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E se estudássemos mais a paz e não a guerra?

No Exploratório – Centro Ciência Viva de Coimbra, na primeira quarta-feira de cada mês, põem-se os Pontos nos iii. A Science Beer Talks é um programa de fim de tarde, com conversas informais sobre ciência, acompanhadas com cerveja artesanal. Num momento em que a organização se preocupa em estender os debates além das ciências da vida até às ciências sociais e humanas, nomeadamente aos cientistas do Instituto de Investigação Interdisciplinar da Universidade de Coimbra, assistimos à conversa com José Manuel Pureza, docente e investigador do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, sobre a necessidade de uma «ciência da paz» e a importância de estudá-la.  

«A imensidão destruidora da guerra ocupa, por estes dias, todo o espaço público. Os nossos discursos comuns ajudam a que assim seja. Precisamos de um conhecimento que encare as guerras sem angelismos, que sirva não só para as explicar, mas para as mudar em dinâmicas de paz», afirma o antigo deputado e vice-presidente da Assembleia da República. Numa altura em que o mundo é atravessado por guerras (Ucrânia, Afeganistão, Iémen, Síria, Haiti, Mianmar, Etiópia), Pureza reforçou a ideia de que a paz é muito mais do que o silêncio das armas, muito mais do que o intervalo das guerras. 

«Há uma tendência para banalizar a paz, é dada como adquirida e, consequentemente, não é valorizada. A não ser quando estamos numa situação de conflito», acrescentou, apontando o actual conflito na Ucrânia como exemplo de inquietação nas sociedades europeias. Para que a paz não seja um certo vestígio de uma cultura hippie, é preciso que nós saibamos combinar de maneira séria e inteligente paz com conflitos.

«A paz não é o oposto de conflitos. A conflitualidade nas sociedades é o motor da sua mudança. São os contrastes, os conflitos, as tensões que, na esmagadora maioria das vezes, são os motores de mudança»

José Manuel Pureza

Paz pelo comércio

A propósito da guerra na Ucrânia, Pureza explica que a tese mais difundida é a chamada «paz pelo comércio», onde a relação entre os países é fortalecida, também, por meio de trocas comerciais e relações diplomáticas e, por esse factor, o comércio é tido como uma forma de impor condições de paz. Quanto mais as nações exercem trocas comerciais e financeiras, mais vantajosa se torna a relação internacional, como instrumento de fomentar o crescimento económico, o desenvolvimento social e a integração social. Esse conjunto tem o efeito de tornar a guerra desnecessária e até mesmo prejudicial.

«O comércio aproxima país comprador de país vendedor, país fornecedor de país consumidor. A tendência é isso: pacificar. Pragmaticamente é uma realidade.» Pureza reiterou que a paz é muito mais do que a inexistência de guerra e que é a criação de condições económicas, sociais, políticas que permitem às pessoas realizarem-se o mais plenamente possível. «É muito mais ambiciosa».

Jornalismo para a Paz

A necessidade de um jornalismo isento e rigoroso faz-se notar cada vez mais. No fim da sessão de debate, perguntámos a José Manuel Pureza qual é o papel do jornalismo na contribuição para a paz. O professor de Relações Internacionais respondeu que «é importante contar às pessoas a realidade dos factos, por exemplo, mostrando às pessoas toda a crueldade da guerra, sem branqueamentos». 

«Numa guerra ataca-se dos dois lados, morrem dos dois lados, há crueldade dos dois lados. O que o jornalismo para a paz faz é evidenciar os aspectos mais profundos que produziram aquele cenário, de tal maneira que eles possam ser abordados pelos poderes públicos, pela cidadania, no sentido de não se reproduzirem». 


Provavelmente, aquilo que faz mais falta actualmente, é um jornalismo comprometido com uma agenda de repúdio pelo conflito violento e, para tal, Pureza defende que é preciso perguntar muito e ouvir muita gente sem voz, ir à procura dos mecanismos que conduzem às espirais de violência. «Um jornalismo comprometido na desconstrução de raciocínios, estereótipos e representações da realidade que alimentam o conflito e o ódio é muito relevante.»

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