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«Temos de criar corredores e zonas para que as pessoas consigam andar à vontade na rua»

Limitar o trânsito automóvel é uma das muitas soluções pensadas pelo engenheiro Sidónio Simões para Coimbra. Ao fim de 20 anos a gerir o centro histórico na Câmara Municipal o especialista em reabilitação urbana continua a desenhar uma Baixa cheia de pessoas que andam a pé.

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Fotografia: Mário Canelas

O nome Sidónio Simões, que até ao ano passado liderava a Divisão do Centro Histórico e Reabilitação Urbana da Câmara Municipal de Coimbra, surge no sector da construção como exemplo de boas práticas pelo esforço em tentar resolver os problemas de forma rápida, através de um contacto muito directo com os promotores. A parceria entre sector público e privado é crucial para a revitalização da cidade?

A questão de base é que Coimbra não tem um plano de urbanização eficaz. Estamos a gerir a cidade com o PDM [Plano Director Municipal]: é uma escala enorme. Quando analisamos a cidade o que vemos? Aparecem-nos impasses porque a Câmara não é pró-activa; vai atrás do que o promotor quer fazer. Os privados é que desenvolvem a cidade – os privados e a Universidade. Cada vez que cria um pólo novo cria-se uma pressão urbanística nessa zona. A cidade tem andado sempre a reboque da Universidade. Isso pode ser contornado se tivermos um bom planeamento.

Mesmo sem plano, a Câmara tem modos de desenvolver a cidade. Temos um regulamento municipal e podemos alterar taxas, tornando-as mais baratas onde queremos que a cidade se desenvolva mais rapidamente. Mas um regulamento municipal, em Coimbra, demora anos a ser alterado. Não pode ser assim. Se há uma zona que tem muita procura e não tenho infraestruturas a envolvê-la vou arranjar outra que as tenha e pôr as taxas mais baixas para chamar os investidores para ali. Ou então utilizar outros artifícios.

Quais?

Marketing territorial. Vendi muita reabilitação na Baixa – promovi, mas vendendo um produto. O que eu vendia? Benefícios fiscais, IVA a 6%, isenção de IMI [Imposto Municipal sobre Imóveis], retorno do IMT [Imposto Municipal sobre as Transacções]. São valores ainda com algum significado. Quem investe faz estas continhas todas.

A nossa cidade degradou-se muito porque houve muitos anos em que praticamente não houve reabilitação. Ainda há alguns prédios em que a parte de cima [das lojas] está devoluta.  Há mecanismos para tentar resolver isso. Nos prédios nins, que não querem fazer, nem deixam fazer, a melhor maneira é pressionar com vistorias sucessivas.

Recupero a ideia de marketing territorial. O que está a ser vendido agora? 

O marketing territorial é feito politicamente, não é técnico e não funciona. Tem de ser técnico. Um exemplo: aquela zona da beira rio. Antes de vir-me embora [da CMC], tinham já feito uma série de estudos com a IP [Infraestruturas de Portugal, dona dos terrenos]. Era muito importante virar, definitivamente, a cidade ao rio e aquilo ainda dava muitos fogos. Era uma âncora óptima para a Baixa: pôr ali 200 famílias a viver traria dinâmica e espaços agradáveis. O estudo estava previsto na ARU [Área de Reabilitação Urbana] e ORU [Operação de Reabilitação] da Baixa. Depois disso, já se fizeram dois ou três estudos. Isto não segura o investidor. O investidor que percebe que a Câmara está continuadamente a fazer estudos para a mesma área fica de pé atrás. 

Não faço ideia [o porquê dos estudos]. Tem muito que ver com uma postura própria da cidade. Não tem um histórico de planeamento. Temos um departamento de gestão urbanística que, infelizmente, não tem tempo para fazer gestão urbanística; faz aprovação de projectos. Em vez de andarmos à frente, de abrirmos ruas onde são necessárias para tentar levar as pessoas a desenvolver uma determinada zona, esperamos que o investidor venha fazer a rua. E isso ele vai fazer onde quer, onde lhe dá mais jeito, com todos os problemas associados, que é termos uma malha urbana que não fecha. Para a cidade é muito grave. 

No próximo quadro comunitário, as cidades de média dimensão, como Coimbra, vão ter muito apoio. Se tiverem projectos e ideias podem desenvolver-se bastante. 

Existem essas ideias? Que centro histórico pode ou devia nascer daí?

Tínhamos uma ARU da Baixa que previa uma série de acções que não avançaram ainda. A zona de recepção das encomendas para os comerciantes não avançou porque a Câmara não comprou o edifício; a creche não avançou porque estava dependente do fundo que estava a intervir na área. Há coisas que faltam. Temos de ter na Baixa o básico que qualquer zona da cidade precisa: a chamada «cidade de 15 minutos». O que falta na Baixa são equipamentos, como creches, que dêem apoio às pessoas que vêm para aqui trabalhar e as cativem. Em relação ao comércio, não podemos fazer nada: tem de ser os comerciantes.

Pode chamar-se os comerciantes para a Baixa, com incentivos.

Houve um erro estratégico aqui. Conheço cidades em que o centro histórico e o centro comercial estão lado a lado e funcionam bem. Quando, por pressão dos comerciantes que não queriam centros comerciais no centro, deixámos fazer fora demos cabo da Baixa. Desviámos as atenções.  

Dei esta dica há anos: porque não temos uma Fnac no Mercado [Municipal]? Digo a Fnac porque a Universidade está ali próxima, mas podia ser uma Worten, uma grande marca – não concorreria muito com os comerciantes e chamaria muita gente. O que se faz no Luxemburgo, por exemplo, é: durante x meses, cedem o espaço a uma loja âncora, que vê se é rentável ou não. A renda é fixa à nascença. Se quiser ficar com o espaço, vai custar-lhe x por mês, mas tem quatro ou cinco meses para testar. 

