Aninhada na Escola Agrária (ESAC), ergue-se uma estrutura que se agiganta nos seus propósitos pelo desenvolvimento continuado e sustentável do território do município de Coimbra: a CoimbraMaisFuturo. Regina Lopes foi a coordenadora e co-fundadora e foi com ela que conversámos em Abril, antes do Verão e de obter informações complementares, sem poder antecipar o seu desaparecimento precoce [ver nota de pesar publicada pela Coimbra Coolectiva aquando do seu falecimento no separador pop up, em cima], mas reconhecendo-lhe a visão de uma ideia concreta de um concelho de Coimbra não apenas com mais, mas sobretudo com melhor futuro, publicamos agora a história e o seu testemunho.
O mapa é o território
Regina Lopes defendia que «as pessoas pensam que a CoimbraMaisFuturo é só território rural e não, pelo contrário», sublinhando a componente rural «porque Coimbra esqueceu-se da parte rural do concelho». «Interessa-nos o território no seu todo, interessam-nos as soluções que permitam que as pessoas tenham vidas decentes e sejam felizes, esse é o nosso objectivo», afirmou. A responsável trabalhou em desenvolvimento local durante 30 anos, primeiro na ADICES durante 25 anos, que ajudou a criar, e também na direcção da Minha Terra, federação de associações de desenvolvimento local de que foi cofundadora.

«Durante 25 anos, ninguém achava que fizesse sentido existir uma associação desta natureza em Coimbra. Para trabalharmos em desenvolvimento local, o território não pode ser demasiado grande, [quer] em área e habitantes, porque deixamos de fazer desenvolvimento local, passa a ser regional. Coimbra está na dimensão certa». Existia essa lacuna e Regina e a equipa convenceram a tutela a criar a CoimbraMaisFuturo, porque, como disse: «Coimbra era o único buraco livre que existia a nível nacional. Convidaram-me e eu estava disponível, a precisar de outro desafio. Deixei a ADICES devidamente entregue e vim para aqui montar a CoimbraMaisFuturo. É isto que gosto de fazer, é aqui que sou feliz, a conceber e executar».
Coimbra tem Mais Futuro
A visão integrativa e transformadora do território de que a CoimbraMaisFuturoé o braço visível localmente, e Regina Lopes uma das suas criadoras, baseia-se no programa LEADER, de intervenção ao nível do desenvolvimento local, lançado em 1989 pela Comissão Europeia. «Uma abordagem revolucionária, por várias razões», completou Regina, sobretudo porque colocou o foco sobre o desenvolvimento a uma escala e proximidade local.
E o que é isto de desenvolvimento local? A definição da CoimbraMaisFuturo apresenta-o: «Promoção do desenvolvimento local em meio rural e urbano e a melhoria da qualidade de vida das populações através de processos sustentáveis de dinamização sociocultural e económica do território, em parceria com diversos agentes públicos e privados».
Tendo isto como objectivo, a CoimbraMaisFuturo, enquanto Grupo de Acção Local (GAL), facilita contactos e financia empresas. Neste momento, há 230 entidades beneficiadas, em termos de investimento são [mais de] 14 milhões de euros. Têm uma linha de apoio aos pequenos investimentos na agricultura, para quem quer diversificar. «O agricultor precisa de diversificar, abrem restaurantes engraçados ou fazem uma cozinha para produção de compotas. Outra linha é dos circuitos curtos, para apoiar os agricultores para irem vender aos mercados e feiras, [para] trazer o rural para Coimbra. Há projectos interessantíssimos, gente extraordinária a fazer coisas extraordinárias, mas estão escondidas», ainda nas palavras da coordenadora.
Revelamos alguns desses projectos.
O laboratório agrícola de Rosa Rodrigues
Diz que os terrenos que cultiva na Cidreira são «um laboratório aberto». Rosa Rodrigues faz produção biológica certificada, sem quaisquer produtos químicos, optando pela «via mais natural», e vende cabazes de produtos hortículas e frutas. Cada passo que damos no seu terreno é uma possibilidade. «Para um agricultor normal, erva é um infestante, para nós é uma mais-valia. Como não utilizamos fertilizantes, usamos o máximo possível de matéria orgânica, que ajuda na estruturação do solo, na absorção da água, no arejamento das raízes». A CoimbraMaisFuturo abriu-lhe vários caminhos de parcerias, com hotelaria e restauração da região, assim como em feiras e mercados.
Rosa sempre teve contacto com agricultura e foi aprendendo com pesquisa, complementando-o com a licenciatura em agricultura biológica na ESAC. «Na agricultura convencional», aponta, «o milho dá 8 toneladas por hectare, mas tem que lhe incorporar toneladas de adubo e litros de pesticida. Se não incorporar isso, não dá nada». Aqui tem outra exigência e clientela. Rosa trabalha com alguns restaurantes como o Pedro & Inês da Quinta das Lágrimas e No Tacho. «Estou a gostar da forma de trabalhar [dos chefs], eles vêm ao campo ver o que temos. Como [o meu terreno] é só para o cliente final, acabava por vezes por estar inculto, mas isto na agricultura biológica é reconversão, é repouso».
A produtora mantém protocolos com várias instituições e está «muito satisfeita com isso. Chegaram à conclusão de que a Universidade de Coimbra (UC) tem que abrir à comunidade». Na Faculdade de Farmácia, procuram nas raízes dos seus brócolos um composto para um medicamento cardíaco; a Faculdade de Economia está a conduzir um estudo no seu terreno sobre a incorporação do CO2. Tem ainda um protocolo com a ESAC e o Centro Tecnológico da Cerâmica e do Vidro, que vão testar um sistema de rega cerâmico.
Os microvegetais de André Aleixo
Já conversámos com o André, do projecto Verdes do Mondego. A CoimbraMaisFuturo ajudou-o a «agilizar equipamento, nas embalagens, na divulgação, no conseguir algum financiamento para ter mais pontos de venda». «Têm sido incríveis», afirma o produtor de microvegetais. Com um novo espaço de produção em Santa Clara, «mais tecnológico», pretende inovar com o tradicional e conseguir ter uma estrutura.

