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Esta é a nossa Fronteira da Paz e é de visita obrigatória

É muito importante nunca esquecer que, mesmo na Alemanha, houve resistência antinazi, diz Margarida de Magalhães Ramalho. Muitas vezes fazemos tudo a preto e branco e não é, isto está tudo cheio de nuances, tudo cheio de situações às vezes muito claras e que são importantes de perceber, continua a historiadora, responsável (e apaixonada) pelo […]

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É muito importante nunca esquecer que, mesmo na Alemanha, houve resistência antinazi, diz Margarida de Magalhães Ramalho. Muitas vezes fazemos tudo a preto e branco e não é, isto está tudo cheio de nuances, tudo cheio de situações às vezes muito claras e que são importantes de perceber, continua a historiadora, responsável (e apaixonada) pelo extraordinário pólo museológico de Vilar Formoso, Fronteira da Paz – Memorial aos Refugiados e a Aristides de Sousa Mendes.

Fruto de uma imensa pesquisa e contacto com quem viveu aquela época, existe desde 2017 junto à belíssima Estação de Caminhos de Ferro de Vilar Formoso um espaço excepcional, quer em termos arquitectónicos, quer em termos de conteúdo, feito em homenagem ao cônsul português em Bordéus que, em Junho de 1940 e ao arrepio das ordens recebidas, emitiu milhares de vistos permitindo a fuga para a liberdade a muitos que fugiam ao nazismo. 

Mas o nosso Schindler português está longe de ser o único herói e o único homenageado neste surpreendente espaço, criado pela Câmara Municipal de Almeida, que relembra o papel crucial que Portugal desempenhou no acolhimento aos refugiados durante a II Guerra Mundial. 

Ao longo de 6 núcleos, minuciosamente pensados e bastante sensoriais e interactivos, somos convidados a vestir a pele de um refugiado no percurso até à liberdade. O Fronteira da Paz está integrado no projecto da Rede das Judiarias de Portugal – Rotas de Sefarad e foi construído a partir de dois armazéns já existentes que definem o limite Sul/Sudoeste do Largo da Estação. Tivemos o privilégio de mergulhar na experiência dos refugiados europeus que, durante a IIª Guerra Mundial, tiveram como uma das poucas hipóteses de salvação a fuga através de Portugal, onde ficaram até à posterior partida (na maioria, para a América) pela mão de quem a concebeu.

Gente como nós

No início, a chamada normalidade. Gente como Nós, antes de verem as vidas serem viradas do avesso com a ascensão ao poder de Hitler, na Alemanha, em 1933. Depois, ao longo de um corredor com forma hexagonal (como a Estrela de David), propositadamente escuro e fresco, começa O Início do Pesadelo. Histórias de famílias como a Arons (pais e avós do jornalista e político português Arons de Carvalho) que, em 1940, começaram a sentir a pressão das leis raciais e abandonaram as suas vidas para fugirem rumo ao desconhecido. As que, como essa, chegaram antes de a guerra estalar, já não continuaram a viagem. Ficaram por cá. Progressivamente decrescente, no corredor os diversos planos confluem num ponto de fuga imaginário, à altura dos nossos olhos e o efeito é o de como se estivessemos a ser sugados e empurrados para o fundo. Do boicote aos judeus à queima de livros, vêem-se imagens e lêem-se descrições sobre o controlo das mentalidades, a propaganda, a violência e a utilização das crianças e jovens em todo o processo que, a partir de 1942, passava pelo extermínio de judeus e restantes impuros como homosexuais, ciganos ou portadores de deficiência. 

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Luz ao fundo do túnel

Guerra civil espanhola, invasão da Polónia, queda de Paris, quando damos por nós temos uma estrela amarela na roupa – efeito criado através de um foco de luz. A partir de 1940, todos os judeus são obrigados a usá-la, para serem rapidamente indentificáveis; não podiam entrar nos cinemas, nos transportes públicos, nas piscinas públicas nem nos jardins, explica Margarida de Magalhães Ramalho. Aqueles que tiveram o bom senso de nunca a porematé porque fisionomicamente ninguém diria que eram judeus, conseguiram muitas vezes passar entre os pingos da chuva e sobreviver, continua.

O corredor termina com um filme. Percebe-se que é original, de um comboio de mercadorias. É um dos que mostram pessoas a entrar sem saber que vão para o campo de extermínio de Auschwitz. Virando à esquerda, a história termina. Todos sabemos como. Seguindo pela direita, outro destino: a esperança. Que passava por aqui.

