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Série: Vai-se Andando

Jairo Marques: «A visibilidade natural da pessoa com deficiência, sem a ajuda da imprensa, não vai acontecer nunca»

O jornalista da Folha de São Paulo e autor do livro Crônicas para um Mundo mais Diverso (2022) fala sobre o que é e o que pode ser feito para termos uma sociedade verdadeiramente inclusiva.

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Fotografia: Francisco Oliveira, arquivo pessoal

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Foi uma das primeiras pessoas com deficiência na universidade onde estudou, a Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Diz que quando chegou todos ficaram em choque e que um grupo de engenheiros foi chamado para construir uma rampa desde a porta da sua casa até a sala de aula, construindo um passadiço que atravessava inclusive numa reserva natural. «Vou contar aqui uma história muito pessoal, uma vez eu estava voltando para casa, no caminho pelo bosque, era noite, começou uma tempestade e faltou energia. Eu fiquei ali no escuro, com medo dos animais, de cair… e lembro de pensar que um dia contaria isso para alguém, estando numa posição melhor. Hoje é este dia», partilha Jairo Marques na segunda-feira, 6 de fevereiro, numa conversa feita de jornalismo, experiências, partilhas e questões, construída virtualmente sobre os oito mil quilómetros que separam Coimbra e São Paulo.

Jairo é jornalista da Folha de São Paulo há 22 anos, atualmente editor do caderno Vida Pública, onde escreve sobre valores humanos. Mantém também o blogue Assim como você, onde aborda a trajetória das pessoas com deficiência física com o principal objetivo de mostrar que a vida é uma aventura de superação e é autor dos livros Malacabado: a História de um Jornalismo sobre Rodas (2016) e Crônicas para um Mundo mais Diverso (2022).

Jairo usa cadeira de rodas desde criança, altura em que foi atingido pela poliomielite que provocou, em 1975, a paralisia infantil em mais de três mil crianças no Brasil. Hoje está empenhado em melhorar a maneira como praticamos a inclusão. Na nossa conversa, o jornalista conhecido por tratar de assuntos espinhosos muitas vezes evitados por colegas e pelo próprio segmento das pessoas com deficiência, teve especial atenção com a estudante de jornalismo e estagiária curricular na Coimbra Coolectiva Francisca Tralhão, que nasceu com espinha bífida e por isso se desloca em cadeira de rodas. 

«À frente da nossa condição está a função social do jornalista, eu falo isso para todo o estudante de comunicação que me procura – tudo é possível, redações podem se adaptar mas a Francisca terá uma função social que deve estar à frente da sua condição», pontua. Começa por dizer que nesse «chão de vidas plurais» encontra-se hoje num momento de cansaço onde ainda se discute questões muito básicas em relação à inclusão e acessibilidade. 

«Aqui no Brasil a gente ainda está debatendo o problema da recuperação e manutenção das pedras portuguesas nas calçadas, que torna cidades como o Rio de Janeiro intransitáveis ao cadeirante, essa matéria sobre o ir e vir para pessoas com deficiência é tão basilar e a gente ainda está tendo que falar sobre isso, é um enorme desgaste intelectual e emocional. Hoje quero abrir espaços de discussão para temas amplos, por exemplo, temas emocionais, pois não temos lugar para falar das emoções desse povo diverso. Quando será que eu vou ter oportunidade para falar do amor na deficiência? E sexo?», questiona.

Quero abrir espaços de discussão para temas amplos, por exemplo, temas emocionais. Quando será que eu vou ter oportunidade para falar do amor na deficiência? E sexo?

O jornalista se diz angustiado e inquieto, mas não esmorecido. Prevê que ainda falará sobre acessibilidade por mais uma década «não que isso me maltrate, não é isso, eu me especializei nisso, escrevo sobre isso, porém, parece que estou sempre enfiado num escaninho. Mas partimos do nada, então… eu vou continuar falando sobre rampa assim como a Francisca vai falar sobre a cantina na Universidade de Coimbra que é menos acessível, e no meio disso tudo: como eu posso debater o mercado de trabalho se ainda discutimos a inclusão na escola? Vivemos essas contradições do universo inclusivo, mas que fazem parte da caminhada.»

A equipa da revista coloca várias perguntas e uma delas humedece o olhar alegre de Jairo Marques: «Se cogitei desistir desta profissão?» (longo suspiro, dedos nos olhos, silêncio) «Peço desculpas, sou muito emotivo, é difícil. Durante o meu curso eu via os meus amigos se posicionarem muito rapidamente, faziam estágios, arranjavam trabalho, e eu ia ficando pelo caminho. Aquilo começou a me bater forte, pensei mesmo que nunca iria conseguir. É que temos a desgraça dessa profissão ser ligada ao Super-Homem, Clark Kent voava, fazia tudo e mais alguma coisa e eu, bem, eu estava tão longe de ser um super homem… quando eu me formei essa dor bateu mais forte ainda.» 

É que temos a desgraça dessa profissão ser ligada ao Super-Homem, Clark Kent voava, fazia tudo e mais alguma coisa e eu, bem, eu estava tão longe de ser um super homem…

Jairo conta que começou a procurar emprego na cidade onde vivia e todas as redações eram absurdamente inacessíveis, os editores diziam-lhe muito duramente que ele até parecia promissor, mas não tinham como recebe-lo ali: «Aquele mundo profissional era muito diferente da universidade onde eu tinha vivido a pulsante ideia de que todos podem fazer tudo, e eu estava sendo negado no mercado de trabalho, então alguém me disse para tentar em São Paulo, a maior cidade de todo o hemisfério sul do Planeta. E eu fui e consegui.»

Jairo sente-se esmagado quando constata que as coisas têm mais importância que as pessoas e, na sua opinião, isso se cristaliza de várias formas: desde o lugar no cinema até ao planejamento de qualificação urbana como o que este que a cidade de Coimbra vive agora: «O mais-barato precisa perder espaço para o é-para-todos. Já repararam que os lugares para deficientes em salas de cinema e espetáculos são aqueles que ninguém escolheria? Entendem que isso é um choque humanitário? As ruas e calçadas que priorizam os carros são a expressão máxima disso. Tenho a esperança que no futuro as pessoas olharão para tudo isto e dirão “Meu Deus! o que a gente fazia com essas pessoas! e por uma questão de custo?”, espero ainda ver um mundo onde as pessoas são mais importantes que as coisas», atira. 

Ninguém parece querer deixar a sala virtual que alberga a reunião entre a redação em Coimbra e o editor paulista, mas alguém lembrou que Jairo tinha se disponibilizado em usar o seu primeiro dia de férias para este trabalho e, já com um aroma de até logo, a equipa colocou suas questões finais e agradecimentos quando ele arrematou: «Nós que estamos aqui, conversandona estratosfera, precisamos trabalhar para que as pessoas com deficiência cheguem lá, porque não é preciso que elas estejam presente em todos os lugares para que sejam lembradas, se for assim as coisas não vão mudar nunca. Nós temos que levar esse debate adiante, foi assim com várias lutas, as pessoas se apropriaram desses movimentos para defendê-los. Se não for assim a gente não vai evoluir nunca. Se acharmos que vai haver uma visibilidade natural dessas pessoas, sem a nossa ajuda, da imprensa, isso não vai acontecer, como meio de comunicação nós precisamos sim fazer o básico de visibilidade mediática. Porque a vida é assim, as pessoas são diferentes e nós vamos ter que lidar com elas, aprender na convivência, na prática, pois não existe um manual de gente.»

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