Através de um dispositivo, envolvendo uma câmara de vídeo e um ecrã, quem quiser senta-se, conta e vê-se a contar o que pensa sobre a Baixa. Através da fala, seja o cidadão como a moradora, a criança ou o presidente de Câmara Municipal, resgatam a relação afectiva que têm com a sua cidade e contribuem para a criação de um precioso banco de dados, onde os depoimentos ficam gravados e constituem um memorial videográfico, que pode ser actualizado constantemente.
Uma Cabine da Palavra, instalada dentro da vitrine da Lojazero da Bienal de Arte Contemporânea de Coimbra, no Largo do Paço do Conde, é uma das propostas do evento Rua Zero – (Re)imaginando Coimbra, que promete levar muita vida e sobretudo intenção de revitalização, recuperação e ocupação da Rua Adelino Veiga. Dia 11 de Junho, é dia de deixar o carro em casa e explorar a mítica via da baixa da cidade, que recupera a sua centralidade através da iniciativa integrada no Festival do Novo Bauhaus Europeu que, entre os dias 9 e 12 de Junho, acontece em Bruxelas e outras 200 cidades europeias.

Junto à espécie de videoteca humana vão estar uma urna de ideias, um tear com tecedeiras de Almalaguês e vão acontecer uma oficina para crianças, momentos musicais, uma roda de conversa, convívio e poesia do homem que deu nome à rua. O evento paralelo do Novo Bauhaus Europeu em Coimbra é promovido pelo Colectivo Rua Zero, grupo aberto e informal que junta entidades e indivíduos com especial interesse e ligação ao Centro Histórico de Coimbra.
Agarrando o nome da primeira escola de design do mundo, o mote do movimento criativo e transdisciplinar é ser uma ponte entre o mundo da ciência e da tecnologia, da arte e da cultura, lançando o desafio de aproveitarmos os nossos desafios verdes e digitais para transformarmos as nossas vidas para melhor e convida a abordar problemas sociais complexos através da co-criação. A nível Europeu, o festival tem como objectivo juntar, de forma inclusiva e participativa, cidadãos interessados em debater e desenhar colaborativamente o futuro das suas comunidades. Apresenta-se como uma oportunidade de explorar os valores que são a base da iniciativa Novo Bauhaus Europeu, impulsionada pela Comissão Europeia no final de 2020 e que, desde então, tem vindo a construir um movimento pan-europeu em torno das ideias da beleza, sustentabilidade e inclusão.
Em Coimbra, o Festival do Novo Bauhaus Europeu toma a forma de uma celebração que ocupa, durante um dia inteiro, a Rua Adelino Veiga, transformada em metáfora de uma Coimbra por vir, um campo aberto de possibilidades para a acção colectiva com o objectivo único de transformar positivamente o entorno urbano.

A iniciativa Rua Zero: (Re)Imaginando Coimbra tem como antecedentes as múltiplas intervenções que, desde Dezembro de 2021, se têm vindo a produzir na Rua Adelino Veiga. O COL.ECO, a Biblioteca da Baixa e, mais recentemente, a Lojazero, uma proposta do Anozero – Bienal de Coimbra, abriram caminho informais a este evento colaborativo e que ambiciona perdurar no tempo, estando já previstas outras actividades para os próximos meses, seguindo a mesma lógica de trabalho em parceria entre associações, empresas, indivíduos e colectivos informais.
A ideia é transportar para o presente o canal de memórias da Adelino Veiga, das lojas de brinquedos e do comércio, dos passeios de fim-de-semana e das passagens do dia-a-dia, e criar uma via para o futuro. Em pleno centro histórico de Coimbra, classificado como Património Mundial pela UNESCO em 2013, vão-se lançar soluções para melhor conservar e proteger aquilo que torna único o sítio onde vivemos e onde queremos ter vontade de levar os nossos filhos, amigos e visitantes.

Adelino Veiga
Na tarde de 11 de Junho, um microfone vai estar aberto a quem queira atirar à rua e à cidade a poesia do operário Adelino Veiga, personagem querida da Baixa. Adelino nasceu no número 19/21 da então Rua das Solas, em 1848. Toda a sua vida aconteceu ali, entre cafés, oficinas, cafés, restaurantes e festas, no final do século XIX. Envolvido tanto nas causas operárias como as dos artistas, o latoeiro de metais de cobre também foi chapeleiro, jornalista e dramaturgo. Futrica, e por isso nem sempre aceite pelos «doutores», escrevia sobre os direitos do trabalhador e assina as obras «Bandolim do Cantador», «Guitarra da Alma Viva» e «Lira do Trabalho».
Foi Marnoco e Sousa que pediu a alteração do nome da via, que também se chamou Rua dos Tanoeiros, nomes evidentemente relacionados com os ofícios que lá se praticavam. No Sábado, a maior parte dos momentos acontecem no Largo do Paço do Conde, a meio da rua, que se chama assim desde XVII por causa do edifício do Conde de Cantanhede, D. Pedro de Meneses, que chegou a destinar-se a receber «mulheres convertidas da vida pecadora e dissoluta e de donzelas em perigo iminente de perda da sua honestidade» (in «Ruas de Coimbra», Mário Nunes) e serviu de texto para crianças carenciadas em época de fome. Na mesma zona existiu uma famosa estalagem que recebia «almocreves, passageiros e caminhantes», não fosse aquele o caminho mais curto entre o rio, o caminho de ferro e o centro da cidade, além da primeira fábrica de massas do distrito, destruída por um incêndio no século XIX.

