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Armando de Lacerda colocou Coimbra nos ouvidos do mundo

Durante várias décadas do Século XX, Coimbra foi o pólo da excelência científica no campo da Fonética Experimental, pelo trabalho desenvolvido no Laboratório de Fonética Experimental da Universidade de Coimbra. Recuperamos o Laboratório e o cientista que o criou para contrariar a sua «trajectória de esquecimento».

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Fotografia: Mário Canelas

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Sobre a escadaria de acesso à Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra (FLUC) alinham-se as inspiradoras estátuas de Demóstenes, Aristóteles, Tucídides e Safo, representações em pedra da eloquência, da filosofia, da história e da poesia, respectivamente. Fez-se em pedra aquilo que pretende ser a manifestação criativa para a vida; não há melhor recepção para a história que queremos contar. 

Quintino Lopes, investigador da Universidade de Évora, dedicou-se a reconstruir o percurso do foneticista Armando de Lacerda, cientista que criou o primeiro Laboratório de Fonética Experimental de Portugal, em 1936, na FLUC. É um tema que o apaixona, conta: «A minha formação é em História da Ciência, não sou de Fonética. Na minha tese, estudei a ciência em Portugal nos anos 30, no início do Estado Novo. Achei interessante e desconhecia, reconheço a ignorância, que muitos cientistas [portugueses] iam para os grandes centros de investigação no estrangeiro, financiados até pelo Estado, embora fosse uma ditadura, com tudo o que é próprio duma ditadura. Isto quebrava com o estereótipo de que estávamos isolados, fechados». Foi assim que se deparou com um cientista de envergadura mundial e injustamente esquecido, Armando Soeiro Moreira de Lacerda.

No princípio era o som

Armando de Lacerda chegou a Coimbra ainda a Alta era a antiga Alta, antes das grandes demolições impostas pelo Estado Novo. O jovem cientista, com pouco mais de trinta anos, nascido e licenciado em Filologia Germânica no Porto, terminou o estágio na Alemanha e regressou a Portugal para estabelecer algo inovador para a época, o Laboratório de Fonética Experimental. «Logo desde o início», destaca Quintino, «é considerado um laboratório de referência internacional, porque tinha equipamentos que não existiam noutros laboratórios». 

Quintino fala da necessidade de um processo de recuperação da memória científica, para contrariar a «trajectória de esquecimento» a que foi votado o cientista e o seu Laboratório, desde que este encerrou em 1979. «Em Coimbra é onde mais falta recuperar a memória de Armando de Lacerda», assinala, «é mais conhecido fora, tal como na época era. Teve na FLUC muitas resistências, as Letras são mais contemplativas. E um laboratório com cientistas de bata branca aqui a circularem, e muitos estrangeiros que vinham, era uma excentricidade no seio da Faculdade». 

E o que é então Fonética Experimental? É o estudo dos sons da linguagem através de instrumentação, complementando o ouvido dos linguistas com aparelhos específicos. Lacerda era um instrumentalista, «respondia depois de os instrumentos darem a resposta, muito inovador à época. O que se diz é que a Direcção da FLUC da altura, com Eugénio de Castro, queria ser inovadora na Fonética Experimental e quis instalar o Laboratório. Internamente houve muitas resistências, não só aqui. Os foneticistas e linguistas dos anos 30 e 40 não aceitavam bem a instrumentação para os estudos da fala».

Laboratório de Fonética Experimental

No piso 2 da FLUC, sobre uma porta, vêem-se palavras, quase imperceptíveis. Percebe-se «Laboratório de Fonética Experimental», letras apagadas. Dez salas deste piso estavam-lhe dedicadas, funcionam agora como gabinetes e funções acessórias. O Laboratório funcionou aqui de 1951 até encerrar, vindo da antiga Faculdade de Letras, que se situava onde agora está a Biblioteca Geral. «Tudo isto foi pensado de raiz para ser o laboratório, era um espaço gigante», aponta Quintino. «Tornou-se um laboratório de referência mundial, dos anos 30 aos 50. Nos anos 60 já é diferente, começa a haver nova instrumentação e o laboratório começa a entrar em declínio. Armando de Lacerda manteve grande prestígio nos anos 60 e 70 no estrangeiro, sempre como uma grande referência, como membro honorário de congressos mundiais de fonética». Lacerda também instalou o primeiro laboratório de fonética da América do Sul, nos anos 50, em São Salvador da Bahia, Brasil.

O Laboratório colocou Portugal no topo mundial desta área do conhecimento, cientistas de todo o mundo vinham para aprender com Armando de Lacerda e ficavam impressionados com o que viam, nas palavras de Quintino. «O que aconteceu com Lacerda é que não foi só ele a ir para fora. Aquela história dos cientistas se irem actualizar cientificamente nos grandes centros, Londres, Paris, etc. aqui era ao contrário. Coimbra é que era o centro. É ímpar, é um legado para a fonética». 

Pouco resta e o que existe está disperso. Armando de Lacerda jubila-se em 1972 e, durante a década de 70, o laboratório foi sendo desmantelado. A biblioteca do Laboratório ocupa três estantes, é considerada pequena como biblioteca, mas é descrita como sendo «bastante especial», já que tem bibliografia que não existe noutras bibliotecas nacionais. É uma biblioteca especializada em fonética, com cerca de mil e setecentos volumes de monografias. Os cientistas que vinham de fora traziam as suas publicações e ofereciam-nas ao Laboratório.

