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Lei n.º 93/2017

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Espécie Rara Sobre Rodas

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Guia Prático: Os Direitos das Pessoas com Deficiência em Portugal

Por que é que Catarina Oliveira prefere almoçar no shopping

Conversámos com aquela que já é uma referência nacional para quem se desloca em cadeira de rodas e também para quem não tem qualquer deficiência, Uma Espécie Rara seguida por 40 mil pessoas no Instagram.

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Fotografia: Cedidas por Catarina Oliveira e de Francisco Oliveira

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«Coimbra não é uma cidade nada fácil», atira Catarina Oliveira. Está no Porto e conversamos por videochamada a propósito da página Espécie Rara Sobre Rodas no Instagram, que já é uma referência para milhares de pessoas, com e sem deficiência, em Portugal. Nutricionista de profissão, entre o trabalho e o lazer Catarina dedica-se ao ativismo e promoção de produtos para pessoas com deficiência.

Insistimos e perguntamos por que é que acha que Coimbra não é uma cidade fácil e Catarina responde que quando cá vem almoça sempre num shopping. «Nem procuro coisas porque já sei que é uma cidade complicada, a nível de topografia e das próprias acessibilidades.» Complicada para quem, como ela, se desloca-se numa cadeira de rodas e os centros comerciais oferecem um conforto e segurança que as ruas não têm, a começar pelo estacionamento do carro – quando não está ocupado indevidamente por alguém sem deficiência – e a terminar na utilização do wc.

Falar em acessibilidades é falar de algo que é para todos e não apenas para pessoas com mobilidade condicionada. «Ninguém está a dizer que vamos transformar cidades como Coimbra ou o Porto em cidades planas, isso não vai acontecer», clarifica Catarina, «mas podemos intervir a nível de passeios, torná-los confortáveis para pessoas com carrinhos de bebé, cadeiras de rodas, muletas, até tacão alto.»

Faixas de pedra lisa, passadeiras a cota zero ou sobrelevadas e sem obstáculos são outros exemplos que a influenciadora enumera, ao mesmo tempo que admite que se irrita quando, em pleno século XXI, se executam obras públicas «com rampas que são impossíveis [para pessoas com deficiência] subirem e descerem sozinhas.»

O lado bom das redes sociais

«Eu não volto a andar mas a minha deficiência também não me impede de fazer nada.» São frases como esta que nos prendem a uma conversa de cerca de uma hora com Catarina Oliveira, 33 anos, paraplégica desde os 27 devido a uma inflamação repentina na medula. A portuense conta que a verdade é que aceitou bem a nova condição física – «só mudou a minha perspectiva do mundo, agora estou mais ao nível dos rabos» -, o que não aceitou bem foi a forma como o mundo reagiu a ela – e não conseguiu ficar calada sobre isso. «Foi um murro na cara. De repente sento-me numa cadeira de rodas e muda a forma como as pessoas reagem comigo.»

A página no Instagram costumava ser em nome próprio. Começou por contar histórias como a do senhor que um dia, quando estava no shoppping, começou a empurrá-la sem lhe dizer nada. «Contava que as pessoas começavam a falar comigo com diminutivos, contava que as pessoas me perguntavam na rua se ia voltar a andar, mas sempre com algum humor porque é a forma como levo as coisas. Porque a mim parece-me tão ridículo que se não me rio começo a perder a esperança na humanidade.»

«Eu comecei a dizer que me sentia uma espécie rara, porque entrava num bar e ficava toda a gente a olhar, vinham-me dar os parabéns porque estava a dançar numa discoteca», conta, e daí veio o novo nome. Catarina sente que a mudança e determinados conteúdos chamaram à conversa e ao diálogo pessoas sem deficiência e sem qualquer ligação ao assunto, mas com interesse. «Pessoas que nem sabiam que estavam a fazer coisas erradas», explica.

Na sua página vemos vídeos onde mostra lugares inacessíveis e sítios que foram adaptados, tornando-se acessíveis a todos. Vemos a autora a falar sobre a logística de pessoas que se deslocam em cadeira de rodas nos transportes públicos, num avião, a promover produtos de apoio, rábulas de situações desagradáveis mas muito comuns que acontecem às pessoas com deficiência, idas ao supermercado de forma autónoma ou simplesmente a sair à noite com as amigas. Uma rubrica mais recente, chamada Oito desculpas para a exclusão da pessoa com deficiência, é baseada nas opiniões dos próprios seguidores.

Segundo Catarina Oliveira, as 40 mil pessoas que a seguem no Instagram são maioritariamente mulheres sem qualquer deficiência e a faixa etária está entre os 25 e os 40 anos. Também faz pontualmente experiências no Tik Tok, dado o potencial de «viralidade» dos vídeos, e aí o público é mais jovem. Quem escreve comentários, dúvidas ou mesmo críticas recebe sempre resposta.

Geralmente quando pensamos em ativismo não pensamos na defesa dos direitos das pessoas com deficiência e Catarina confessa que não foi ela que se auto-intitulou, mas que «todos devíamos ser mais ativistas e, às vezes, até somos sem sabermos (…) Nunca me vi como aquela activista que estava nas ruas a reivindicar, embora já o tenha feito também, mas comecei sem querer a fazer um trabalho nas redes sociais, de partilhar o meu dia-a-dia, e a perceber que isso tinha um impacto».

