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O caos na cidade que afinal não aconteceu foi pessimismo ou desinformação?

Não há notícias falsas, se forem falsas não são notícias. Simples, não é? Menos simples é escapar dos engodos e não sentir derrotismo perante os desafios, mas há soluções.

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Fotografia: Mário Canelas

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Na contagem decrescente para os concertos dos Coldplay no Estádio Municipal de Coimbra, já era de se esperar um mediatismo em demasia. Mas a exorbitância resultou mesmo em caos digital, com muitos relatos sobre questões de logística a afirmar que arruamentos, estabelecimentos escolares ou negócios de restauração estariam impedidos durante os dias dos concertos da conhecida banda britânica para 200 mil espectadores. Perante as dúvidas suscitadas pela miríade de relatos contraditórios e controversos, o Município de Coimbra apostou numa investida esclarecedora nas redes sociais para extinguir a desinformação.

Trata-se de um fenómeno que não é inédito a nível local ou sequer nacional, mas que tem crescido a olhos vistos com o advento de plataformas como o Facebook ou o Instagram. O diz-que-disse nocivo que anteriormente não passava além das mesas de café hoje em dia propaga-se a uma velocidade alarmante nesses canais de divulgação. Inês Amaral, professora no Departamento de Filosofia, Comunicação e Informação (DFCI) da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) refere inclusive que nos últimos anos episódios de relatos falsos originaram alarmes sociais ludibriosamente.

«A seguir ao primeiro confinamento de 2020, foram divulgados nas redes sociais várias situações de ataques a raparigas atrás das Matemáticas, o que depois se verificou que de facto era um boato maximizado pelas redes sociais», recordou-nos a docente, acrescentando que o seu próprio equívoco pessoal ocorreu dada «a quantidade de partilhas e com os alertas que recebi de alunas minhas preocupadas», bem como a natureza de episódios semelhantes que surgem numa cidade de estudantes como Coimbra.

Habilidade contra qualidade

Este crescimento das redes sociais enquanto megafones que sabotam ou negam o cerne informativo dos meios de comunicação oficiais alia-se ao desinteresse dos portugueses nas notícias propriamente ditas. Uma queda de interesse transversal a todas as camadas sociais, confirmada por estudos da Reuters Digital News Report. Entre 2021 e 2022, o interesse por notícias em Portugal diminuiu 17,5%», enquanto a proporção dos que dizem não ter interesse em notícias mais que duplicou, passando de 5% para 10,5%.

São números que se coadunam com os dados relativos à Península Ibérica apresentados pela IBERIFIER, um observatório de media digitais em Portugal e Espanha cujo objectivo é o combate à desinformação, que relatam que 87% dos inquiridos contacta com notícias através das redes sociais, 37% depara-se com desinformação várias vezes por dia e 97% detetou desinformação no último mês. Infelizmente não há dados específicos relativos à cidade de Coimbra, mas a dimensão da desinformação revela-se enquanto fenómeno transversal a todo o país, com eventuais epicentros locais espoletados por eventos sociais ou anúncios políticos.

Sérgio Soares da Agência Lusa crê que não há na comunicação social de Coimbra casos evidentes daquilo que é a desinformação. «Há evidentemente aquilo que eu poderia chamar de informação habilidosa», adianta o editor regional do Centro, explicando-nos que essa «não deve ser considerada desinformação, porque a informação é verdadeira, está sustentada em fontes e tem conteúdo para lá daquilo que é a mensagem que passa, mas tem o ângulo interpretativo muito conotado com aquilo que é a bagagem do jornalista ou do órgão de comunicação para o qual trabalha.»

O editor da Lusa não nega inteiramente a desinformação que as redes sociais proliferam, afirmando que «aí é que está a grande pandemia informativa que nós vivemos, pois não há nenhum controlo ou filtro e quem produz aquela mensagem não é jornalista, não estando assim adstrito àquelas que são as regras do bom jornalismo: ponderar o que estamos a escrever, procurar a verdade, respeitar o dever do contraditório e cruzar o máximo de fontes possíveis para promover na notícia o conteúdo que pode ser útil aos leitores, ouvintes ou telespectadores.»

«O leitor pode:

1. reflectir sobre aquilo que está a ler;

2. evitar partilhar se não conhecer aquela fonte;

3. procurar a mesma informação se lhe interessar em órgãos de comunicação social registados, pois essa é a informação que em principio será verdadeira.»

