Em menos de duas semanas, ficou concluída a remoção das 135 árvores colocadas em alerta vermelho por apresentarem risco de queda. A operação apanhou a cidade de surpresa e provocou uma nova onda de indignação e protestos, com críticas renovadas à Câmara Municipal de Coimbra pela forma como gere o património arbóreo e divulga informação de interesse público. Do lado da autarquia, há a certeza de que «seria criminoso não agir», a urgência de aproveitar fundos disponíveis e um relatório externo que suporta a decisão. Mas a avaliação técnica não desfaz todas as dúvidas e do lado dos cidadãos mantém-se a pergunta: o abate era mesmo a única saída? Os biólogos dividem-se na resposta.
«Percebo os receios», reage Francisco Queirós, vereador com o pelouro dos Espaços Verdes e Jardins, ao reconhecer que o corte não podia acontecer em pior altura. Faz um ano desde que desapareceram os plátanos centenários da Emídio Navarro para ceder passagem ao metrobus, sem que haja avanços no plano municipal de arborização e na promessa da Metro Mondego de, por cada árvore abatida, plantar três. «Estamos a viver um momento complicado. Há obras enormes na cidade; as pessoas estão indignadas com o que está a acontecer ao arvoredo. Podíamos empurrar com a barriga. Seria mais cómodo, mas de uma enorme irresponsabilidade e até criminoso», frisa.
Já em Junho, quando, em reunião do executivo, foi dado conhecimento da avaliação do estado vital de mais de 400 árvores no centro da cidade, Francisco Queirós citou o caso da queda de uma árvore da Madeira, que fez 13 mortos e está em julgamento. «A partir do momento em que temos um estudo técnico, feito de acordo com normas internacionais, que nos indica claramente que há um conjunto de árvores que têm de ser abatidas e temos financiamento para o fazer, temos a obrigação moral, política e jurídica de o fazer», reitera.

A avaliação fitossanitária (a primeiro do género em Coimbra) vem já do anterior executivo e foi adjudicada em 2021 à empresa Sequóia Verde, por um preço final de 45 mil euros. Apesar de os relatórios só terem sido divulgados agora, a operação de abate consta do Plano de Arborização de 2022, como «projecto de recuperação e renovação do parque arbóreo municipal». Foi com este plano - que inclui a reposição imediata de 145 árvores – que a Câmara apresentou uma candidatura ao programa Compete 2020 – (Re)arborização de espaços verdes e criação de ilhas-sombra em meio urbano».
A proposta foi aprovada, com a autarquia a garantir um financiamento de 75 mil euros, que tem de ser executado até ao final do ano.
O abate foi feito pela empresa Árvores&Pessoas, que trabalha com a CMC há vários anos e ainda em Maio assinou um contrato com a autarquia, no valor de 200 mil euros, para prestar «serviços de manutenção de árvores no concelho de Coimbra» até 2025. A adjudicação foi feita por concurso público, mas na entrevista à Coimbra Coolectiva, feita por telefone, Francisco Queirós disse não ter à mão o caderno de encargos para conseguir esclarecer que trabalhos estão previstos.
Erros históricos na origem dos abates
As 420 árvores avaliadas nos relatórios fitossanitários foram as que a Câmara tinha já sinalizado como degradadas no centro da cidade, contextualiza o vereador. «Ao longo de muitos anos, houve intervenções críticas na cidade e podas drásticas, e os serviços constataram que havia zonas de maior risco, onde se teriam cometido vários erros e por onde há maior circulação de pessoas e veículos», afirma.
O «histórico de antigas podas drásticas», enquadrado na análise fitossanitária como uma «pesada herança na gestão do arvoredo urbano», é a principal justificação para os abates por provocar podridões e uma estrutura «deficiente e frágil». Nalguns casos, destaca-se no relatório, a degradação era de tal ordem que «se dispensou a realização de resistogramas», que funcionam como um raio-X e permitem sondar o interior das árvores — foi o que aconteceu em algumas das espécies cortadas na Avenida Dias da Silva (a mais penalizada, com 21 abates) e na rua Tenente Valadim, onde todas as mélias presentes (7) foram removidas, sendo este um dos raros casos em que a substituição das árvores não é em número igual ou superior — fica uma por replantar. «Serão razões técnicas», refere Francisco Queirós.

Além das podas drásticas, a presença de parasitas e doenças provocadas por fungos também contribui para os «defeitos internos com instabilidade mecânica elevada a muito elevada, sem possibilidade de mitigação por meio de acções de correcção», diagnosticados às 135 árvores abatidas. Há, porém, vários casos em que, na mesma rua, espécies com os mesmos sintomas e igual alto risco de queda foram mantidas, sugerindo-se podas, tratamento de vitalização e monitorização anual — por exemplo, em alguns dos plátanos na Avenida Sá da Bandeira e na Praça da República, onde houve dez abates.
«Pode parecer que são iguais e não são. Na mesma rua, há variações entre os níveis 5 e os 11 de risco», esclarece Francisco Queirós. Mas, ainda na comparação por classificação de riscos, que considera a probabilidade de ruptura, o tamanho e tipo de peça que pode cair e a chance de atingir uma pessoa, encontramos exemplos em que o nível de risco é muito elevado (12 a 11) e foram sugeridas soluções alternativas ao corte. Em sentido inverso, há situações em que o nível de risco é inferior a 10 e a proposta foi o abate.
Replantação tem de ser feita até Dezembro
A substituição e plantação de mais árvores ao abrigo deste plano está prevista para as semanas entre 6 e 16 de Novembro, adianta Francisco Queirós. «Em condições normais seria agora, mas estamos com um calor intenso e temos um verão a entrar pelo Outono dentro», justifica.
Em qualquer cenário, a replantação das 145 espécies tem de ficar concluída até Dezembro, sob pena de a CMC perder o financiamento. As árvores vão ser colocadas «nas mesmas ruas onde foram tiradas» e «em muitos dos sítios não são as mesmas espécies porque as que estavam não eram as adequadas».

O plano de arborização da autarquia para este ano prevê a plantação de mais de 2400 árvores, mas, reconhece o vereador, sofreu «atrasos significativos», mas há condições para «agora avançar». «Nenhuma árvore substitui outra. São seres vivos tão complexos que são ecossistemas, importantíssimos para o nosso bem-estar colectivo», defende a investigadora e coordenadora e coordenadora científica do Laboratório de Fitossanidade (Fitolab) da Universidade de Coimbra, Helena Freitas. «É preciso saber escolher a árvore para a artéria urbana. Depende da largura e comprimento da rua, dos edifícios que tem», medeia o biólogo Jorge Paiva, também da Universidade de Coimbra, que aponta para Lisboa e os grupos de cientistas criados para aconselhar o poder público nestas matérias.
Sem a criação de um conselho deste género na agenda da Câmara, Francisco Queirós confirma a intenção de fazer avaliações fitossanitárias regulares e assegura acompanhamento às sugestões de tratamento indicadas no relatório para evitar o abate de árvores em risco e que, desta vez, escaparam ao corte. Entre as medidas proposta, constam intervenções nas caldeiras.