Estamos em Maio de 2012. Num domingo à noite, as principais ruas de Coimbra vivem uma festa imensa que se delonga pela noite adentro, por entre gritos, buzinas, cânticos e abraços permeados de euforia. Celebração esta que não é mera folia superficial, como se evidencia pelas faces lavadas por lágrimas de alegria daqueles que celebram com sabor nostálgico o final de uma longa e árdua jornada. Embora essa descrição pareça, à primeira vista, ser a da típica noite de Cortejo da Queima das Fitas, a verdade inusitada é que este cenário de celebração ocorreu a 20 de Maio, alguns dias depois da festa dos estudantes. No entanto, trata-se de um evento bem mais sonante para muitos dos habitantes da Coimbra, como pudemos atestar.

«A memória marcante mais simples para todos os adeptos da Académica da minha geração é obviamente a final da taça de 2012. Essa será aquela em que todos nos revemos e aquela que, pelo menos no passado recente, trouxe algum alento ao clube.» Quem nos reaviva a memória é Gonçalo Cabral, sócio nº 2400 da Académica, mas podia na verdade ser qualquer outro sócio a relembrar como os cânticos e festejos se iniciaram no Estádio Nacional do Jamor, imediatamente após a Académica de Coimbra ter ganho a Final da Taça de Portugal perante o Sporting Clube de Portugal. Com um golo da autoria de Marinho nos três minutos iniciais e muita perseverança da equipa de Coimbra para aguentar o resultado nos restantes 93 minutos da partida, tal triunfo valeu à Académica a segunda Taça de Portugal da história do clube. Vitória que ainda ressoa pela história do futebol português, muito à semelhança da sua conquista do troféu inaugural dessa competição em 1939.

Embora 73 anos separem esses galardões, a história da Académica é feita de uma miríade de momentos que vivem nas memórias dos adeptos. Tomás Cunha recorda-nos um desses episódios, ocorrido no final da temporada 2005-2006. «Foi num jogo com o Marítimo. A 20 minutos do fim, a Académica estava praticamente despromovida e, em coisa de cinco minutos, virámos o jogo para 2-2 e conseguimos, na altura, a manutenção.» Sócio com o nº 7118, Tomás foi também, nos últimos anos, o principal rosto dos Relatos RUC, na Rádio Universidade de Coimbra, tendo inclusive acompanhado a maioria dos jogos nas temporadas marcadas pela pandemia e consequentes plateias escassas, onde apenas os órgãos de comunicação podiam assistir presencialmente aos jogos. No entanto, realça que esse empate em Maio de 2006, «foi a primeira vez que o Estádio esteve perto de encher com um jogo da Académica», dado que até então a lotação só havia esgotado nos jogos do Euro 2004.

Já o Sócio nº 2177 recua ainda mais no tempo, até 1997, onde testemunhou uma afluência ímpar do público ao antigo Estádio Municipal de Coimbra, num dos jogos finais da época. «Chovia a potes nesse dia, mas o estádio estava completamente cheio. Lembro-me perfeitamente que nos últimos minutos a Académica já ganhava 3-0, portanto não havia volta a dar, íamos subir de Divisão.» Para José David Lopes essa ansiedade era palpável, pois a vitória assinalava um final de um dos períodos mais negros na história do clube, que se encontrava a batalhar na 2ª Divisão desde 1988. «As pessoas começam-se a acumular ali à volta da linha lateral e da linha de fundo. Assim que o árbitro apita, só vês uma cobertura de pessoas a fechar-se sobre o relvado e o verde desaparece por completo. Essa memória, como adepto, acabou por ficar, porque é a partir daí que eu começo a ir aos jogos com regularidade.»
Entre vitórias e derrotas que marcaram várias gerações da cidade, a perseverança da Académica de Coimbra é ímpar na história do futebol português. Fundada a 3 de Novembro de 1887, é o mais antigo clube desportivo de Portugal em actividade. No entanto, ao longo dos anos tal persistência tem-se vincado, culminando numa espécie de questão identitária insolúvel. Desde a criação da secção de futebol da Associação Académica de Coimbra (AAC) em 1922, passando pela sua profissionalização na década de 60, até à sua eventual expulsão da Academia por via de Assembleia Magna em 1974. Toda esta dicotomia veio a assentar em 1984, com a criação do Associação Académica de Coimbra/Organismo Autónomo de Futebol (AAC/OAF), que hoje em dia coexiste com a dita “casa-mãe” da AAC dos estudantes, partilhando as cores e o símbolo, mas não a identidade institucional.

O pacto imagético traduz-se numa constante ambiguidade identitária que Tomás Cunha realça ao apontar que «é muito difícil definir. O que é a Académica? É um clube de futebol? É uma associação de estudantes? Isto porque a própria casa-mãe é uma organização com cerca de 71 estruturas, desde a Direcção-Geral até aos órgãos de comunicação ou secções culturais, passando pelas desportivas. Há então aqui uma confusão que não se limita ao futebol e que é estranhamente complicada de explicar a alguém que é de fora.» Dito isso, conclui que o tema é uma incógnita redundante, pois está longe de ser o principal problema da Académica. A nova direcção da AAC/OAF, presidida por Miguel Ribeiro, parece ecoar essa tese, afirmando que «quando falamos da Académica, estamos a falar de uma marca global», promovendo assim um entendimento entre as entidades como chave crucial para o sucesso comum.
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