Esta história começa há oitocentos anos, quando Fernando de Bulhões vivia em Coimbra. Não ficou por aqui muito tempo, mas o tempo que passou aqui é historicamente referido como essencial para compreender o mais conhecido (e desconhecido) português do mundo. O período conimbricense da vida do Santo é agora tema de um projecto turístico e cultural que foi distinguido na Geração Coolectiva, a iniciativa gratuita de geração de ideias e capacitação cívica promovida pela Coimbra Coolectiva.
Foi a parceria de Alice Luxo e Rafaella Borges que deu novas pernas para o famoso santo voltar a caminhar pela cidade: «Mais do que turismo, Caminhos de Santo António é um convite a (re)descobrir lugares iluminados e os territórios envolventes, com um novo e saboroso olhar», diz a dupla sobre este passeio guiado.
Elas são as criadoras da iniciativa que completou um ano no dia 13 de Junho (não por acaso). Alice conheceu Rafaella quando esta fazia o curso de guia na Escola de Hotelaria e Turismo. Marcaram um primeiro encontro, as conversas se transformaram em reuniões intensas de trabalho: em cima da mesa colocaram o desafio de estruturar, num passeio, os passos de Santo António e envolver as pessoas nesta história. Decidiram inscrever a ideia numa premiação de turismo e isso as levou a avançar mais rapidamente. Era março de 2022 e a primeira caminhada arrancou três meses depois.
O passeio
Neste primeiro ano, o projecto recebeu cerca de 100 participantes. A dupla comemora e investe em novos desafios, um próximo passo seria alargar o passeio para outros territórios. Participámos na caminhada de aniversário, dia 13, numa manhã chuvosa, mas auspiciosa. Percorremos os três quilómetros de passeio urbano, desde Igreja de Santo António dos Olivais até ao Mosteiro de Santa Cruz, num percurso inverso ao da cronologia de Santo António por ser esta uma forma mais confortável e acessível para quem participa.
Tudo começa na Igreja dos Olivais, o lugar que na época do Santo acolhia doentes e marginais, num hospício dedicado a Santo Antão (um santo egípcio do início do cristianismo no Oriente, considerado o Pai dos Eremitas Cristãos). Ali ficava o ermitério onde Santo António viveu, numa gruta que lhe servia de cela. O passeio adentra a Igreja e mostra vários espaços que não costumam estar abertos ao público. Muitas vezes o pároco franciscano Fabrício Bordin está por perto e distribui informações privilegiadas.
A segunda paragem é a Faculdade de Economia na Avenida Dias da Silva, com o torreão característico e a história do edifício. Um atalho encurta o caminho para o Mosteiro de Celas e a história deste lugar, que começa em 1221, é contada no Claustro, considerado um dos melhores do estilo gótico em Portugal, com os famosos capitéis historiados.
Nem tudo é caminhada entre os Olivais e Santa Cruz. Alice e Rafaella adicionam um pouco de açúcar ao passeio: «Tem que ter o doce… afinal estamos em Coimbra. A meio do caminho, incluímos uma paragem na Pastelaria Tosta Rica para saborear uns Mimos de Santo António, um doce criado em homenagem ao santo, uma receita premiada. É o primeiro momento de interação com o comércio tradicional da cidade, fazemos questão disso, até porque Santo António está um pouquinho por todo o lado. A ideia é mesmo essa: servir a história dando a conhecer como estão os territórios atualmente», pontuam as guias.
A seguir, vem a visita ao Jardim da Sereia e, junto, as histórias dos seus inúmeros degraus, fontes e estátuas: «Aqui não há nenhuma sereia e sim um Tritão» avisa Rafaella, e complementa que «há sempre coisas novas para aprender, mesmo em lugares que se frequenta há muito tempo, porque acabamos por fazer uma colcha de retalhos com esse aprendizado mútuo entre nós e os participantes. Também notamos a criação espontânea de uma espécie de comunidade sobre o tema. Tem sido muito comum receber mensagens e fotografias de participantes que estiveram em outros países e que viram um vestígio histórico de Santo António e nos enviaram, como forma de partilha mesmo».
A caminhada segue até ao Mercado D. Pedro V, onde Alice e Rafaella falam sobre a conversão do Mosteiro de Santa Cruz na construção da cidade de Coimbra. Este tema acompanha o grupo até o ponto final: a igreja de Santa Cruz.

Além desta repórter e do fotógrafo da Coimbra Coolectiva, fizeram este passeio de aniversário as turistas Piedade, Vera e Edite. Contam que descobriram o projecto através das redes sociais e decidiram fazê-lo para visitar Coimbra de maneira especial. Foram amigas da época do liceu, em Aveiro, mas depois cada uma foi para um lado diferente. Estiveram em Coimbra em épocas distintas e agora se reencontraram, comentam que o passado delas também passou por Coimbra, assim como o de Santo António e, então, nada mais apropriado do que um reencontro com este passeio a mistura.
Apesar do Caminhos de Santo António ser um passeio a pé, um walking tour, este pode ser feito com transporte, se houver necessidade de o adaptar a situações de acessibilidade. Neste dia, só foi preciso recorrer ao chapéu de chuva e apenas no início do trajeto porque, entretanto, o sol abriu. Era realmente dia do Santo.