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Querem pôr miúdos a abanar o capacete ou avós? É com estes artistas.

Nem sabemos bem por onde começar. O trabalho de Ana Bento é como uma cebola, camada após camada descobre-se um sem fim de projectos, cada um mais interessante do que o outro e sempre virados para o contacto próximo com a comunidade, sobretudo aqueles que normalmente são mais esquecidos – os mais novos e os mais velhos de todos. A artista e o companheiro, Bruno Pinto, têm-se desdobrado em deliciosas propostas, algumas reinventadas durante a pandemia. A nossa prática já era assim, estar sempre à procura de alternativas e arriscarmos, pessoas que trabalhem em formatos mais rígidos ou mais específicos está muito difícil, diz Ana ao telefone. Também somos um bocado hiperactivos e tentamos usar isso para o bem, atira.

Enquanto prepara Tatabitato, a oficina de música para miúdos dos 0 aos 5 anos agora trasmitida online, também prepara o espectáculo itinerante, agora em versão portátil, da banda Tranglomango. Em banho maria, à espera da reabertura dos palcos, está o espectáculo musical Tangerina, que o casal faz com os quatro filhos e que ainda conseguiram estrear dia 1 de Junho, no Teatro Viriatoem Viseu. O single Centenário das Palavras já tem vídeo e podem (e devem!) vê-lo aqui. Mas há mais. Sempre no âmbito da associação Gira Sol Azul, Ana e desta vez o amigo Ricardo Augusto retomaram os ensaios do projecto A Voz do Rock. 

A começar pelo grande trocadilho que fazem com o nome, o projecto consiste na incrível ideia de pôr um grupo de idosos octogenários de Viseu a partilhar o palco com os artistas para cantar rock. Retomámos os ensaios também num formato ao domicílio até podermos juntar o grupo, explica Ana. Conhecem o tema Toma o Comprimido, de António Variações? Então vejam este vídeo. A ideia é, quando houver concertos ao vivo, juntar-se o resto do colectivo. A Voz do Rock existe há 6 anos mas ainda sem apoios, diz a enérgica artista, que conhecemos no ano passado a propósito disto e que ao trabalho junta as lides domésticas com Úrsula, Jasmim, Olívia e Artur em casa para cuidar. Para quem está de fora é muito lindo mas o pessoal também anda aqui à batatada, entre videochamadas, aulas na RTP e crises existenciais, do mais velho ao mais novo e incluindo os pais, conta. Estou a exagerar? Estão ali a dizer que estou a exagerar, continua. Fala-nos desde casa, em Viseu.

Em Março deste ano, por causa da pandemia de Covid-19, todos os trabalhos que a Gira Sol Azul tinha marcados foram cancelados. Tínhamos de nos mexer para o futuro, porque isto é difícil, afirma Ana Bento. Também tivemos sorte por conseguimos propor alguns formatos alternativos de trabalhos, coisas que já fazíamos e que repensámos, e encontrar quem nos apoiasse que foi o caso da Fundação Lapa do Lobo. 

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Tatabitato

Ana Bento fazia sessões com crianças na Casa da Música desde 2008 quando, recentemente, criou com Bruno Pinto a Tatabitato. É uma oficina de música para bebés e crianças até aos 5 anos com sessões regulares em Viseu, dirigido aos miúdos mas onde pais, avós ou outros adultos também participam. Estávamos num ponto fixe, tínhamos um grupo super interessado, com uma dinâmica muito interessante, mas veio isto do confinamento e deixámos de poder estar com as pessoas, conta a artista. Apesar de ser muito resistente à cena do digital, porque a natureza dos seus trabalhos é exactamente o oposto, no 25 de Abril fizeram uma sessão transmitida online, com temas de Zeca Afonso. Correu bem, claro que não estamos ao pé das pessoas, não podemos dar [aos participantes] materiais para manipularem, mas encontrámos um esquema que funciona, que é pensar em coisas que toda a gente tem em casa. Por exemplo: Para a sessão de hoje, por favor tragam um tupperware, uma colher de pau e uma garrafa de plástico com arroz lá dentro! 

