É preciso ir e experimentar, mas não resistimos a pedir um cheirinho. É um cenário muito recorrente dos filmes de ficção científica: uma pessoa sentada com um visor onde se vê inserida num cenário virtual visualmente distinto daquele que o rodeia fisicamente. Experimentámos a simulação virtual Kairos, que nos faz mergulhar no Jardim Botânico da Universidade de Coimbra sem nos levantarmos da cadeira e de forma totalmente surpreendente. Concebida como uma ilusão audiovisual a partir de registos fotográficos e sonoros de modo a reavivar a memória de marcos de património cultural que vão desaparecendo ao longo dos anos, a simulação usa um dos espécimes arbóreos do jardim enquanto objecto mnemónico.
«A ideia é permitir que qualquer pessoa, independentemente do ponto do globo onde está, possa de alguma maneira ter uma experiência tão próxima quanto possível do real sem ter os custos e dificuldades inerentes à impossibilidade de se deslocar ao próprio local», elucida Jorge Cardoso, professor assistente do Departamento de Engenharia Informática da Universidade de Coimbra, enquanto nos apresenta o VR Lab, iniciativa que promove não só as vivências, mas também as valências inerentes à realidade virtual, desdobrando-se em variadas implementações como o Kairos ou o MPCS VR Simulator, que consiste num simulador de treino para o combate à poluição marítima.

«Temos este caso concreto do combate à poluição marítima mas podemos falar em treino de combate de incêndios, na área da saúde ou muitos outros domínios em que o treino tem uma componente física importante. A realidade virtual pode ser uma solução intermédia para atenuar a natureza extremamente dispendiosa que este tipo de treinos implica», continua aquele que é um dos responsáveis pelo projecto que figurará numa das 85 etapas da Rota da Ciência, a explorar este fim-de-semana desde o Largo da Portagem até à Praça 8 de Maio, passando ainda pela Praça do Comércio.
«Com o Kairos procuramos criar esta experiência de memória, quase como um sonho que nós temos, uma sensação de como é mas já nos lembramos dos detalhes. Genericamente a realidade virtual pode servir para isto, se tivermos um registo de maneira a que no futuro possamos recuperar e visitar espaços que deixaram de existir, como estas árvores do Jardim Botânico que daqui a 10 ou 20 anos já não estarão lá.»
Jorge Cardoso, professor assistente no Departamento de Engenharia Informática da FCTUC
A Rota é a principal actividade da Noite Europeia dos Investigadores (NEI), organizada pela Universidade de Coimbra (UC) que, este ano, aproxima cientistas e cidadãos, das 17h às 0h de 29 de Setembro. São 600 investigadores e investigadoras de 30 centros de investigação da UC distribuídos por 85 pontos que compõem o itinerário de navegação livre: «O mapa apresentado na nossa web app é só apenas para criar um fluxo, não há uma ordem obrigatória. Cada um pode fazer o seu caminho», relata-nos Ana Santos Carvalho do Instituto de Investigação Interdisciplinar da UC (IIIUC), prometendo que a esquemática promete ser diversa e acessível a todos os géneros e idades.
«Na web app partilhamos as idades recomendadas para cada uma das actividades, mas a grande maioria é para todas. A diversidade de actividades é tão grande que mesmo num determinado ponto, enquanto os mais pequenos fazem um jogo, ao lado os adultos podem conversar com os investigadores.» Dando seguimento ao tema Ciência para Todos: Sustentabilidade e Inclusão (que figurou igualmente como mote da NEI no ano passado), a variedade de opções vai desde contar uma história a pôr uns óculos de realidade virtual, mas o escopo não é atravessar uma meta final mas sim «percorrer um caminho onde se partilha a ciência que é feita na Universidade de Coimbra», remata.
Não quer dizer que não haja recompensas pontuais, pois «as pessoas podem ler um QR Code em cada um dos pontos e quantos mais sítios visitarem, vão-se habilitar a prémios dados pelos nossos parceiros da baixa de Coimbra», que vão desde brindes a refeições. Embora entenda que a vista total dos pontos poderá parecer desafiante, Carvalho sublinha que não há motivos para pressas, dado que «no ano passado eram mais de 60 pontos e nós já às 10 da noite já tínhamos pessoas que tinham passados por eles todos», acentuando ainda que a mapeação das actividades – auxiliada pela web app e os Mupis dispostos pela zona da Baixa – será muito simples e intuitiva.

