Os edifícios, assim que são construídos, vivem em constante perda perante a passagem do tempo e a incúria dos homens, precisam de atenção e obras regulares. Uma pequena fissura cresce e abre em desfiladeiro se não tratada; a humidade desagua noutros problemas se não resolvida; qualquer desatenção resulta logo num problema maior. Uma casa quando é criada é como um corpo, exige cuidados constantes.
Algumas intervenções no edificado implicam grandes obras, outras pedem pequenos gestos de arranjo, necessários no imediato. O descuido na manutenção das casas resulta ou revela situações de pobreza e desequilíbrios sociais, casos que abundam em Coimbra. Perante este cenário, quatro amigos decidiram meter mãos à obra fazendo pequenas intervenções de reabilitação. Esse trabalho levou à criação da Re4bilita – Associação Reabilita Coimbra, entretanto formalizada com os 9 associados actuais.
No início era a patologia
Inês Cunha e João Monteiro são dois jovens engenheiros civis e membros cofundadores do Reabilita Coimbra. Para a sua criação, inspiraram-se no Just a Change, associação que já reabilitou centenas de edifícios em Lisboa e no Porto. Inês explica como lhe surgiu a vontade: «Estávamos recolhidos, na altura da pandemia, com muita disponibilidade para pensar. Queixávamo-nos de estar em casa, mas tínhamos condições. Para muitos foi um sacrifício, obrigados a estar na sua habitação sem condições para viver».

Conheciam o trabalho de reabilitação pelo voluntariado da Just a Change e decidiram contactá-los, com a ideia inicial de criar uma equipa em Coimbra. Receberam formação da Just a Change sobre orçamentação, como avaliar os danos, conduzir visitas e sobre patologias, isto é, os sinais visíveis de degradação e decadência do edificado. Ensinaram-nos ainda o comportamento a ter com os beneficiários, a saber ler e agir com as pessoas, e a lidar com as expectativas, porque, acrescenta João: «Cada pessoa é como é». A um dado momento, decidiram ter mais autonomia para melhor responder e actuar localmente. Começaram a querer independência e «a tentar criar contacto com algumas associações que precisassem [de intervenção]».
Além da Inês e do João, o Reabilita Coimbra conta ainda com os cofundadores Mafalda Tavares, estudante de economia, e Pedro Caeiro, estudante de engenharia civil. Juntaram-se depois Ana Veiga, estudante de direito; Beatriz Barateiro, gestora de projectos; Guilherme Marques e Henriques Ferreira, estudantes de engenharia civil e ainda José David, estudante de economia, com idades que vão dos 22 aos 30.
Memória descritiva
Reabilitar é um verbo que inspira acção, traduz intervenções que visam a melhoria nas condições de uso e habitabilidade de um espaço degradado, assim como procuram o aperfeiçoar substancial das suas características e capacidades térmicas, sonoras, estruturais, etc. Em suma, buscam alcançar o conforto e providenciar qualidade de vida para moradores e utilizadores. Com este objectivo em mente, o Reabilita Coimbra, desde 2021, já interveio nos consultórios da Equipa de Intervenção Social Ergue-te (agora chamada Micaela), no Edifício Azul da Baixa, e também no Ateneu de Coimbra, na Alta da cidade.
As paredes da Sala Mário Temido, no Ateneu, que estavam anteriormente a descascar, degradadas, renasceram em branco vivo. Esta foi a segunda intervenção do grupo. As associações, comenta João, «são tipicamente mais fáceis [de intervir]. Uma família sem condições de habitabilidade, [pode] implicar um telhado a cair, umas janelas completamente estragadas; pode exigir obras [que requerem] maior experiência da nossa parte. Estamos a subir um degrau de cada vez, para termos confiança naquilo que estamos a fazer».
Estão agora a estudar outros edifícios para avançar, habitacionais, um grau maior de complexidade. Um destes localiza-se em Chão do Bispo, zona nascente de Coimbra, e é uma situação exigente, já que envolve a retirada de amianto. Inês e João encontraram algumas dificuldades por parte da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais sobre este caso, mas não desistem: «aparecem pequenos entraves, temos que saber jogar com eles».

