sua discussão e poderes se quiseres à saída ficar ali a discutir, salvo seja, a aprender com eles. Não só é um espaço como é um sítio de verdadeira partilha, de poder estar com as pessoas. 

FQ: Coimbra acabou por não estar presente no guião.

HVD: Mudei as coisas hoje à tarde. Vinha trazer A Grande Mentira, que desmonta mitos da História de Portugal, mas estava inserido na desinformação, que foi o tema da edição anterior [do Festival Política]. Como agora é a inclusão mudei uma data de coisas, mas trazia de facto personagens muito queridas a Coimbra como o D. Afonso Henriques e a Rainha Santa Isabel. Não tratava mal a senhora (risos) mas é uma coisa engraçada que a história do milagre das rosas é uma história que existe com uma tia-avó da Rainha Santa Isabel, chama-se Isabel da Hungria, era Rainha da Hungria e tinha uma história igualzinha à dela.  

FQ: Não te dedicas só às mentiras, tens um programa novo que é bem realista, chama-se Vamos para a Tua Terra. Queres falar-nos um pouco sobre ele?

HVD: É o que estou a amar fazer neste momento. Já gravámos nove episódios, cada semana é um país diferente, como se fosse uma espécie de guia de viagem, que não é um guia de viagem, ainda que tenha algumas dicas de viagem. São sempre imigrantes que vivem em Portugal. Se falarmos do Líbano falamos com uma libanesa que vive em Portugal. O episódio sobre o Irão é um dos mais tocantes, que é saber como é que é crescer no Irão. Foi muito tocante mesmo. 

FQ: Será mais exigente ao nível das sensibilidades, há humor?

HVD: Sim, se vier a propósito sou capaz de rir mas é um programa sobre a pessoa com quem estou a conversar. Não falo muito. Faço uma introdução um bocadinho grande sobre o país, para contextualizar e depois é ouvir aquelas histórias. Desde a simples coisa: «será que viam o Dartacão em Tóquio?», até saber como é que é viver em guerra, por exemplo. Tenho tido relatos incríveis. Já falámos do Japão, da Colômbia, do Uruguai, falei com um índio do Panamá… É quase um documento histórico tu poderes falar com uma pessoa que cresceu numa comunidade indígena. 

FQ: Para alguém que ama a multiculturalidade e a diversidade deve ser uma oportunidade fascinante. 

HVD: Claro e aqui a ideia é se começares a ouvir pessoas do Bangladesh a contar a sua história, a falarem da sua cultura – porque se fala muito também de um livro importante para se conhecer o Bangladesh ou Nepal, ou o que seja -, começarmos a ouvir, termos um bocadinho de interesse, começarmos a ouvir as músicas – porque também tem música o programa -, vamos ver um filme, ouvimos a história daquela pessoa ter vindo para aqui, as pessoas pensarem em coisas que são tão óbvias como o tipo que vai levar o Glovo do MacDonald’s mas se calhar chora todas as noites com saudades da mãe. Quando nós pensamos nisso acabou o racismo, acabou a xenofobia…

FQ: Somos todos pessoas. 

HVD: Claro. E ter o interesse pelo outro, é este princípio da empatia. É o interesse, quer dizer, não devia ser preciso isso, mas é ter o interesse pelo outro. Acho tão enriquecedor!…

FQ: Só falamos em inclusão porque existe exclusão. 

HVD: Exactamente. Ouve, vais gostar. 

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