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Ginásio Focus

Peçam esclarecimentos

Centro de Saúde Norton de Matos

No bairro Norton de Matos há um ginásio que põe a comunidade a mexer

Mais espaço houvesse (e há) mais o Focus crescia em número, em propósito e de forma totalmente de forma orgânica. Naquele que é um dos bairros mais familiares de Coimbra, novos e velhos cultivam a mente sã em corpo são, enquanto se conhecem e poupam nas idas ao centro de saúde.

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Fotografia: Mário Canelas

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Ginásio Focus

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Centro de Saúde Norton de Matos

E se em vez de centros de dia ou salas de espera dos centros de saúde, idosos passarem tempo em espaços frequentados por pessoas de todas as idades, fazendo algo que os faz sentir mais capazes? E se antes de ir ou ao voltar do emprego trabalhadores reduzirem os níveis de stress e ansiedade enquanto conhecem pessoas novas? E se jovens recuperarem o tempo que passaram isolados ou atentos a ecrãs a preparar o corpo para a praia e trocando histórias com amigos inusitados?

É isso que acontece no Focus. Quem passe de carro talvez não dê conta, mas observando com atenção a zona Caixa Previdência, bem no centro do Bairro Norton de Matos, em Coimbra, entre os edifícios residenciais é comum ver braços a gesticular e pernas a correr em volta de cinco pequenas casas. Só duas estão ocupadas com o ginásio onde em 72 m² e aproveitando cada centímetro da zona exterior – sobretudo quando não há automóveis estacionados de forma abusiva – que cerca de uma centena de pessoas faz regularmente treino acompanhado, mais de três dezenas delas com mais de 70 anos.

Regressado a Coimbra depois de uma temporada na Academia do Sporting, foi quando Bruno Simões concluiu o curso na Faculdade de Ciências do Desporto e Educação Física, na Universidade de Coimbra, que aterrou no bairro para estagiar precisamente na loja um, quando ainda era um spa. Lembra-se que, afastado da carreira futebolística, ponderou ser professor de Educação Física. Era 2014 e, segundo ele, «havia professores a mais e muitos no desemprego; agora, pelo que parece, há professores a menos e turmas de 30 alunos sem professores; mas a vida, felizmente, encaminhou-me para este lugar.»

Cheio de vergonha mas «a achar que sabia tudo e não sabia nada», gostou da experiência e quando a antiga arrendatária quis sair, resolveu assumir o espaço e começar a dar treino acompanhado à primeira meia dúzia de alunos. Eliane Vilas Boas, 53 anos, foi uma delas. «Era só esta salinha», lembra. «Apesar de gostar de treinar, se não tiver uma muletazinha é complicado e o que o Bruno tem de bom é que nos lembra sempre ao Domingo que temos de marcar treinos. É bom porque ajuda a manter a ligação. Depois é muito familiar o ambiente, eu trago uma pessoa, aquela pessoas traz mais duas, é mais divertido e mais intimista e além disso nunca repetimos o treino, nunca sabemos o que vamos fazer.»

Perguntámos se o corpo sentiu muito a diferença. «Treino com miúdas de 20 e poucos e não faço má figura, acho que isso diz tudo», responde. A cadela Kika acompanha-a na corrida. «Estes rapazes dão-me uma malha danada, mas sinto-me bem», atira Fernando. «O carro já é velho, se ficar parado enferruja tudo», continua o reformado que este ano completa 80 anos, 30 deles passados no Brasil onde trabalhou como vendedor e correu o país de lés a lés. «Lá era capaz de ficar até sem roupa no caminho para casa; fui tantas vezes assaltado que tive de me vir embora.» Lembra-se como se fosse ontem da vez em que lhe apontaram uma arma à saída da padaria. Já voltou há 31 anos à cidade onde nasceu e que diz que «não tem nada a ver». O filho é amigo de Bruno Simões e levou-o para o ginásio. «Preciso de ocupar o meu tempo, estou reformado e não sou homem de ir para o boteco e muito menos ficar sentado no sofá.»

Fernando treina no Focus duas vezes por semana, todas as semanas. Desde a abertura do ginásio e sobretudo depois da pandemia de covid-19, os clientes foram-se multiplicando e os perfis mudando. «Passaram a ser clientes com mais cuidado sobre aquilo que é a sua saúde, mais sentido de prevenção e de olhar para o futuro de uma outra forma, a tentar chegar o mais além possível de forma confortável.» Bruno Simões explica que «a solidão será o maior, mas há outros problemas que a actividade física pode reduzir como a obesidade, o peso a mais, a hipertensão, diabetes, colesterol». O treinador pessoal assegura que num ou dois meses de actividade física programada e adaptada àquilo que cada um pode e deve fazer é possível obter «resultados fabulosos, aquilo que é uma qualidade de vida de todos aqueles que quisessem que estivessem interessados». Não há nada como falar com eles para comprovar, concordamos.

Isabel Rodrigues, 61 anos, frequenta o Focus desde que se mudou para o bairro, há quatro. «Uma pessoa já sabe que salta da cama e vai. Eles são cuidadosos, há pessoas aqui que têm muita idade e tratam de igual os que têm muito treino e os que têm mais dificuldade», conta. Actualmente de baixa médica, confessa que há dias nos quais sente que tem de contrariar alguma desmotivação, mas consegue porque sabe que depois deixa de sentir «aquele cansaço». «Sinto-me mais leve, mas não é em peso, é a minha mente que fica mais leve.» Isabel lança elogios rasgados ao bairro onde diz que se consegue fazer tudo e se nota que há longevidade, denuncia apenas falta de higiene nas ruas, sobretudo dejetos de animais domésticos deixados nos passeios, e muitos automóveis «estacionados em qualquer lado».