Por terras de Portugal

Nos núcleos A Viagem e Novo Volume da Viagem – um volume quase suspenso que se inspira na forma e dimensões de um comboio, com o pavimento, as paredes e o tecto inclinados -, mostram-se as condições duras do percurso de fuga. Das filas à porta dos consulados para obtenção de vistos à falta de alojamento, de comida e de transportes. A certo ponto, aparece Aristides de Sousa Mendes. O homem que, felizmente para muitos, esteve nesse caminho de fuga. Mas há outros nomes, outros heróis, e entre os refugiados estão caras ou nomes conhecidos, como Salvador Dalí e a sua mulher e musa Gala. De respente, a ideia de expansão e abertura. De luz e de comunicação com o exterior. Como Aristides de Sousa Mendes, personagens como Carlos Marta pagam viagens a refugiados para os Estados Unidos. No ano passado tivemos cá estas duas meninas, aponta a nossa guia especial. Agora são duas senhoras, pouco mais velhas do que eu, e vieram cá de propósito ‘ver-se’. As pessoas têm necessidade de vir perceber aquilo por que passaram.

Comboio maldito

Vilar Formoso era a principal fronteira de entrada em Portugal, para quem vinha de comboio ou de carro. Na penúltima secção começa a ficar tudo azul, mas nem todas as histórias são bonitas e com final feliz. Há a do chamado Comboio Maldito – o comboio com cerca de 300 Judeus luxemburgueses a quem foi negada a entrada em Portugal, em Novembro de 1940. Os refugiados ficaram retidos durante cerca de uma semana num comboio estacionado na Estação de Vilar Formoso, à espera do veredicto. Mas para muitos, aqui foi, de facto, a Fronteira da Paz.  

Depois de cumprirem as formalidades, a maioria dos refugiados era encaminhada para estâncias balneares e termais, onde ficavam em residência fixa. A linha de caminho-de-ferro da Beira Alta foi um dos principais meios de transporte para o escoamento e distribuição. Há imensos percursos expositivos para ver. 

Partir ou começar de novo

Os refugioados ficavam em cidades como Lisboa, Porto e Coimbra, estâncias termais como o Luso e o Buçaco, Curia e Caldas da Rainha e estâncias balneares como a Figueira da Foz, Ericeira e Praia das Maçãs, Azenhas do Mar, Estoril e Cascais, entre outras. Já quase no final, o núcleo Partida mostra os locais de onde os refugiados descolavam para o Novo Mundo, de hidroavião, barco ou, mais tarde, de avião.

O entusiasmo de Margarida Magalhães Ramalho é contagiante. Convidada pela Câmara Municipal de Almeida, começou a conceber o pólo museológico em 2012, juntamente com a arquitecta Luísa Pacheco Marques. O actual presidente também está bastante apostado porque, apesar de tudo, estamos com bastantes visitantes, diz. A entrada é gratuita e pode-se pedir, também gratuitamente, um audio-guia.

Vale a pena visitar a Loja e o espaço Saber Mais, no final da visita. Tem uma parede-instalação-memorial com fotografias contemporâneas das famílias que devem a sua continuidade aos vistos emitidos por Aristides de Sousa Mendes. Isto é uma história que nunca acaba, neste instante acrescentaríamos já mais uma ala – se espaço houvesse -, além de isto ser um espaço onde acontecessem coisas inacreditáveis, diz Margarida Magalhães Ramalho, com muita vontade de nos dar mais e mais alimento para a alma. Conta que uma vez, num grupo de visitantes judeus do Brasil, um deles disse-lhe que tinha nascido no campo de concentração de Dachau, na Alemanha. Sou uma das 12 bebés que se salvaram, diz comovida.

Margarida constrói este interminável levantamento sobre os refugiados da Segunda Guerra Mundial em Portugal há 20 anos, e mesmo assim diz que é rara a vez que não chora. Aquilo que percebi é que é importante para as pessoas sentirem que aquilo que aconteceu foi reconhecido e que as pessoas se emocionam e se comovem com isto, percebem que as pessoas passaram por uma coisa horrível, que aquilo é importante. Se ao menos servir para isso, melhor, atira. É muito interessante do ponto de vista humano, porque vai trazendo mais histórias e que é também é uma lição de vida para nós, que nos queixamos imenso de tanta coisa.

Informações úteis

Morada: Largo da Estação, 6355 Vilar Formoso

Contactos:
271 149 459 | www.cm-almeida.pt

Horário:
3ª a 6ª: das
9h às 12h30 e das 14h às 17h30 / Sábados, Domingos e Feriados das 10h às 12h30 e das 14h às 17h30. Encerra à 2ª, 1 Novembro, 24 e 25 Dezembro e 1 Janeiro. 

Texto e fotos: Filipa Queiroz

Viajámos até Trancoso a convite do Turismo do Centro e a propósito do lançamento dos roteiros “Road Trips Centro de Portugal – 1 é bom, 2 é ótimo, 3 nunca é demais”. Podem ver o roteiro da Região Serra da Estrela aqui

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