Contribuir small-arrow
Voltar à home
Saibam mais

Serve The City

Apoiem

Serve The City

Voluntariem-se

Serve The City

Serve the City: participámos no jantar da rede de afetos que se quer estabelecer na cidade

Depois de uma interrupção devido à pandemia, a rede de voluntariado internacional voltou a organizar jantares comunitários em Coimbra e só precisa de mais apoios para consolidar a atividade.

Partilha

Fotografia: Mário Canelas

Saibam mais

Serve The City

Apoiem

Serve The City

Voluntariem-se

Serve The City

A melhor refeição é aquela partilhada numa mesa rodeada de pessoas, entre risos e desabafos. Trocam-se olhares, palavras, e o peso acumulado ao longo do dia vai sendo substituído pela leviandade do convívio e pelo deleite de um estômago e coração saciados. Assim se cria casa e familiaridade, com todos os sentidos satisfeitos: paladar, olfato, tato, audição e visão. «Toda a gente precisa de comida, mas a fome que estamos a tentar matar aqui é a fome de afetos», afirma Samuel Schwartz, diretor financeiro da Serve the City, rede de voluntariado internacional que organiza jantares comunitários em Coimbra, Lisboa e Porto.

São 19h30, mas os portões da Escola Secundária Jaime Cortesão estão abertos.  Somos recebidas com um abraço. Pessoas reúnem-se em cadeiras dispostas no pátio, serve-se chá de erva-príncipe e discute-se sobre o que será a ementa. Sentamo-nos ao lado de Duarte, esguio, corpo longo, com um ar simultaneamente ágil e frágil, boina de retalhos, e um papel onde se lê «convite» pendurado entre os dedos.

Duarte conta-nos que foi ator e bailarino (o corpo não engana). Passou por várias companhias de bailado e teatro: Companhia Paulo Ribeiro, em Portugal, Compagnia di Giorgio Barberio Corsetti, em Roma, Compagnie Josef Nadj, em Paris. Foi também porteiro em bares como o Frágil, em Lisboa, nos idos 80 e 90. Agora está reformado. «Moro em Celas e estou aposentado, mas tenho uma reforma pequena, recebo 438€ e fui agora aumentado para 480. Depois pago a renda, que são 260€.» Mantém-se ocupado, tira fotografias e faz vídeos que partilha nas redes sociais.

Apesar de ser a primeira vez que Duarte participa no jantar organizado pela Serve the City, eles já acontecem em Coimbra desde 2018. A rede de voluntariado internacional, presente em mais de 80 cidades em todo o mundo, começou em Bruxelas, em 2005, a pedido de empresas que queriam financiar e envolver os seus trabalhadores em ações de apoio a populações em situação de vulnerabilidade.

A maior parte do financiamento para as diferentes iniciativas da organização provém de donativos de empresas, fundações ou mecenas. Schwartz, que também é teólogo, explica que cada jantar comunitário como este que coloca lado a lado voluntários e pessoas em situação de fragilidade social tem um custo aproximado de mil euros. Em Coimbra, a falta de doações é um dos obstáculos à maior regularidade e consistência do projeto que cá acontece de dois em dois meses , mas em Lisboa tem uma periodicidade quinzenal e no Porto é mensal. No dia 16 de fevereiro, foi a equipa de voluntários que, para além do seu tempo, despendeu de algum dinheiro para fazer acontecer o momento de festa.

Quem se inscreve no jantar como voluntário é distribuído por equipas. Quem cozinha chega mais cedo, por causa dos preparativos. As pessoas encarregues do acolhimento recebem quem vai chegando e também ficam responsáveis pelo bengaleiro, onde é possível deixar os pertences. Durante a refeição, há quem sirva e quem facilite a coordenação, garantindo que tudo corre bem, além dos voluntários que se sentam à mesa: dois por cada oito convidados. Os estreantes e membros mais experientes partilham essa tarefa, essencial para criar o espírito de convívio desejado. Antes de se começar a comer há novo briefing e o coordenador, Artur Alfaiate, põe toda a gente à vontade. Ao lado, uma convidada que já participou noutros jantares apela: «Não fiquem calados o tempo todo».

Sentamo-nos à mesa com pessoas com quem provavelmente já nos tínhamos cruzado na rua, esses locais de passagem, movimento e atomização, cada vez mais desprovidos de sombras e outros sítios propícios a pausar o tempo produtivista, condição necessária para o encontro. Reconhecemos caras e, a elas, associamos nomes, vozes e histórias. Cruzam-se linhas culturais e sociais que não se atravessam no espaço público. Durante a pandemia, que simbolizou um ataque frontal ao comum, os jantares foram interrompidos. Nessa altura, a Serve the City continuou a dar resposta ao sentimento de solidão, tendo iniciado uma iniciativa de apoio por linha telefónica. «Algumas pessoas, entretanto, disseram que já não precisavam, mas 90% quiseram que continuássemos a ligar, porque uma chamada faz a diferença e pode ser o suficiente para alegrar o dia de alguém», confessa a Coordenadora Geral da Serve the City Portugal, Vera Rainho.