Embora a NEI seja uma data celebrada em Coimbra desde 2009, este evento de comunicação da ciência que decorre sempre na última sexta-feira de setembro tem vindo a transformar-se nos últimos anos, com a UC a firmar esta Rota da Ciência no centro da cidade desde 2021. Trasladação possível graças ao apoio da Agência de Promoção da Baixa de Coimbra, que garante o espaço e infraestruturas necessárias para as investigações oriundas da UC virem ao encontro da comunidade de Coimbra. Este ano, dadas as obras e esforços de tornar Coimbra uma cidade mais sustentável, existem paragens obrigatórias nesta rota que prometem gerar um diálogo relativo a essa actual metamorfose urbana.
É o caso do #CoimbraCityLab, uma iniciativa do Município de Coimbra em parceria com a Rota da Ciência que pretende acolher projetos, ideias, soluções e respostas que a comunidade queira ver implementada na cidade, podendo tais propostas, projectos ou produtos ter origem em departamentos da UC ou do politécnico, bem como em grupos de cidadãos ou de empresas. O objectivo é criar uma Cidade Laboratório enquanto espaço para qualquer um apresentar, experimentar e implementar projetos, protótipos ou produtos, em contexto real, na cidade e no concelho de Coimbra.

Outra actividade de ciência cívica é a Lar (agri)doce Lar, estudo que advém do projeto HOU$ING e que procura reflectir em conjunto sobre as desigualdades no acesso à habitação e nas condições habitacionais em Coimbra. Raquel Ribeiro aponta que a questão da habitação «já se vem tornando um problema mais visível, sobretudo a partir da crise financeira global, agudizando-se nos últimos tempos.» A investigadora do CES salienta assim que «visa trazer uma abordagem diferente a este projecto ainda exploratório, ao estudar a forma como as pessoas comuns pensam o que é a casa e como solucionam os seus problemas de habitação, de modo a sensibilizar e despertar um olhar atento a esta necessidade básica da habitação.»
«Temos vários projectos de ciência cidadã, em que é bem mais do que apenas colocar os investigadores que são cidadãos a ler dados. É colocá-los connosco a pensar nos projectos, a analisar e discutir os resultados e a disseminá-los. Convidá-los a fazer parte connosco deste método científico que nos guia e que nós investigadores acreditamos como a forma mais correcta de chegar e desenvolver o conhecimento.»
Ana Santos Carvalho, Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra
Tratam-se pois de iniciativas investigativas dependentes da participação da comunidade na ciência, que nos últimos anos tem acrescido não só devido à actual localização da Rota da Ciência na Baixa, mas também pela crescente curiosidade das famílias nestas investidas da ciência. «Há ali uma grande vontade dos investigadores que lá estão de mostrar às pessoas o que é que eles fazem. E como estão suficientemente à vontade com o tema deles, adaptam a linguagem às pessoas com quem vão falando.» Palavras de Pedro Couceiro, que costuma acompanhar os filhos quando vai à NEI.
«Acho que é muito importante levar as crianças a estes eventos. Eles adoram porque têm a oportunidade de olhar para microscópios e ver experiências com alguma piada. Até acho que no caso do meu filho mais velho dá-lhe vontade de seguir aquele modo de vida. Pelo menos, é a ideia que eu tenho.» Ideias e ideais não faltarão certamente nesta Rota da Ciência, que promete continuar a demarcar-se no futuro da cidade e no imaginário compartilhado por cidadãos e investigadores.
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