Sérgio Soares, editor Agência Lusa

O editor defende que o mais importante é defender a importância das redes sociais para a partilha da informação verdadeira, uma educação para os media que «tem de começar nas escolas primárias de uma forma perfeitamente assertiva, à semelhança do que as crianças aprendem português ou matemática. As crianças de hoje estão com um nível de alfabetização e com uma capacidade de acesso a novas tecnologias muito precoce e têm de estar efectivamente preparadas. Não lhes podemos retirar a tecnologia, temos é de lhes oferecer as ferramentas para que eles se consigam proteger daquilo que é a desinformação.»

Um ímpeto de pureza nas notícias que a Lusa faz por deter, mas que a maioria dos órgãos de comunicação social raramente partilha, por motivos de índole financeira ou por pressões do consumo imediato. Já a Rádio Universidade de Coimbra (RUC) procura ser exemplar, apesar das suas condicionantes económicas e profissionais. João Dias, um dos actuais coordenadores do Departamento de Informação na RUC, confidencia: «Tentamos fazer o jornalismo de qualidade que nos é possível, dentro do nosso amadorismo e da nossa pequenez a nível de redacção, mas com todos os cuidados do jornalismo profissional.»

As notícias da RUC cingem-se assim às fontes, procurando o contraditório e descurando o imediatismo que muitas vezes leva ao contágio de informações incorrectas nas redes sociais. Isabel Simões, colaboradora há muitos anos na RUC, afirma: «Como entrei numa fase em que as redes sociais ainda não tinham esta abrangência, fui ensinada a que rede social não é fonte, a menos que seja de um órgão de comunicação certificado ou que, por depoimentos ou testemunhos, se confirme a veracidade do que é lá publicado. Como somos rádio, precisamos sempre de som e de ouvir as diferentes vozes.»

Perdido na tradução

Hoje em dia falamos de notícias falsas (também conhecidas pelo termo em inglês: fake news), mas o termo revela-se tão erróneo como o conteúdo que representa. Apesar da sua popularidade linguística, trata-se de um oximoro usado enquanto carimbo para repudiar uma notícia com a qual não se concorda a nível pessoal. Mesmo desinformação revela-se enquanto sintagma igualmente limitado, pois apenas aborda certa parte da problemática. De acordo com Clara Almeida Santos do DFIC, o vocábulo mais abrangente acaba por ser desordem informativa.  

«Utilizamos o termo desinformação para tipos de fenómenos muito diferentes, enquanto que o grande chapéu das desordens informativas já recobre tudo, pois tem em conta os dois eixos em que se assenta esta problemática: o da verdade/falsidade e o da boa-intenção/má-intenção». A professora concorda que se deve desenvolver o léxico, porque ser algo limitado em termos académicos: «nós em português só temos o termo dis-information, que traduzimos como desinformação mas que corresponde em concreto apenas a um tipo de desordem informativa.»

Apontando-nos exemplos internacionais (como o do estudo entretanto desmentido sobre a vacina VASPR que levou à criação do movimento anti-vacinas, pois «nunca é tão forte um desmentido como a notícia original ») e mesmo pessoais (como alegadas práticas mal-intencionadas por parte de um órgão de comunicação local que procurou prejudicar a sua posição na equipa reitoral da Universidade de Coimbra entre 2011 a 2018), o estatuto do jornalismo na acepção clássica de intermediário noticioso tem-se vindo a desgastar e urge ser repensado.

«Com as redes sociais, os poderes já não precisam tanto dos jornalistas para passar a informação porque comunicam directamente. O que por vezes dá uma falsa sensação de acesso directo à informação, pois dizemos “li no Facebook, vi no Instagram” e nem sabemos quem é o verdadeiro produtor da notícia», adianta. «Contemporaneamente não faz sentido ver o jornalista como um mero gatekeeper, mas sim como um curador da informação, pois as redes sociais são meros canais de distribuição, não produzem conteúdo. E embora a tecnologia seja neutra, o uso que fazemos dela pode não ser.»

«Os jornalistas precisam de recursos para fazer esse trabalho bem feito e o recurso fundamental é tempo. Quanto aos leitores, também é uma questão de darem-se a si próprias o luxo do tempo, quer para procurar informação melhor, para não se ficarem pelos títulos e os leads e para lerem as coisas até ao fim.»

Clara Almeida Santos, professora Dep. Filosofia, Comunicação e Informação da Universidade de Coimbra

Quem também sublinha esta crise da mediação jornalística é Dina Margato da IBERIFIER: «Se há uns tempos atrás parecia que estávamos a entrar no mundo da internet, agora é como se lá estivéssemos imersos e temos que saber nadar nesta amálgama de conteúdos, onde muitos acabam por copiar o modelo das notícias e depois o jornalismo é o alvo de todos os males. No passado comprava-se o jornal ou a revista mas agora há centenas de meios em simultâneo e, como muitos de nós não estamos suficientemente preparados, é na literacia mediática que está a solução.»

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