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Pedro Serra: “Em vez de dizer mal da cidade prefiro fazer o que me faz falta”

Tudo começou com uma aparelhagem que o pai lhe comprou quando tinha uns 8 ou 9 anos. Pedro Serra ainda morava no Monte Formoso, na época o bairrinho mais longínquo de Coimbra. Cresci à vontade, jogava futebol na rua. O pai gosta de velharias e com a aparelhagem vinha uma colecção de uns 40 ou 30 […]

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Tudo começou com uma aparelhagem que o pai lhe comprou quando tinha uns 8 ou 9 anos. Pedro Serra ainda morava no Monte Formoso, na época o bairrinho mais longínquo de Coimbra. Cresci à vontade, jogava futebol na rua. O pai gosta de velharias e com a aparelhagem vinha uma colecção de uns 40 ou 30 discos, inclusive do Elvis Presley e colectâneas de hits dos anos 50. Uma paixão à primeira escuta que se transformou em amor para a vida toda.

Na adolescência ainda curtiu Stray Cats, The Cramps, Dead Kennedys, essas coisas todas que passavam na States e nesses programas que existiam na altura de sons do rock, mas o tal rock’n’roll, rockabilly, country, era o que lhe dava arrepios na espinha. Começou a descobrir que o que ouvia eram versões, e que essas versões eram versões de outras versões. Gosto muito de ir atrás das raízes da música. Da música, dos músicos e da estética e lifestyle do mid-century, com ele diz.

Em 10 segundos, Pedro atira 5 ou 6 referências, idades e respectivos discos e editoras, sem pestanejar. Porque é incrível como na altura tinham carreiras tão rápidas, alguns morreram muito cedo mas já com um historial inacreditável. Uma altura em que, pensemos, não havia Internet, não havia referências além das que (com sorte) chegavam em discos ou se ouviam nas jukeboxes. Eu próprio, quando tinha 17 anos, comprava discos às cegas por catálogo, que não era mais do que umas folhas A4, mal impressas, que vinham no correio e demoravam uma semana a chegar. O cinema e a televisão contribuíram para o fascínio. É mais bonito ver um filme dos anos 40 ou 50 que um dos anos 70, 80, 90 ou 2000. Mas a vida de Pedro Serra deu voltas.

Começou a tirar Engenharia Civil, na Universidade de Coimbra, mas interrompeu por causa da música, sobretudo os Ruby Ann & The Bopping Boozers, com quem fez digressões pela Europa e Estados Unidos. Chegaram a fazer parte do mesmo cartaz que gigantes como Jerry Lee Lewis, Ike Turner e os Comets, mas depois disso a banda seguiu rumos diferentes. O músico foi o único a ficar em Coimbra. Gosto mesmo desta cidade, acho que é uma junção do clima com a qualidade de vida e, trabalhando, consigo levar a vida satisfeito. Acabou o curso e foi nisso que trabalhou, mais tempo do que aquele que estão a imaginar. Fui engenheiro civil durante 14 anos, cheguei a ter 70 pessoas a trabalhar numa obra. O problema é que podem tirar o homem da música, mas não podem tirar a música do homem.

Faz o programa Portuguese Pedro na Rádio Universitária de Coimbra, há 15 anos, e diz que é o único português do Rockabilly Radio. Entretanto conheceu a actual companheira e mãe dos filhos. Um dia mostrou umas gravações caseiras a um amigo, ele desafiou-o a gravá-las e foi Katja que o convenceu. Se me dissessem há 10 anos que ia estar a cantar e tocar guitarra ao mesmo tempo eu dizia: Na, impossível. Mas o nome do programa transformou-se em nome artístico e até numa marca de cerveja artesanal, outra paixão, para além do negócio que agarrou há 4 anos. Frequentei o Académico durante 25 anos e sempre disse ao senhor António: um dia fico com isto tudo. E ficou com o café ao lado do Tropical, na movimentada Praça da República. O que acontece mais na nossa cidade é a tal rivalidade, adquiri um espaço que era rival do do lado há 30 anos, sempre a falar no inimigo, mas eu tento colaborar com o que está à minha volta para que as coisas resultem bem.

No Académico bebe-se cerveja, comem-se hambúrgueres e só se ouve rock’n’roll. Os donos estão sempre vestidos ao estilo anos 40 e 50, dentro e fora de portas. Sem a Katja não existiria Portuguese Pedro, nem a forte gerência no Académico, ela é a força que está, não por trás, mas sempre comigo, a levar tudo para a frente. E há mais um incrível projecto na calha para a Baixa de Coimbra. Em vez de dizer mal da cidade prefiro fazer o que me faz falta, e gosto de estar activo, acho que é fundamental, apesar de ter noção de que a maior parte do pessoal pensa que eu passo a vida a beber cerveja ao balcão do café. O pai é o cliente mais assíduo.

Quando era miúdo era uma miragem absoluta ter uma colecção de discos, uma jukebox, um carro clássico de 1951, era só nos filmes; mas a vida foi passando, o trabalho foi feito e foram-se cumprindo sonhos. Falta a grande viagem pelo sul dos Estados Unidos, Texas, Memphis (Tennessee), New Orleans, Hollywood. São terras míticas para mim, parece que já lá vivi sem nunca lá ter passado. Entretanto gira o disco e toca o mesmo, de preferência música sobre momentos na vida, a festa, a cerveja, porque é mais fascinante do que sobre a desgraça do amor perdido. É que Pedro é vintage mas não é retro nem nostálgico, e gosta de levar a vida com mais humor. Aliás, foi de uma brincadeira do mestre radialista José Braga sobre o músico Portuguese Joe que veio o nome. E se tivesse de escolher uma banda sonora para Coimbra seria dele, a Teenage Riot. Porque é um caos quando começa, por exemplo, a Queima das Fitas, diz o homem para quem as desvantagens têm sido as maiores oportunidades. Move it on over, rock it on over, como diria o favorito, Hank Williams. It’s all in the lyrics.

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© Coimbra Out Loud
Fotografia: João Azevedo
Texto: Filipa Queiroz

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