«Sou [apenas] eu e tenho um colega que ajuda», diz André Aleixo. «Gostava de contratar pessoas que partilhem da minha visão. Falta muito na minha área, licenciamento e certificações. Ainda não somos completamente sustentáveis, é um caminho que se vai percorrendo. Queremos certificar e dar às pessoas um produto de valor.»
A quinta animal de Zorro
A Quinta do Zorro fica além do Rio Mondego, na aldeia de Zorro, freguesia de Torres do Mondego. Têm duas candidaturas aprovadas na CoimbraMaisFuturo – uma concluída e outra em execução. Elisabete Serra apresenta: «[Dedicamo-nos] à produção de raças autóctones portuguesas», tendo como meta a sua valorização, conservação e manutenção. Começaram em 2017 com raças de galinhas portuguesas (Pedrês Portuguesa, Preta Lusitânica, Amarela e Branca Portuguesa). Contam agora também com caprinos de raça Serpentina, ovelha Churra Galega Bragançana e Porco Malhado de Alcobaça.
Elisabete explica: «As raças autóctones contam uma história de identidade, da nossa cultura, estão muito bem-adaptadas ao ambiente, sendo bastante resistentes e de fácil adaptação a situações adversas». Esta é uma produção familiar, com diversas dificuldades, incluindo o custo da interioridade, também presente em Coimbra. «O concelho não se resume à cidade de Coimbra. Existem muitas áreas rurais e, com grande tristeza refiro, uma boa parte da nossa paisagem rural deveria ser mais do que eucaliptos. Temos que ser os primeiros a querer valorizar o nosso território, quem está no poder tem que dar ferramentas e incentivos para que se possa mudar. Mudar mentalidades e o sentido das coisas. Nós somos impulsionadores da agricultura. Ainda hei-de conseguir ter todas as capoeiras da minha aldeia a produzir galinhas portuguesas».
Os parceiros Rebobinar
Eduardo Albuquerque e Pierre Marie, da cooperativa Rebobinar, integraram a rede de parceiros da CoimbraMaisFuturo «no seguimento de um desafio lançado pela organização». Vincam que o projecto da Rebobinar não se limita aos espaços urbanos: «pensar o desenvolvimento integral do concelho, com um foco na valorização do património e das tradições, ia ao encontro [da] nossa vontade de investigar e dar a conhecer novas histórias do território. Pretendemos valorizar histórias por vezes esquecidas e o concelho de Coimbra é um território repleto delas. Estas histórias encontram-se nos antigos espaços industriais, mas igualmente nas freguesias mais rurais do concelho».

Futuros há muitos
A CoimbraMaisFuturo está a desenvolver diversos outros projectos e processos. Estão a conduzir o levantamento do património alimentar de Coimbra porque, referiu Regina Lopes, «partimos da hipótese que Coimbra tem um património alimentar muito rico. Mas, se perguntar o que se conhece, o que é reconhecido? Vamos falar com as pessoas mais velhas das freguesias, ver o que é necessário salvar. A ideia é também descobrir variedades para então guardá-las no banco de sementes ou começar a disseminá-las para o seu cultivo». Estão também no consórcio dos bairros comerciais digitais, tendo já sido assinado o Termo de Aceitação. O arranque do processo de execução está para breve.
Mas nem tudo são rosas. Regina revelou-nos que estavam «a viver uma fase complicada» por serem «a única organização que só tem um concelho». «Está a acontecer uma pequena revolução na forma como está a ser organizado o território e a ser geridos os fundos, com a descentralização. No modelo em que está a ser desenhada, parece-me muito pouco democrática. Estamos a transferir [poder] para a Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), que vai ser eleita por autarcas, mas eu não votei, vão ter a faca e o queijo na mão. Eu sou regionalista, por isso sou completamente contra este processo», afirmou em Abril.

E qual é o perigo da descentralização? «[A tutela] quer o mínimo de expressão, considera a dispersão, variedade e multiplicidade uma coisa perniciosa. Querem reduzir o número de GAL, fundir, mas num processo doloroso. Um dos aspectos fundamentais neste tipo de programas é que os territórios devem ser livres de se organizar e trabalhar para atingir determinados fins. O denominador comum é o território. É ver onde há carências e onde há potencial, dar espaço ao crescimento».
Regina Lopes rematou, a ecoar como corolário para este território: «Temos que pensar que o modelo económico [actual] está completamente esgotado, há correntes de pensamento que temos de ouvir, como o decrescimento. Nós sentimos que os modelos são muito lesivos ao território, às pessoas, e são muito injustos, deixam muita gente para trás. Não precisamos de ter um conhecimento aprofundado sobre determinadas matérias para perceber que este modelo não é viável. Parte duma espiral que não pára, uma delapidação enorme dos recursos da terra».