O facto de a filha mais nova ter alinhado ajuda. Úrsula é a convidada especial, todos os Sábados de manhã. O custo de cada sessão é um donativo consciente que o grupo sugere que seja de 5€ por família, mas também convida quem não tem possibilidade de pagar. Temos bastantes casos desses, pessoas que já conhecíamos, que vinham às sessões ao vivo e a quem disponibilizamos o link. A vida tem sido generosa connosco, acho que é uma coisa orgânica, remata a artista. A gravação da transmissão fica disponível durante uma semana para os participantes poderem voltar a fazer as propostas, com um guia de exploração do repertório incluído. São temas originais e de outros artistas, devidamente creditadas, de estilos que vão desde a música tradicional portuguesa ao rock  norte-americano. Podem 

Trangolomango

Tranglomango é uma banda com dois discos editados, cujo repertório é uma mistura de arranjos de temas do cancioneiro português e temas originais inspirados em histórias tradicionais portuguesas. Temos a particularidade de vir todos da aldeia, todos crescemos em contexto rural, então também somos muito influenciados pela nossa infância, explica Ana Bento que é de Lustosa. Bruno é de Vila Pouca, Miguel Rodrigues (bateria) é de Tibaldinho, Ricardo Augusto (acordeão e voz) é de Pindelo dos Milagres e Catarina Almeida (voz, trompete e guitarra) é de São Pedro do Sul. Normalmente, Ana toca baixo mas agora no projecto Concertos ao Domicílio, criado para este período de pandemia, apenas com Bruno Pinto, a artista toca percussão e melódica. É giro porque para já as pessoas são surpreendidas, vamos a contextos de bairros e praças, fazemos mini-concertos de 20 a 25 minutos em cada ponto, numa tarde de domingo vamos a vários sítios, conta. Já passaram por Nelas, Canas de Senhorim e Lapa do Lobo, segue-se Carregal do Sal. As pessoas ficam muito emocionadas e temos a particularidade de não ter um conceito qualquer, refere Ana. O espectáculo é feito de histórias verídicas de pessoas reais que depois se concretizam numa canção. 

Tangerina

A co-produção com o Teatro Viriato, com a colaboração de Joana Providência, mesmo antes de o espaço encerrar devido à pandemia. Arriscámos continuar a criação e conseguimos, mesmo no limite, ter uma escola a assistir e uma sessão presencial com famílias. Gravámos e durante a semana foi transmitido, até acabámos por chegar a mais público, conta Ana Bento. O disco está a ser preparado, no qual se inclui Centenário das Palavras, de que falámos em cima. A esperança dos artistas é levar o Trangolomango a mais lugares, o Tangerina aos palcos e escolas de todo o país, o Tatabitato de volta às sessões presenciais e continuar A Voz do Rock. No princípio pensei que iamos parar só um bocadinho e “já voltamos”. Depois percebi: “OK, não vamos voltar assim tão depressa, vamos aqui tentar encontrar um equilíbro”. Agora o que estou a tentar fazer é isso. Não quero ser radical, está muito na moda tudo online ou formatos adaptados, eu digo “sim” para agirmos já mas não desistir de coisas que ainda não é possível fazer mas que podem vir a ser. Estou a tentar manter os dois pensamentos. Isto é um formato que surgiu por uma necessidade, de contrariar a natureza daquilo que fazemos, que é precisamente juntar pessoas, mas acaba por ter uma visão e um retorno, a perceber que há outras coisas. Há pessoas que não iriam ver os nossos espectáculos, por qualquer motivo, e que agora usufruem das coisas porque somos nós que vamos ao encontro delas, conclui. Podem acompanhar toda a programação de Ana Bento e da associação Gira Sol Azul aqui e na página da Fundação do Lobo.

Texto: Filipa Queiroz
Fotos: Gira Sol Azul, Fundação do Lobo

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