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Miguel Padilha: “Fazemos boa música em Coimbra, saímos da caixa e isso é importante.”

Quando era pequeno, Miguel Padilha passava muito tempo na casa dos avós na aldeia de Chelo, concelho de Penacova. As férias grandes eram lá. Não havia muita coisa para fazer a não ser o contacto com a Natureza, andar por aqueles montes, fazer cabanas no meio da floresta. Habituou-se muito a estar lá fora – […]

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Quando era pequeno, Miguel Padilha passava muito tempo na casa dos avós na aldeia de Chelo, concelho de Penacova. As férias grandes eram lá. Não havia muita coisa para fazer a não ser o contacto com a Natureza, andar por aqueles montes, fazer cabanas no meio da floresta. Habituou-se muito a estar lá fora – era rua, rua, rua, mas viver sempre viveu em Coimbra. Cresci na Rua da Casa Branca mas mesmo aí, por trás do meu prédio, eram olivais a perder de vista e floresta. Lembra-se da antiga vacaria, onde a mãe ia buscar o leite fresco, que depois passou a ser um terminal de camionagem. Também pensa nos castanheiros enormes que decoravam a também enorme Rua do Brasil. Fantásticos, foram todos cortados. Mas nem tudo desaparecia, dentro dele havia uma semente que já estava plantada.

Padilha tinha uns 10 anos quando lhe ofereceram os primeiros discos de Billy Idol, Bruce Springsteen ou U2. Estudou na Escola Secundária José Falcão e lembra-se que estava no 9º ano quando ouviu pela primeira vez The Cure. Tinha um amigo que era fanático, usava as sapatilhas à Robert Smith, o cabelo todo preto, pintava os lábios. Tinha um clube na casa de um amigo e juntavam-se aí. Tudo pacífico até ao final dos anos 80 quando ouviu pela primeira vez M’as Foice. Lembro-me de os ir ver aos Olivais, à Mostra de Música Moderna de Coimbra, com os Repórter Estrábico e os Rádio Macau, acho eu. Lembro-me perfeitamente de ir no trolley com o pessoal do Bairro e depois lá em cima houve uma cena de pancadaria incrível com os gajos da Solum, de Celas, da Conchada, foi uma coisa surreal. E o primeiro contacto com a cena alternativa e underground da música da cidade.  

A escola continuou na Avelar Brotero. De Celas para a Solum vai um mundo quando falamos de Coimbra. Comecei a conhecer outras pessoas, a ir mais à Praça da República. Ouvia-se The Cramps, Ramones, o núcleo duro. Em 1991, começou a tocar com Pedro Chau, o Pedro Serra e Carlos Mendes. Éramos os Memphis Rebels, ainda antes dos Garbage Catz; demos um concerto no José Falcão e nem sequer tinhamos ensaiado, eu nem sabia as letras, fui-me embora do palco, foi um caos. Miguel só cantava mas gaba a dedicação dos colegas instrumentistas. O Kaló passava horas na garagem do Janeca, meu vizinho – onde curiosamente começaram uma série de pessoas que conhecemos -, tum! tum! tum! era de um gajo ficar maluco da cabeça, mas começou assim. Em 95, Kaló terá começado a ter dificuldades em conciliar bandas. Ele ainda hoje diz que eu o expulsei mas não é verdade. Carlos Ferreira e Miguel Benedito convenceram Miguel e Chau a continuar e o grupo tocou até 2000, com Tó Rui também, o disco que gravaram é que nunca chegou a ver a luz do dia. 

Entretanto, os Tédio Boys tomavam a cidade. Aquele grupo do Moçambique, andávamos todos juntos para todo o lado, iamos aos concertos todos, passávamos de banda para banda, criou-se uma coisa interessante. E a cidade? A cidade teve dificuldade em lidar com isso, por um lado as entidades que acho que têm dificuldade em lidar com tudo o que seja exterior à universidade. Por outro: as pessoas. Lembro-me da primeira vez que entrei de moicana no 5. Sabem aquele burburinho dos autocarros? Pois vim desde São José até à Praça com o autocarro caladinho! E nem era uma coisa nova na cidade, já havia punks nos anos 80. O que não havia era sossego, nessa altura o movimento começou a gerar curiosidade e chegava gente de todo o país para ver o que se passava naquela que ficou conhecida como a capital do rock. A expressão é horrível mas é verdade que conseguimos criar uma dinâmica tão forte que eles sentiram necessidade de vir cá. 

