«No outro dia, uma pessoa que estava em Paredes manda-me um vídeo do concerto de Jessie Ware. Respondi-lhe de imediato com um do John Cale a tocar um solo de guitarra e a legenda: Ganhei!» Quem nos relata o triunfo é André Carvalho, um dos milhares de espectadores que de 16 a 20 de Agosto marcaram presença no primeiro Luna Fest, em Coimbra. O festival de música tem pontuado muitas conversas de teor cultural, mas não necessariamente por trazer nomes já lendários e talentos algo incógnitos do rock à margem do rio Mondego.
«Entendo que este é um festival difícil de lançar e tinha enormes obstáculos, pois é um estilo musical que acaba por não abranger toda a população da cidade. Se viesse a Mariza provavelmente enchia isto tudo, mas é importante haver esta primeira edição para lançar as próximas.» Estivemos no Luna e esta conversa decorreu no terceiro dia do festival, com uma moldura humana considerável: «A celebração desta comunidade que existe em Coimbra é uma das coisas que me orgulha mais neste festival».
«Acho uma iniciativa muito louvável, por ser tomada fora de qualquer circuito comercial. Para mim, como sigo muitas destas bandas, é quase um sonho vê-las ao vivo cá em Coimbra e não hesitei em comprar o bilhete geral. Agora claro é um festival que está a começar e portanto vai dar os seus pequenos passos iniciais.»
Diogo Carneiro, espectador
O festim veio a ebulir em lume brando desde o concerto dos The DSM IV, que abriram o Luna Fest. Nesse momento primordial, era palpável a ansiedade de todos os presentes que rapidamente deu lugar a uma comoção geral perante a empatia notável de Guy McKnight. «Uma grande honra pessoal, abrir este festival», revelou-nos o mentor da banda, acrescentando que estava «muito emocionado por ver os Undertones e John Cale». «Infelizmente tenho depois de voltar ao trabalho em Liverpool, caso contrário, ficaria por aqui.»
Muitos outros artistas ficaram e foram presença constante na Praça da Canção. A maioria dos 28 concertos teve uma qualidade do som irrepreensível. Já as estatísticas da contagem do público deixaram a desejar. Com a lotação do recinto capaz de albergar cerca de 7500 pessoas por dia, o festival recebeu no seu todo 14 mil, um número que ficou muito aquém das expectativas e se manifestou nas vertentes solidárias em que o Luna Fest investiu.
«Vendemos poucos bilhetes», revela-nos Carlos Condesso da Associação de Paralisia Cerebral de Coimbra. Não descura a gratidão à organização do festival, que descreve como «um evento inclusivo, por dar a oportunidade a uma série de instituições solidárias em Coimbra de combater problemas e fragilidades económicas. Para quem arrisca um primeiro festival nas condições em que eles o fizeram, isso é louvável.» As palavras do presidente da direcção da APCC encontram eco na comunidade estudantil, nomeadamente nos membros das repúblicas.
«O festival tem um sítio maravilhoso para funcionar e muitos dizem que o problema é ter sido feito na nesta altura, mas não é, o problema é que tem de ser comunicado como um nicho diferente, como se faz com imensos festivais lá fora.»
Isabel Pinto, espectadora
As vendas de bilhetes gerais levadas a cabo na República dos Fantasmas e na Real República Rápo-Táxo espelharam o número minguado, apesar do louvor dos estudantes à iniciativa. «Acho que foi o primeiro festival que teve tanta aderência de associações, no sentido em que se disponibilizou para as ajudar. Enquanto se mantiverem as repúblicas e associações cá em Coimbra, mantém-se o espirito da cidade porque Coimbra é muito à volta do associativismo e comunidade», aponta-nos Beatriz Pedrosa, residente nos Fantasmas.
«Ao contrário do que acontece noutras cidades, onde há festivais sediados que não acrescentam nem contribuem em nada para a comunidade, este foi um festival que de alguma forma tentou e até ajudou a nível a questão social», remata. Já na Rápo-Táxo, Rudolfo Pedro lamenta a falta de adesão, mas indica que «foi uma quantidade razoável, pois toda a ajuda é bem vinda e nós precisamos dessa ajuda.» Realçando a camaradagem de outras repúblicas, espera «que o Luna Fest continue a existir e tente ajudar o resto das repúblicas, neste momento cada vez mais fragilizadas por causa da crise habitacional.»