Um estudo da Organização Internacional do Trabalho publicado em 2020, refere que as medidas impostas devido à pandemia covid-19 provocaram um avanço pronunciado do desemprego, sendo que a restauração foi uma das atividades mais impactadas. Maria, nome fictício, foi uma das pessoas cuja realidade foi afetada por esta consequência concreta retratada por números abstratos. Trabalhava num café onde recebia 20€ por dia e foi despedida. A filha também. Sem rendimentos, perderam a casa na qual viviam há seis anos e passaram um mês na rua. À mesa, fala alto e ri muito, elogia o serviço, troca cumplicidades com Marta e brinca com Viegas, pessoas que já conhecia e que se sentam a seu lado. «Posso dizer aqui que tenho mais ajuda dos sem-abrigo do que das outras pessoas, tirando as assistentes sociais que têm sido impecáveis comigo», confessa.

Serve-se sopa, bacalhau espiritual, arroz-doce e sumo. Por entre as conversas, há quem comente que é como estar no restaurante, mas ali não há clientes, há pessoas convidadas e quem queira genuinamente servir, o que altera radicalmente a dinâmica da troca. No final de contas, recebe-se e dá-se, numa lógica de partilha e reciprocidade que esbate as diferenças impostas, construídas e internalizadas. A coordenadora Vera Rainho, que veio de propósito da capital para estar presente, comenta: «Às vezes tudo o que temos de fazer é escutar. E, às vezes, até perceber que há muitos pontos de encontro entre a minha história e a história de quem está à mesa comigo. A diferença é que se calhar nós tivemos uma rede de apoio que nos amparasse nos momentos mais difíceis».

Depois da refeição, cantam-se os parabéns a todos aqueles que celebraram o seu aniversário desde o último jantar. Conversamos com Maria e com a sua amiga Marta sob o céu cerrado da noite que se vai adensando e confessam-nos a discriminação que sentem na pele, numa sociedade em que a cultura do castigo pune todas aquelas que saem fora do que é considerado normal, uma categoria estanque e impermeável ao reconhecimento de que somos produtos do contexto em que crescemos, das oportunidades que nos são abertas, ou das portas que nos vão sendo fechadas. Ambas são de Lisboa, e falam de Coimbra como uma cidade preconceituosa, onde, apesar de certas comunidades serem invisibilizadas, as barreiras que separam doutores e futricas ainda estão bem visíveis. «Acho que o importante aqui nem é a comida, é o convívio.  Hoje em dia, faz muita falta à malta conviver», afirma Marta, por palavras com as quais Zeca Afonso concordaria: «Quando nunca a noite foi dormida / O que falta é animar a malta».

No fim do jantar, é a vez dos voluntários comerem. As pessoas despedem-se com carinho antes de saírem da escola transformada em refúgio. Érica, com apenas 17 anos, estava a servir e vai à cozinha chamar a mãe que trata das limpezas: «Agora já não sai daqui», graceja.

A Serve the City tem várias iniciativas, como sessões de futebol e oficinas. Em Lisboa, por exemplo, desenvolveram uma horta comunitária dentro da escola básica de Marvila. Através da agricultura urbana, o projeto Cultivar Futuros tenta trabalhar com crianças e com a população mais velha, potenciando o desenvolvimento comunitário. Em Coimbra, antes de trilhar novos caminhos, é necessário consolidar uma equipa mais estável e disponível.

«Tentamos ter projetos que criem propostas de mudança e de transformação, e isso nós só conseguimos mantendo uma certa consistência na cidade, junto das pessoas. Para isso, precisamos de organizar melhor uma equipa de coordenação local. Queremos investir cada vez mais na formação desta equipa e garantir que o projeto decorre com qualidade», conclui Vera Rainho.

Vamos para casa por entre dúvidas e certezas. Ainda não conseguimos perceber se estamos perante um ato caridoso e redentor ou uma iniciativa que estimula a entreajuda e a solidariedade real, mas o coração está seguro de que vale a pena continuarmos a tentar criar enclaves de afeto.

Mais Histórias

A revolução também morou na Casa dos Estudantes do Império de Coimbra

O número 54 da Avenida Sá da Bandeira recebeu jovens das então colónias portuguesas sob o espírito colonial. Mas o tiro saiu pela culatra e quem acabou por ocupá-la foi a liberdade, o espírito democrático e a luta anticolonialista.

quote-icon
Ler mais small-arrow

Associação de moradores precisa do contributo de todos para plantar um mural do 25 de Abril no Monte Formoso

Painel de azulejos será «uma obra de arte que destaque e celebre, no espaço público, os valores de Abril». Mais de uma dezena de pessoas já apoiaram a causa. O valor total necessário é de 511€.

quote-icon
Ler mais small-arrow

Coisas para Fazer em Coimbra

Celebramos os 50 anos do 25 de abril com a estreia do nosso primeiro documentário original. Estreia dia 24 de abril, no TUMO, e é um entre tantos contributos que tornam a data ainda mais bonita e importante do que já era. Celebremos a liberdade.

quote-icon
Ler mais small-arrow
Contribuir small-arrow

Discover more from Coimbra Coolectiva

Subscribe now to keep reading and get access to the full archive.

Continue reading