Em 2000, Miguel Padilha foi para o Porto trabalhar. A passagem pelos cursos de Engenharia Electrotécnica, Engenharia Industrial e software autoCAD deram-lhe a oportunidade de passar 3 anos a fazer preparação de obra no aeroporto Sá Carneiro. Foi lá que tive contacto com um mundo musical completamente diferente do meu, comecei a ouvir drum’n’bass. Das festas no Porto Rio ao Hard Club começou a passar música como DJ e até se lembra de uma banda em particular que fez mossa. Fui a Santiago de Compostela para ver o Iggy Pop e a seguir vinham os Asian Dub Foundation, até me lembro de comentar com o Calhau: Quem são estas gajos que têm a coragem de tocar a seguir ao Iggy Pop? E aquilo foi uma bomba. Incrível. Nunca tinha ouvido aquele género de música daquela maneira. No Porto, viveu na Cedofeita e quando tocava em casa abria as portas da varanda e deixava a música sair.  

De volta a Coimbra durante muito tempo não teve vontade de fazer nada na música até começar a ser desafiado por Carlos Dias para dar um pézinho nos Subway Riders e Vaginas Convulsivas. Os Wipeout Beat nasceram em 2015. Vestem-se de camisola às riscas porque, no primeiro concerto, combinaram ir todos à Chau. A música é uma mistela de tanta coisa com uma pitada de nonsense mas Miguel admite que também gosta muito é de estar do lado de cá do palco. As bandas de Coimbra foram desculpa para ir a muito lado, desde a Londres para ver os Parkinsons aos mais variados festivais ver Bunnyranch. Fazemos boa música em Coimbra, saímos da caixa e isso é importante. Se calhar é isso que nos dá um brilhozinho, não nos deixarmos cair no engodo de fazer aquilo que os outros todos andam a fazer, somos muito próprios e isso é fantástico. 

Miguel chegou a viver na Figueira da Foz mas Coimbra é onde prefere estar, por opção. É uma cidade fantástica, não só pela beleza da cidade em si mas pelas pessoas. Foi sempre um bocado descuidada, em termos do alastrar do tecido urbano acho que Coimbra nunca teve um projecto a longo prazo que permitisse resguardar uma série de locais de interesse elevado a vários níveis e foi sempre levada pelos interesses muitas vezes económicos e de poucos, que muitas vezes não coincide com o interesse de todos. Os últimos anos deram-lhe uma nova perspectiva da terra onde, apesar de tudo, acha que hoje em dia tem mais espectáculos, mais coisas a acontecerem e muito público. Temos só um problema grave que é a dificuldade em nos mexermos fora da Praça da República. De resto, a parte sul de Coimbra, por exemplo, tem um anel verde, floresta virgem, incrível – nós não temos noção. Há uma série de sítios que podiam ser aproveitados, estão sempre a dizer que Coimbra é a cidade da saúde e depois não cuidamos do que nos dá mais saúde que é a Natureza.  

Recentemente, a outra paixão de Miguel deu frutos. Criou com a companheira de quase 30 anos a Associação MilVoz e a Bio-Reserva Senhora da Alegria. Já conseguimos um dos terrenos mas queremos que aquilo seja maior, aquela zona é fantástica além de ter uma biodiversidade incrível, encontramos lá todo o tipo de espécies que são nossas e são difíceis de encontrar. Agora tem a banda, a associação, o filhote de 12 anos com que se ocupar e um trabalho na EDP. Sou um grande crítico das multinacionais, às vezes entro em colisão com a minha entidade patronal, mas acho que me vou safando. Se pudesse tinha só a música e a Natureza, é um mix fantástico. Nos tempos livres, nada. Nada de nadar e de não ouvir. Dentro de água temos outro som, ouvimo-nos mais a nós próprios. E na música, less is more. Hoje em dia há uma enorme tendência para enchê-la com ruído, tanto que quando ouves uma coisa simples parece que está vazia porque um gajo está habituado a tudo cheio de coisas. Sonic Life.

© Coimbra Out Loud
Fotografia: João Azevedo
Texto: Filipa Queiroz

 

Artigo actualizado às 08:47 de 5 de Fevereiro, 2020

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