Caderno de encargos
A equipa tenta reunir uma vez por semana, distribuindo tarefas, mesmo que o necessário seja apenas um pequeno afazer administrativo ou burocrático. Quando começaram em 2021, recordam, «a primeira intervenção foi preparada com um ano de antecedência». Agora, com 9 pessoas muito activas, já pensam nas próximas intervenções com pés firmes no pavimento. Não fazem intervenção no espaço público, porque essa é área da competência da CMC e envolve muita burocracia, pretendem focar-se em quem «precisa de ser ajudado».
Estão agora a estudar outros edifícios para avançar, habitacionais, um grau maior de complexidade. Um destes localiza-se em Chão do Bispo, zona nascente de Coimbra, e é uma situação exigente, já que envolve a retirada de amianto. Inês e João encontraram algumas dificuldades por parte da Câmara Municipal de Coimbra (CMC) e da Junta de Freguesia de Santo António dos Olivais sobre este caso, mas não desistem: «aparecem pequenos entraves, temos que saber jogar com eles».

A maturidade e a consciência das capacidades é também uma casa que estão a construir, e já conta com uns alicerces bastante resistentes. João refere esse crescimento: «Não queremos prometer coisas que não possamos cumprir, principalmente a famílias que têm muitos problemas, que foram abandonadas pela sociedade. Aprendemos de que temos que nos safar, além das burocracias que são horríveis, aprendemos a fazer pela vida, mais uma maneira de evoluirmos. Quem participa aprende muitas soft skills. Da palmadinha nas costas até à concretização, as coisas perdem-se, é o que acontece com instituições públicas e algumas empresas».
«Quaisquer 5€ ajudam»
Qualquer pessoa pode participar enquanto voluntário nas actividades do Reabilita Coimbra. A ambição no médio prazo é fazerem mais intervenções. O ideal seria, a longo prazo, terem uma pessoa dedicada a tempo inteiro. Enquanto série de intenções e acções ancoradas no voluntariado, o Reabilita Coimbra funciona com doações, que têm surgido, neste par de anos, sobretudo de familiares e amigos.
«Quaisquer 5 euros ajudam», remata João, «nestas obras não podemos ficar pelo meio termo, é entrar dentro duma casa e sair de lá com as coisas em condições. Se estivermos condicionados em termos monetários, pode haver algumas coisas que passamos para plano não tão urgente. Quem corre por gosto não cansa, agora o dinheiro não corre sozinho. Sem dinheiro não há materiais, por mais boa vontade da nossa parte. Nesta obra [do Ateneu] tínhamos um orçamento de três dígitos e foi genuinamente até ao último cêntimo».

Inês partilha que estão capazes de fazer mais uma intervenção ainda este ano. «Mas é ir devagarinho, procurar algo que sirva as nossas medidas», crescer sustentadamente. Trabalham para o dia seguinte, pegam em todos os cêntimos que lhes dão para comprar materiais. Se tivessem meios para planear a longo prazo, partilha João, seria para «termos uma viatura para nos deslocarmos ou arrendarmos um armazém, em vez de termos as coisas espalhadas por duas ou três garagens. Neste momento o que temos é “chapa ganha, chapa gasta”, para o bem do outro. Por isso é que costumamos dizer, ajudem-nos a ajudar».
A mensagem que querem passar é para as pessoas olharem à sua volta com sentido crítico, na zona onde moram ou por onde circulam, e essa atenção redobrada revelará inúmeras casas e pessoas a necessitar de intervenção. «É tão simples quanto isso, genuinamente olharem para o nosso edificado, para as nossas casas. Muitas vezes há muito mal escondido, e muito que é visível. Há muita gente a precisar de ajuda, muitas mais do que existem associações para ajudar».