Bruno Simões não tem dúvidas de que a localização discreta do ginásio entre os prédios é uma vantagem. «Traz pessoas muito mais tímidas, com a auto estima mais em baixo», aponta, garantindo que não faz qualquer comunicação dos seus serviços, nem nas redes sociais. O crescimento é orgânico e deve-se ao velhinho passa-palavra. Os alunos têm idades entre os 12 e os 80 anos e o treinador sublinha que a pandemia ajudou a transformar mentalidades. Desde o conhecimento do próprio corpo através de exercícios de contração isométrica até à utilização de carga externa com recurso a halteres, cintos e máquinas «há pessoas em que a evolução é exponencial». «Tive um rapaz com 115 quilos, que até vomitou nos primeiros dias e [que] eu pensei que nunca mais ia voltar, mas ficou aqui cinco ou seis anos. Saiu porque se mudou para Lisboa, mas já tinha 80 quilos.»

Além dos treinos acompanhados, individualmente ou em grupo, o forte do Focus é, claramente, o convívio e a construção de comunidade. «Tem sido muito benéfico receber tanta gente e aquilo que cada pessoa dá ao espaço. Há pessoas com histórias mesmo enriquecedoras, os mais idosos personificam mesmo o que é uma vida longa e saudável», conta Bruno que hoje em dia já se faz acompanhar por seis colegas: Carlos Ramos, Bruno Micael, Renato França, Hugo Gonçalves, José Rodrigues, André Vilas Boas, além de uma nutricionista e dois fisioterapeutas.

Inês Marques, 31 anos, garante que a partir do momento que começou a treinar em grupo começou a criar laços além dos que já tinha com os treinadores. É de Cernache e aproveita o facto de trabalhar no centro da cidade de Coimbra para frequentar o ginásio, mas conta que é fácil perceber que «quem mora aqui, sobretudo idosos, acaba por vir dar um olá e estar um bocadinho na conversa, o que os ajuda». 

Se há 10 anos lhe contassem, Bruno não acreditava que estaria onde está e a fazer o que faz. O sonho do futebol profissional ficou para trás, mas «tive colegas que acabaram o curso e mandaram-se para Lisboa, para o Porto, à procura de melhores oportunidades, de empregos fabulosos, de ordenados fabulosos e alguns deles já voltaram. Eu, felizmente, fui reconhecendo ao longo do tempo esta qualidade, este sossego, esta curta distância, esta vizinhança…é muito bom passar aqui os meus dias, acho que não troco isto por nada». Mesmo assinalando que Coimbra «é dedicada a muitas coisas na teoria e na prática depois, por um motivo ou por outro, coisas não acontecem» e que, «fazendo uma salvaguarda à Coolectiva, em geral a cidade é pouco amada.»

Eliane Vilas Boas confirma aquilo que Bruno nos faz perceber. «Até para o bairro [o ginásio] é bom». E acrescenta: «É uma pena aquelas casas ao lado vazias, não faz sentido nenhum.» As casas vazias há anos são as lojas número três, quatro e cinco. A três pertence à Segurança Social do Norte – Património Imobiliário e já foi pronto-a-vestir e balcão da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais. A quatro e cinco pertenceram a uma associação e estão actualmente sob responsabilidade do Centro de Saúde Norton de Matos. Questionadas via email sobre que destino pensam dar aos espaços, as entidades não responderam pela Coimbra Coolectiva até à data de publicação desta história.

«Até para o bairro [o ginásio] é bom». E acrescenta: «É uma pena aquelas casas ao lado vazias, não faz sentido nenhum.»

Eliane Vilas Boas, atleta

Bruno também já tentou abordar os responsáveis no sentido de revitalizar as lojas, e também alguns dos seus alunos, mas sem sucesso. O treinador gostava de arrendar a loja número três para prolongar o ginásio e dar resposta à procura, e propôs ao centro de saúde conciliar actividade. «De acordo com o projeto que apresentei seria a intenção de promover em sintonia com eles algo de lá para cá, porque tenho a certeza de que todas as manhãs estão lá dez pessoas que não precisavam de lá estar; estavam aqui uma hora e libertavam tudo o que têm para libertar», diz Simões.

«Não pode faltar muitos mais tempo para alguns profissionais de desporto, de actividade física, estarem muito mais presentes naquilo que é o centro de saúde, naquilo que são os hospitais. Nós teremos de fazer parte daquilo que é a solução dentro do centro de saúde e na área hospitalar porque é demasiado evidente, os dados são óbvios, factuais do bem que a atividade física traduz e temos aqui esta oportunidade que me custa muito, esta inércia, estar parado, propondo soluções e estando disposto a ouvir quem está do lado de lá. Seria uma simbiose para achar aqui uma coisa que fosse benéfica para todos, acho que temos muito mais a ganhar do que a perder.»

Crítico também relativamente aos apoios à actividade desportiva em Coimbra, Bruno Simões sugere que seja implementada a «dualidade de desporto universitário e formação académica». «Nos Estados Unidos da América é muito expressiva a presença do desporto. Tem de ser, faz as pessoas melhores desportistas e melhores alunos, uma coisa tem que estar ligada à outra, mas sobretudo [aqui] é a falta de condições», diz, enquanto lá vão alguns alunos correr à volta das casinhas. «Nas traseiras, a correr à volta, naquelas escadas, tudo o que é banco, tudo, onde passam carros…nós arranjamos forma de acontecer.»

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