Mas para ter lojas âncora na Baixa há um problema muito grande: não temos espaços comerciais com dimensão suficiente; teriam de se juntar três, quatro lojas.

As rendas são também um obstáculo, não?

São altíssimas. Uma renda na Ferreira Borges ou na Visconde da Luz são três, quatro mil euros. É um exagero. Uma coisa que não percebo: há proprietários que preferem ter o espaço fechado do que arrendar por um preço mais baixo. Não sei até que ponto é possível, mas a solução seria sentar os proprietários todos, chegar a um meio-termo e apelar a que houvesse uma diminuição, pelo menos temporária, dos valores das rendas para que isto fosse ocupado. Uma das causas que torna a Baixa menos atractiva é haver muitos espaços comerciais fechados e alguns devolutos. Nestas zonas não pode haver nada fechado. Mais vale estar lá gratuitamente ou com um custo simbólico do que estar fechado, senão perde atractividade. 

A segurança também tem que ver com a atractividade. Só a colocação de pessoas na zona é que resolve o problema. Se conseguirmos habitar a Baixa passa a ser segura: há sempre gente na rua, gente a circular.

Espero que o metro venha resolver os problemas da cidade e um deles o da Baixa: tem duas estações muito próximas. A mobilidade é muito importante. Nós temos um problema. Em Coimbra, usa-se o carro como nas aldeias ou nas vilas: a pessoa quer levá-lo até dentro do banco, se for ao banco, dentro da Câmara, se for à Câmara. Espero que, com o metro, possamos limitar mais o acesso ao automóvel porque o metro pode ser um bom caminho para resolver o problema da Baixa.

Trazendo mais trânsito pedonal?

Mais pessoas. Um dos problemas que pouca gente se apercebeu:  O que matou a [rua] Adelino Veiga? Foi a Loja o Cidadão. Quando comecei a perceber «a Adelino Veiga está a morrer. Porquê?» fui para a rua com dois ou três funcionários e pus-me a contar pessoas. O que percebi? A maior parte já não saía de frente da Estação Nova, mas de lado; nem entrava na Adelino Veiga, ia directa à Loja do Cidadão. Podíamos ter criado outros mecanismos para obrigar as pessoas a circular pelo interior, como fazem os centros comerciais, onde se é quase obrigado a fazer aquele percurso. Ainda vamos a tempo. O essencial para pôr as pessoas a andar pela Baixa é, primeiro, criar hábitos; depois, espaços que encaminhem as pessoas para lá.

Os turistas andam aqui neste corredor [Ferreira Borges e Visconde da Luz]. Se metermos uma loja da Universidade ali na Rua das Padeiras conseguimos fazer com que os guias comecem a levar os turistas ali. Alguns serviços municipais podem fazer isso também. A Câmara tem serviços que arrastam muita gente.

Além do metro, que soluções de mobilidade e acessibilidade devem ser aplicadas?

Tem de se pensar nos acessos de outra maneira. Embora as pessoas estejam contra a pedonalização das cidades, quanto menos carros houver melhor. A pessoa não compra quando vai a andar de carro; compra quando vai a pé. Temos de criar corredores e zonas de maneira a que as pessoas consigam andar à vontade na rua. O que está a fazer-se em várias cidades europeias é limitar a dimensão da rua na parte do automóvel, colocando verde e zonas pedonais seguras para pessoas e trotinetes.

Temos de delimitar o atravessamento automóvel e isso o metro pode ajudar imenso a resolver.

[A vereadora] Ana Bastos é especialista nesta matéria [da mobilidade]. É fazer o que nunca se fez: apertar os acessos aos automóveis; [zonas de] trânsito 30 [km/h]; ruas só com um sentido, de três metros de largura; transportes públicos com faixa directa. Quando vir os transportes públicos a passar a uma velocidade que não consigo de carro começo a andar de transporte público. Há que fazer: a Fernão de Magalhães, em vez de dois, ter um sentido. O resto é transporte público: um para bicicleta; outros, autocarros. 

É fundamental que, dentro da zona urbana, o transporte público seja prioritário e tenha possibilidades que os outros não têm. Temos de criar inibições ao transporte privado para que o público funcione. Se não limitar o privado, o público não circula à velocidade que devia. Em Coimbra alguém respeita o corredor Bus? Ninguém. Em Lisboa, tenho uma multa. Aqui, não se multa ninguém. As pessoas estacionam numa rotunda e está tudo bem. Há que mexer nestes hábitos e mudá-los, senão continuamos a perder para outras cidades de média dimensão que estão a avançar e parece que estamos parados no tempo. 

Depois de 20 anos a pensar a cidade que balanço faz? Estamos na cidade que imaginou?

Sinto o mesmo que aconteceu em Anadia.  Fiz o Plano Director e disse: «Está na hora de ir embora porque já não consigo mudar mais». Fui embora porque senti que já não podia fazer mais pela cidade. Estava amarrado, não conseguia sair dali. Era uma luta enorme para manter as regras que tinha definido. Quando senti que esta metodologia que implementei [no departamento do centro histórico], com boa vontade dos técnicos, não estava a repercutir-se noutros sítios, senti que já não estava lá a fazer nada. Tinha posto aquilo a funcionar e o resultado na organização era zero. 

Por causa da burocracia?

Sim… A ideia que as pessoas tinham de que o facto de nós colaborarmos com as pessoas e tentarmos ajudar era facilitar. Não facilitávamos nada; fazíamos o mesmo que eles fazem, mas de outra maneira, mais eficaz – eles [os promotores] tinham de cumprir tudo na mesma. É a pessoa estar propensa para o serviço público.

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