Rua Zero
Sábado, a partir das 10h, crianças moradoras e frequentadoras da Baixa estão convidadas para conversar sobre como a Baixa pode ser mais «amiga das crianças». Num exercício de cidadania e aprofundamento da democracia com um grupo de pessoas que normalmente são deixadas de fora da definição das políticas locais e consideradas incapazes, a cidadania dos mais pequenos deixa de ser só futura na oficina «(Re)imaginar a Baixa com as Crianças», no novo espaço COL.ECO. A actividade é gratuita e é preciso inscrição, é só aparecer.
Depois de uma sessão de abertura, onde é explicado o NEB e contextualizada a Rua Zero, o convite é para deixar fluir o convívio e as ideias, algumas agarradas na Cabine da Palavra, outras na urna de ideias e futuros da Coimbra Coolectiva, que depois serão reunidas, analisadas e transformadas em propostas de facto. No Rua Zero, a música e a poesia embalam os ânimos mas sem deixar esquecer assuntos como a importante relação entre o universo rural e urbano de que Coimbra é feito, nomeadamente através da presença de Tecedeiras de Almalaguês que vão demonstrar a sua arte que adultos e crianças podem experimentar, sob risco de serem também surpreendidos por cantares tradicionais.
A Rua Zero quer ser a primeira de muitas possibilidades bonitas, inclusivas e sustentáveis para Coimbra e a sua Baixa em particular. Quer «transformar a memória em memorável, o hoje no amanhã, e apontar a luz para esse caminho de mãos dadas e os cinco sentidos bem apurados», elevando a Baixa numa nuvem de boas energias, naquele que se quer que seja o princípio de um futuro melhor para a zona da cidade, acreditando que pode estar nas mãos de quem lhe quer bem e de quem pode «abrir as portas fechadas da rua, deixando a criatividade e o empreendedorismo entrar».

Soluções precisam-se
O objectivo do Colectivo Rua Zero é mostrar como poderia ser viver a Adelino Veiga em todo o seu esplendor e despertar o interesse da comunidade para os problemas sociais – como a falta de investimento público e privado, os edifícios em mau estado de conservação, o espaço público carente de comodidades importantes, a falta e o envelhecimento da população, a concentração de indivíduos e famílias com necessidades económicas graves e em risco de exclusão social e o consumo de drogas a céu aberto -, no sentido de pressionar quem pode pôr em prática soluções, ciente de que elas podem ser melhor concebidas através de práticas colaborativas e participativas, acreditando que o envolvimento artístico e comunitário é de importância fundamental para desenvolver qualquer tipo de programa de renovação urbana.
Além do comércio, há quem acredite que a Baixa vai avançar pela arte e que a rotina das ruas que são caras a grande parte da população da cidade tem de ser dinamizada pelo criativo e através de novos mecanismos financeiros e novas soluções, saindo dos sistemas clássicos de financiamento. O programa de dia 11 de Junho, desenhado a várias mãos, contempla desde pequenos concertos a oficinas destinadas a vários públicos, desde crianças a adultos.

RUA ZERO
10h00 | Sessão de Abertura, «A Cidade, a Região de Coimbra e o Novo Bauhaus Europeu», Largo do Paço do Conde
10h30 | Tecedeiras de Almalaguês, demonstração do uso do tear e animação com canções tradicionais, Largo do Paço do Conde
10h30 | Cabine da Palavra – A Baixa do presente, passado e futuro, Lojazero
10h30 – 12h | (Re)imaginar a Baixa com Crianças (Oficina), COL.ECO (piso intermédio)
10h30 – 19h | Urna de Ideias e Futuros da Coimbra Coolectiva
11h30 | Experiências COL.ECO
12h | Showcase de Alex Lima, Loja Tecidos de Coimbra
13h-14h30 | Almoço (Sardinha e Companhia), Largo do Paço do Conde
15h – 16h30 | (Re)imaginar a Baixa com Crianças (Roda de Conversa), COL.ECO (piso intermédio)
15h30 | Showcase de Salvador Granate, Largo do Paço do Conde
16h | «Conto e Canto os dias» por Lu Lessa Ventarola, Largo do Paço do Conde
16h – 17h30 | Oficinas COL.ECO (destinadas a crianças), COL.ECO (piso superior)
16h30 | Poesia de Adelino Veiga, vários pontos da Rua Adelino Veiga
17h00 | Showcase Carlos Serra, Largo do Paço do Conde