Acervo

Descemos mais um piso. Aqui repousa o maior depósito do edifício, com cerca de 70 mil livros, independente da Biblioteca Geral. Não é o único depósito, há cerca de meio milhão de livros espalhados por vários locais da FLUC, em depósitos e micro-bibliotecas. São números impressionantes.  

Carla Ferreira tem a função de conservadora do acervo do Laboratório, o espólio bibliográfico de fonética. Explica que é a sua responsabilidade, «uma vez que acolhemos a biblioteca do Laboratório, temos à nossa responsabilidade. Temos recorrido aos nossos recursos e aos nossos técnicos, não tivemos ainda possibilidade de avançar muito, temos a biblioteca mais de metade tratada. Depois o espólio que pertenceu [a Armando de Lacerda] é que está a aguardar tratamento porque é outro tipo de material, é material de arquivo, fotografias, documentos. Nós não temos ninguém formado nessa área, portanto teremos que aguardar».

Ocasionalmente, aparece mais uma caixa com material do Laboratório. Tanto Carla como Quintino dizem que não é incomum: «Eu acredito que aqui em Coimbra ainda se vão encontrar mais coisas. Um dia, quando se abrir estas portas e vãos de escadas, em sítios cheios de pó, vão aparecer». Quando os espaços foram desmantelados, perdeu-se o rumo de muito material, não houve registo.

Alguns instrumentos seguiram para Lisboa, já que ao mesmo tempo que encerra o Laboratório de Coimbra, começa o Laboratório de Fonética da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com Raquel Delgado Martins. Outros instrumentos ficaram em Coimbra, no Museu da Ciência da Universidade de Coimbra (MCUC). Muitas obras foram absorvidas pelo Centro de Estudos de Linguística Geral e Aplicada (CELGA), da FLUC, e há também espólio documental em várias universidades estrangeiras, como Harvard e Wisconsin-Madison

Porque, como clarifica Quintino, «os discípulos de Lacerda tornaram-se catedráticos em Harvard, na Austrália, etc. Ele aqui não fez escola, fez escola pelo mundo. As gravações que ele fez no Laboratório eram usadas nas aulas em Harvard. [Lá] fora é mais facilmente reconhecido que internamente». 

Arquivo sonoro dos falares portugueses

Armando de Lacerda recolheu falares regionais no Algarve e Alentejo e ainda foi à Nazaré. Era um projecto de recolha diferente dos inventários linguísticos empreendidos pelos linguistas Paiva Boléo e Lindley Cintra, que recolhiam de ouvido e transcreviam os fonemas, não gravavam. Segundo Quintino: «Lacerda e os seus discípulos, muitos deles colaboradores estrangeiros, faziam um trabalho não só pelo ouvido, era com instrumentação. O Paiva Boléo tinha alguma desconfiança, embora tivessem boas relações».

No acervo há o registo das pessoas que foram entrevistadas sobre se sabiam ler e escrever, escolaridade ou se alguma vez tinham saído do local onde nasceram. «Dá para ter uma ideia do Portugal rural, numa época em que era proibido haver estudos sociológicos. O Estado Novo nunca iria permitir isto», conta Quintino, «Este trabalho de campo era feito percorrendo os lugarejos e as aldeias, Alentejo profundo, o mais profundo que se possa imaginar». A mulher de Lacerda garantia a abertura de mulheres e crianças, desbloqueava-as.Estas gravações ainda não foram encontradas. No MCUC há várias bobinas do Laboratório, digitalizadas em colaboração com a Universidade de Estocolmo, mas não apareceram ainda os falares regionais.

Respeito pelo passado, ideias para o presente

Para Quintino Lopes, o grande objectivo, a nível da Universidade de Coimbra, seria «reconhecer que Armando de Lacerda faz parte da história da Universidade, perceber que este é um dos seus momentos áureos, especialmente da FLUC. É que não falamos aqui de um dos grandes nomes da ciência nacional, falamos de um dos grandes nomes da ciência mundial». 

Esse reconhecimento parece faltar, assim como uma homenagem física. «Na minha óptica», afirma, «devia haver aqui uma exposição, numa sala recuperada, mostrar o acervo. Talvez numa sala aqui na FLUC, que tem actualmente as funções de sala de leitura. Como investigador, agradar-me-ia ver o nome reconhecido numa sala ou numa ala. Por exemplo, esta ala ser Armando de Lacerda. Não é só mais um doutor da FLUC, era um cientista de excepção». Esta excepcionalidade justificou, por exemplo, o grande colóquio que se organizou no Porto, com a participação de grandes nomes da fonética internacional, comemorando os 120 anos do nascimento de Armando de Lacerda.

Para João Luís Fernandes, professor da FLUC, com o pelouro da internacionalização e inovação: «A política desta faculdade é a tentativa de recuperação dos espaços e trazer tudo isto naturalmente para a visibilidade. Temos aqui muitas histórias e muita memória. Estes projectos são de facto fundamentais». Quintino continua: «No Porto temos a casa de família, toda recuperada. É preciso perceber uma coisa, o Armando de Lacerda nasceu no Porto, licenciou-se na Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Depois, a vida académica, os 40 anos de trabalho, foi dedicado a Coimbra». 

Além da sugestão de musealização, é preciso tratar do espólio. Para Carla Ferreira, é simples: «Faltam recursos, humanos e financeiros. Não temos o espólio divulgado, é um segredo ainda e não queremos que seja um segredo. Não queremos ter aqui os tesouros escondidos, [mas sim] mostrá-los, essa é a nossa grande missão. Mas para isso precisamos de os ter tratados».

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