A influenciadora defende que, hoje em dia, o papel das redes sociais «hipervaloriza-se para umas coisas e desvaloriza-se para outras» mas «é uma porta para o mundo e um espaço onde podemos falar de assuntos que não são considerados na nossa sociedade e a pessoa com deficiência ainda é um não-assunto para muita gente ou é um assunto que preferem transformar em não-assunto. Há coisas muito desconfortáveis que eu coloco ali e ver que há receptividade de quem me segue sabendo que está ali para se desconstruir, com a receptividade de se olhar ao espelho e ver os seus próprios preconceitos e não necessariamente concordar comigo mas refletir sobre alguma coisa que de outra forma não reflectia.»

Estudar e partilhar mais sobre o tema da deficiência e do capacitismo 

Da infantilização – as pessoas passarem a falarem com ela como se fosse uma criança – até à associação a uma deficiência cognitiva passando pela imposição, Catarina Oliveira explica que o pior de estar sentada numa cadeira de rodas é mesmo «toda a gente assumir que sabe o que é que eu quero para a minha vida, o que é que eu quero para o meu dia-a-dia ou qual é a melhor forma de lidar comigo. Muitas pessoas com quem eu interajo no meu dia-a-dia assumem que eu preciso sempre de ajuda».

Empurrarem a cadeira sem perguntarem é habitual, por isso a autora defende que defesa da autonomia e autodeterminação das pessoas na sua condição é essencial. É preciso que a sociedade entenda que usar cadeira de rodas não significa necessariamente precisar de ajuda. E as palavras também são importantes. Catarina não desgosta do termo diversidade funcional – «porque efetivamente nós somos diversos» -, o que não quer dizer que não concorde com o uso a palavra deficiência. Ter medo de usar a palavra pode aumentar o estigma, apesar de não ser confortável ser chamada de deficiente.

«Há muito desconhecimento, há muito pouca informação sobre o capacitismo, sobre a deficiência e é grave», atira, explicando que há vários movimentos a nível de linguagem e o termo mais unânime é pessoa com deficiência e mesmo assim têm tendência para dizer baixinho. «Tenho uma deficiência mas tudo à minha volta também potencia a minha deficiência», remata, exemplificando que já se fala em mobilidade condicionada em vez de mobilidade reduzida.

O tom de ameaça também é perigoso, lembra. «Tens de estar alerta para isto porque um dia pode acontecer-te a ti. E pode, à medida que vamos envelhecendo vamos ficando com a nossa mobilidade cada vez mais condicionada, mas não temos de ameaçar as pessoas para que elas se interessem. Temos de pensar porque é um assunto da sociedade. Já são muitos anos a ouvir falar da deficiência quando há uma campanha sobre uma piscina ou sobre os acidentes rodoviários».

Saber é poder – Decreto-Lei n.º 163/2006

«A promoção da acessibilidade constitui um elemento fundamental na qualidade de vida das pessoas, sendo um meio imprescindível para o exercício dos direitos que são conferidos a qualquer membro de uma sociedade democrática, contribuindo decisivamente para um maior reforço dos laços sociais, para uma maior participação cívica de todos aqueles que a integram e, consequentemente, para um crescente aprofundamento da solidariedade no Estado social de direito», lê-se no Diário da República Electrónico.

Catarina Oliveira diz que, apesar de completo, o Decreto-Lei das Acessibilidades é antigo e deve ser revisto, como reclama a Associação Salvador. A associação que atua na área da deficiência motora, fundada por Salvador Mendes de Almeida, tetraplégico, em 2003, considera urgente uma atualização que obrigue à fiscalização, com entidades competentes e disponíveis para o efeito, criando condições para um país sem barreiras, que seja acessível a todos, sem exceção.

Dos transportes então nem se fala. «Eu ando de carro porque é a única forma de me deslocar. Nos autocarros ou são motoristas que não abrem a porta, ou é a falta de rampas ou são outros obstáculos que demovem», conclui Catarina. O que é podemos fazer? «Reclamar para haver igualdade total porque todos temos direitos! Não tenham medo de perguntar e reclamar. Informem-se e não fiquem parados. Nunca vamos saber tudo, mas temos de ter abertura para sermos cada vez mais inclusivos! Todos juntos, com e sem deficiência, é que conseguimos mudar alguma coisa de forma positiva.»

De acordo com o Censos 2021 – XVI Recenseamento Geral da População, 110 889 portugueses com 5 anos ou mais não conseguem andar ou subir degraus, 496 246 têm muita dificuldade e 1 413 150 têm alguma dificuldade. Cerca de 600 são crianças dos 5 aos 9 anos. Com a idade de Catarina Oliveira são 1 281.

Francisca Tralhão é estudante do curso de Jornalismo da Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra. Fez esta entrevista e co-redigiu o texto no âmbito do estágio curricular na Coimbra Coolectiva.

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