Edmilson Spinola saiu da Ilha do Fogo, em Cabo Verde, para fazer uma cirurgia ao coração em Coimbra. Depois do procedimento e ainda em recuperação, foi levado à Pastelaria Vénus por uma parente que dizia que ele devia trabalhar ali enquanto aguardava pelo completo restabelecimento da sua saúde. Edmilson foi contratado, há cinco anos, sem nunca ter feito um pão na vida. Hoje, aos 26 anos, é padeiro e pasteleiro desta que é uma das mais icónicas casas gastronómicas da cidade.
«A minha reabilitação e a Pastelaria Vénus andam juntas. Ano passado tive, um AVC (acidente vascular cerebral) e os médicos do Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra encontraram uma infecção rara no meu coração. Estou a ser tratado, mas preciso ser operado novamente, enquanto isso cuido de pães e bolos, só que agora com movimentos um pouco mais limitados. Recentemente, pude receber a minha mãe aqui em Coimbra, meu patrão Manuel ajudou-me nesta visita. É por todo o acolhimento que sempre tive aqui, que a Vénus já está gravada neste meu coração em recuperação», conta o jovem cabo-verdiano.

Edmilson faz parte de um grupo internacional de trabalhadores que os sócios-proprietários da Vénus sempre fizeram questão de manter no negócio. A boutique de pão, pastelaria e restaurante está na avenida Calouste Gulbenkian, em Celas, desde junho de 1989. Atualmente, são 43 funcionários, dos quais 26 são oriundos de lugares como o Uzbequistão, São Tomé e Príncipe, Brasil, Cabo Verde, Venezuela, Argentina, Guiné Bissau e Moçambique.
«Já tive aqui o SEF (Serviço de Estrangeiros e Fronteiras) a bloquear todas as portas para ver quantos migrantes eu tinha aqui de forma clandestina, achavam que eu fazia negócio com mão de obra de ilegais. Estavam aqui 14 estrangeiros, todos com a documentação em dia. Expliquei-lhes: “Devo isto a qualquer migrante que me peça trabalho, porque um dia alguém me fez isso na Venezuela, onde cheguei com 19 anos a fugir de uma guerra colonial que me queria colocar nas mãos uma arma para matar pessoas”», recorda Manuel Ferreira.
O fundador da Pastelaria Vénus esteve cerca de duas décadas emigrado no país sul-americano. Atualmente, a casa que fundou é gerida em família, com a participação de Isidro Ferreira, David Ferreira e ainda Luís, o filho mais velho de Manuel.
Quando o negócio foi criado, metade dos 54 trabalhadores era de fora de Coimbra. Os proprietários os traziam em três carrinhas que percorriam distâncias de até 100 km num percurso de ida e volta. Manuel Ferreira conta que, com a falta de mão de obra, começaram a aparecer brasileiros e, depois, trabalhadores do continente africano.
«Cheguei a testemunhar gente a dizer que não queriam estrangeiros nos seus comércios porque eles não sabiam falar o nosso português. Também já assisti a uma cliente brasileira que não quis ser atendida por uma empregada brasileira. Há pessoas que acham que os migrantes vêm para ocupar os nossos lugares. Ninguém vem tirar o lugar a ninguém. Cada um faz o seu lugar, o seu vencimento e a sua história. Vivi anos de muito trabalho na Venezuela. Fui da construção civil, trabalhei em armazéns. Hoje recordo, com imenso carinho, toda a consideração que aquele país teve comigo. Os domingos fazem-me lembrar a praça La Candelaria, em Caracas, onde os portugueses se reuniam. Nos meses de Junho, o governo dava-nos uma licença especial de importação para a sardinha e era quando comíamos a saudade!».

Naduquinalar Malú é da Guiné Bissau, nasceu em Bambadinca, na região de Bafatá, onde vivem seus dois filhos e a esposa. Está em Coimbra há oito meses, veio para fazer o Mestrado em Análise de Dados e Sistemas de Apoio à Decisão, mas precisou adiar os estudos enquanto reúne condições financeiras para as propinas.
Malú segue os mesmos passos de um primo que trabalhou na Vénus durante toda a licenciatura em Medicina e hoje é médico em Castelo Branco. «Ele é o meu maior incentivador. Foi através dele que decidi emigrar para estudar e, aqui na pastelaria, encontrei um universo de diferentes nacionalidades que, na minha opinião, só enriquece o grupo. O clima que se vive é de aprendizado cultural constante, vamos nos apropriando dos mundos uns dos outros, aprendo aqui sobre a terra de um colega por tudo o que ele me conta. É a família Vénus, que eu considero como a minha própria», conta Malú.

Foi no Ministério de Economia e Finanças, em Maputo, que Jamila Júnior trabalhou por dez anos. Era Técnica de Planificação, cuidava da área de tributação, das fugas ao fisco, no setor aduaneiro. Esta moçambicana de 32 anos, nascida em Xai-Xai, trabalha na pastelaria há oito meses, depois de uma má experiência noutro estabelecimento da restauração em Coimbra.
«O ambiente não era nada saudável e a minha nacionalidade era motivo de piadas. Saí de lá e vim para a Vénus, por indicação da minha sogra. Comecei aqui na época do Natal, quando tudo é muito movimentado por aqui. Tive que ambientar-me e hoje estou mais à vontade. Já perguntaram à minha colega do Caixa se a ideia do nosso patrão é contratar toda a África para a Vénus! Infelizmente o racismo teima em existir através de pessoas infelizes com elas próprias.»

Rissóis, croquetes, coxinhas de galinha, pastéis de bacalhau e empadas estão sob a responsabilidade da venezuelana Maria Lugo, que comanda o mundo maravilhoso dos salgados. Tem 34 anos, nasceu em Guacara, no estado de Carabobo, e hoje vive em Coimbra com o marido e o filho, trabalha na Vénus desde 2020. Ressalta ser um alento ter patrões que também emigraram e aproveita a entrevista para enviar um recado aos pais: «Fiquem tranquilos que eu estou bem aqui, para a felicidade ser plena só me falta abraçar-vos, espero que seja para breve».
Quem também tem os pais longe, mais especificamente na cidade de Eldorado, na província de Misiones, na Argentina, é Andrea Silvero. Está há um ano na pastelaria. Casada e mãe de um casal adolescente, conta que a família se preparou por dois anos para viver em Portugal. Lembra-se do primeiro dia que entrou na Vénus, para uma entrevista de emprego. Nunca tinha trabalhado no setor e a falta de experiência, que a preocupava, não foi impeditivo para conseguir a vaga. É a única argentina na equipa.

O gerente Luís, filho mais velho de Manuel Ferreira, explica que no restaurante da Vénus, que serve almoços de domingo a domingo, o cardápio é uma espécie de sumo concentrado da multiculturalidade. Na cozinha, opera um quarteto bem diverso: a portuguesa Joana Brás, a cabo-verdiana Vany Sanches, a são-tomense Wandla de Boa Esperança e a brasileira Ketlen Santos. «O pan de jamon, o brigadeiro e a farofa são exemplos de produtos que este convívio internacional está a introduzir no nosso cardápio», adianta Luís. «Sobre a questão dos trabalhadores de outras culturas, vou seguir os passos do meu pai.»
Ketlen Santos, de Foz do Iguaçú, bem no sul do Brasil, é técnica de alimentos e trabalha há um ano na Vénus. Diz que a comida do estabelecimento «é um passeio de nacionalidades». «Os pratos que preparamos lá dentro se parecem com a Língua Portuguesa, cada uma de nós fala com um sotaque diferente e no final tudo fica com sabor de entendimento.»