«Tenho pena que não tenha chegado a toda a gente de Coimbra, pois parece que a cidade estava à espera disto há 20 anos, mas eu olho à volta e sinto que está muito mais gente de fora e que Coimbra em peso não está presente.»
Lia Cachim, espectadora
Coimbra também recebeu vénias, sobretudo das bandas, muitas das quais nunca tinham tocado em Portugal: «as pessoas são muito simpáticas e a cidade é belíssima, com uma história e tradição espantosa», atestam os Lá Elite, alegando jocosamente que «a única coisa que não gostamos é que as pessoas aqui estudam e nós não gostamos de estudar». Também vivaço foi o optimismo dos Ruts DC, com John Segs Jennings a declamar que «actualmente as pessoas ficam muito fixadas com o que está mal e, embora essa indignação tivesse levado ao punk nos nossos tempos, hoje esperamos que deixem as preocupações de lado e se divirtam».
Uma euforia dinâmica que se permeou por todos os dias do festival, não obstante as más-línguas que por vezes insistiam em recordar os cancelamentos de Devo e The Damned, o último reportado horas antes de o festival começar. E embora a participação-surpresa de Captain Sensible dos The Damned no final do concerto dos Ruts DC pareça ter sido ignorada por muitas dessas gírias, um cenário que não passou despercebido foi a transição em palco de Victor Torpedo and the Pop Kids para The Parkinsons, experiência única no panorama festivaleiro que muitos declararam enquanto auge do Luna Fest.

«O Luna Fest está a ser um daqueles festivais onde a primeira vez é mítica, quem não veio não vai saber aquilo que perdeu. Quem não veio, tivesse vindo, pois para o ano não sabemos.»
Fernando Alves, espectador
«Numa altura em que o público estava meio morno, tens duas bandas que são da casa a levantar o ânimo ao mais alto nível. Foi um momento-chave maravilhoso que parecia impossível, mas aconteceu.» Isabel Pinto reside no Porto, mas veio a Coimbra conhecer a cidade e o festival: «Não fazendo parte do circuito académico, creio que Coimbra fica um bocado à parte do circuito de festivais e de concertos alternativos, apesar de ter uma comunidade que é interessante e interessada. Este festival é uma óptima forma de reavivar a cidade para uma nova vertente e merece todo o apoio dos cidadãos e do município.»
Abonação também partilhada por quem nasceu cá, como Iolanda Martins. Actualmente a residir em Londres, regressou à cidade-natal nesta semana de Agosto, muito por causa do Luna Fest: «Estou super feliz que este festival esteja a acontecer em Coimbra, porque precisamos de cultura e de mais eventos destes, principalmente para dar a mostrar estas bandas com história a uma nova geração que necessita disto. É incrível a convivência de todas as gerações aqui neste festival, desde crianças a pessoal mais velho. É uma coisa que tu não vês em muitos dos festivais em Portugal.»
Apesar dos horários dos concertos não serem ocasionalmente propícios aos mais novos, de facto muitas famílias marcaram presença. Catarina Fontes Ruivo veio com os filhos no último dia e refere-nos que o festival «é uma vantagem nítida em termos de visibilidade para Coimbra», esperando que o evento «seja para continuar e que eventualmente se estenda a outro tipo de sonoridades que não apenas o punk, mas ainda dentro do underground», cenário provável dada a presença dos Dissidenten que surpreenderam o público com um concerto exímio de sonoridades mais esotéricas.
«Creio que o festival teria tido mais sucesso se fosse mais curto, três dias era o ideal. Para uma primeira edição, apesar das bandas valerem bem o dinheiro do bilhete, não se pode ser demasiado ambicioso, especialmente porque há muita competição em Agosto.»
Iolanda Martins, espectadora
A principal crítica centra-se no número de dias, assim como na comunicação algo errática da organização, notas a que a Fortunoscópio está atenta e que já condicionam o planeamento da próxima edição. Com a promotora actualmente a dialogar com os vários pelouros do Município – não se limitando ao turismo e cultura, mas também aos das áreas do social e educacional – para assegurar um apoio financeiro mais substancial da Câmara para o próximo ano, a ideia é que de futuro o Luna Fest se realize enquanto culminar anual de vários eventos que serão realizados em parceria com os diferentes espaços culturais de Coimbra.

«Apesar da lotação não ter atingido níveis semelhantes ao de festivais mais estabelecidos que experienciaram dificuldades semelhantes quando começaram, a recepção foi muito positiva. Não podemos ficar defraudados com estes números iniciais, pois ainda há contas a fazer e verbas a angariar», esclarece Tito Santana, avançando que o Luna Fest voltará a acontecer, com um cartaz mais conciso de três dias – de 6 a 8 de Setembro de 2024 – , sem descurar a qualidade sonora dos artistas e o edificar do festival enquanto marca e marco cultural de Coimbra.
«A partir do momento em que demos este difícil primeiro passo, o objectivo agora é dinamizar os eventos e a cultura ao longo do ano de modo a que o grande palco do Luna Fest seja a cidade em si.»
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