Todas as noites, por volta das 21h30, cerca de uma dezena de pessoas e os respectivos nove cães encontram-se num pequeno terreno baldio junto à Urbanização da Quinta da Casa Amarela, no bairro de Celas. Chamam-lhe «cãovívio» e o que é certo é que já lá vai um ano a esticar as pernas e conversar ao fundo da Rua Virgílio Correia, naquele que dizem ser «o único sítio em Coimbra que dá para soltar os cães para eles terem alguma liberdade».
Falamos com João Fortunato. «Começámos a notar que se via aqui malta por volta desta hora a juntar- se e fomos introduzindo aos bocadinhos», conta. Virgínia Teles também foi das primeiras, começou a trazer o Nico aos encontros nocturnos em junho do ano passado. O grupo é totalmente informal e qualquer pessoas é bem-vinda. «Há quem apareça e depois saia porque mudou de casa ou para outro sítio qualquer, há malta que só aparece uma vez, às vezes somos seis, outra vezes dois.»

«Às vezes quando passeamos encontramos alguém na rua, há um contacto e lançamos o desafio. Ou passeiam por aqui porque é uma zona de passagem para o café de Paris, reparam e há uma introdução», diz João Fortunato, que assegura que o convívio não favorece apenas os cães mas também os donos, e o grupo é muito diverso. «São várias as gerações, desde estudantes a professoras universitárias, engenheiros civis», continua, destacando o «sentido de comunidade que antigamente existia nas aldeias e [que] com as cidades deixou de existir».
O grupo já tem morada virtual no Whatsapp. Utilizam-no para comunicar, mas também pedir ajuda em caso de necessidade. Paula Souto, dona da Farofa, admite que sentia falta de um sítio para soltar a cadela e foi Carolina Lopes que lhe falou dos encontros no sítio onde já costumava passear. «Acho que é mais na necessidade de ter um espaço para soltar eles», diz Paula Souto, que sente uma grande mudança no comportamento do próprio animal desde que o leva para juntos dos outros. «A Farofa é outra cadela, todo o dia ela surpreende, melhorou em casa, melhorou em tudo e está menos stressada.» Outra das pessoas que se junta a este grupo com o seu cão é Cécile Dugand, francesa e estudante de veterinária. Conheceu o grupo através da vizinha.
Os cães são todos bastante jovens e João Fortunato acredita que isso se deve à pandemia de covid-19. «Houve um acréscimo de malta com cães e isso notou-se na própria rua, muita gente a começar a ter cães.» Quanto à dinâmica dos animais, explica que a entrada de novos elementos é sempre bem-vinda e «normalmente há um ou outro que são chave, se esses aceitam todo o grupo aceita, tentamos sempre fazer com que esse aceite».
Parque canino
Desde 2021 que Coimbra tem um parque canino entre a Avenida Elísio de Moura e a Rua Monsenhor Alves. Foi um dos projetos vencedores da 2.ª edição do Orçamento Participativo do Município de Coimbra, por isso resultou da vontade cidadã. Visitámos o espaço às 17h de uma quinta-feira e estava vazio. Na entrada há uma placa com informações sobre a utilização do espaço e contactos úteis. O chão tem areia, há áreas distintas para cães de grande e pequeno porte separadas por portões, além de pequenas estruturas como um túnel e aros para saltos e pranchas para os animais brincarem. Os donos têm direito a bancos e sombra.
O grupo de «cãovivas» considera o parque canino insuficiente. «É longe e depois também ali todos fechados os cães não se entendiam», atira Virgínia Teles. João vai mais longe e compara-o aos parques infantis. «É tirar a terra, a relva e cimentar tudo», quando na verdade o que o cães gostam de fazer «é comer canas, escavar e rebolar na lama».
Ao fim-de-semana, os passeios são no Parque Verde ou na Mata Nacional do Choupal. «É fácil pegarmos num carro ou irmos a pé para algum lado, agora durante a semana…», desabafa João, mas a sensação é de que, aos poucos, a cidade já vê os animais com outros olhos. «Sinto que Coimbra está a mudar um bocadinho, por exemplo as lojas na Baixa, já há uma maior taxa de aceitação de os cães entrarem, mas mesmo assim ainda é muito difícil. Transportes públicos não dá, mesmo os cães guia às vezes é uma confusão, quanto mais cães normais ou mesmo nos shoppings.»
João Fortunato explica que juntar muitos cães soltos não é permitido legalmente, mas como o sítio onde se encontram é um terreno privado não há problema. Contudo, há obras previstas para o espaço com um projeto aprovado pela autarquia. Gostavam de saber no que se vai tornar o sítio que usam para se encontrar diariamente e têm uma sugestão: «Seria engraçado o próprio município chamar a população a fazer o seu planeamento urbano, porque quem vive aqui se calhar sabe quais são as necessidades da zona».

O grupo estima que existam cerca de 30 cães de estimação nas duas ruas da urbanização e que ao começarem as obras a liberdade e socialização dos animais será afetada. Virgínia Teles também deixa um apelo: que o espaço onde passeiam os seus cães seja relvado. «Já que há um parque canino lá do outro lado agora precisávamos de um aqui mas relvado, não é preciso mais nada», a não ser a sensibilização para quem tem cães se responsabilizar pelos respectivos dejetos. O grupo afirma que é uma constante ver dejectos de animais nas ruas da cidade.
Gostaram do que leram?
E repararam que não temos publicidade?
Para fazermos este trabalho e o disponibilizarmos de forma gratuita as leituras e partilhas são importantes e motivantes, mas o vosso apoio financeiro é essencial. Da mesma forma que compram um lanche ou um bilhete para um espectáculo, contribuam regularmente. Só assim conseguimos alcançar a nossa sustentabilidade financeira. Vejam aqui fazer e ajudem-nos a continuar a fazer as perguntas necessárias, descobrir as histórias que interessam e dar-vos a informação útil que afine o olhar sobre Coimbra e envolva nos assuntos da comunidade.
Contamos convosco.