Era hora da primeira refeição do trio Alfazema, Louro e Frederico. Foram servidos pela inglesa Reed Amos e por Francisco, de nove anos; Núria, que tem cinco, Vicente e Laura, ambos com seis. A italiana Chiara Saitta ajudou como pode porque estava com as costas magoadas. Bem próximo estavam Artie e Che. Enquanto isso, a portuguesa Daniela Maia foi ver como estava Caju, que no dia anterior quebrara a perna e encontrava-se na companhia de Frida, Branquinha, Shirley e Bolota. Este parágrafo primeiro mistura bípedes e quadrúpedes porque assim é a interação entre humanos e não humanos no Projeto Riza, um santuário animal localizado em Eiras. Funciona junto ao Guarda Rios, projecto cool de educação alternativa, um dos vencedores da Geração Coolectiva – o nome homenageia um pássaro que habita somente ecossistemas de água doce saudáveis.

O Projeto Riza foi fundado em 2019 por Isabel Borges, nascida em Coimbra, que morou muito tempo em Lisboa, retornou para sua terra e agora mora em Santarém. Psicóloga, ela diz que em sua prática profissional vê crianças com muita ansiedade e pouca liberdade para brincar, e menos livres ainda para serem diferentes. Segundo ela, são muitas as crianças que não sabem de onde vêm os alimentos que comem. Como sempre teve uma ligação muito forte com animais, fundou o santuário, que absorveu todas as suas poupanças e ajuda financeira de familiares.
Em 2021, Isabel foi contactada por Daniela com a proposta do Projeto Guarda Rios. Professora do primeiro ciclo, Daniela propunha a criação de uma comunidade de aprendizagem, em que as crianças aprendem também sobre plantio e colheita de frutas, legumes e verduras, e ainda sobre compostagem. Conhecimentos adquiridos na prática, ressalte-se. Ou seja, unir um santuário animal a uma quinta pedagógica. O que corresponde ao Forest School, cuja metodologia é baseada na aprendizagem em um ambiente natural, o que proporciona a exploração e a descoberta, levando à promoção da individualidade da criança. Cada criança do Guarda Rios tem seu plano de atividades individual e também coletivo.
Segundo Daniela, não dá para separar o Riza do Guarda Rios. O nome Riza, por exemplo, vem de rizoma, da permacultura, que as quatro crianças no projecto praticam no terreno e pequeno ribeiro em Eiras. Um dos três preceitos éticos da permacultura é cuidar das pessoas.
Os animais mencionados acima são as principais personagens, mas há outros e quem fala o nome de todos eles são os miúdos humanos. Há seis gatinhos (Lua-Luar, Sol-Solar, Neve-Nevar, Neve, Batman, Floco e Mister Miau, que acabou de chegar) e galinhas: Lua, Espiga, Cher (em homenagem à diva cantora), Lurdes, Vitória e Zé, o galo. Há outro galo, Joe, que por causa do seu mau feitio não fica no galinheiro e a cadela Pocahontas.
O Guarda Rios geralmente acolhe animais vítimas de maus tratos, como os porcos Louro e Alfazema, que vieram de Lisboa depois de passarem dois anos trancados num cubículo de dois metros quadrados. O terceiro do trio, Frederico, estava a vaguear pela Figueira da Foz e quase ia parar no forno, não tivesse sido resgatado e encaminhado para o santuário. Mas a personagem com o passado mais sombrio é Pocahontas, que sobreviveu ao incêndio de um canil ilegal em Santo Tirso, no final do ano passado.
Só para não deixar margem para nenhuma dúvida: as três voluntárias que diariamente estão no projeto são veganas, assim como a fundadora de todo este movimento. Chiara abstém-se do uso de produtos animais — particularmente, mas não apenas, na alimentação — e condena a exploração animal há 13 anos. Reed não come qualquer produto de origem animal há oito, Daniela há pouco mais de um ano e Isabel há quase 10. O almoço servido às crianças segue naturalmente a mesma linha da escola floresta: é macrobiótico, dieta alimentar centrada em produtos locais, sazonais, menos processados, apresentados na sua forma inteira/integral, com vistas a um mundo saudável, sustentável e equilibrado. O preço é acessível: 3,50€ por refeição.
Isabel explica que não conta com qualquer ajuda financeira de instituições públicas e os recursos são oriundos de doações que podem ser em dinheiro, por exemplo, através do apadrinhamento dos animais do santuário. Os valores variam desde dos 2,50€ para os felinos até aos 50€ para os burros Archie e Cher. A comunidade onde o projeto está instalado também ajuda com a doação de restos de comida para a compostagem, ganhando adubo como retorno. Há pequenas empresas que contribuem como o Mercadito da Fruta, que doa frutas há três anos – quando não tem, Daniela tem de comprar. O restaurante Aromas, na Avenida da Guarda Inglesa, doa cascas de batatas. O gasto maior é com o feno, que custava 3€ e dobrou para 6€, com desconto.
O trabalho voluntário é o grande pilar do Guarda Rios. Além de Daniela, Chiara e Reed, o empreendimento social educacional conta ainda com quatro veterinários e da psicóloga Mariana Marques, da Associação Inclusão. Desde setembro, a profissional vai duas vezes por semana trabalhar com os miúdos através de jogos de tabuleiro e ioga do riso, por exemplo. «Ganho muito afeto e aprendo novas competências. É uma ligação de carinho muito forte. Eles são muito expressivos em suas emoções», diz Mariana, com um largo sorriso. Cada criança segue um plano individual
Por ter participado na Geração Coolectiva, no início do ano, Daniela fez bons contactos. Um deles foi com a Associação Soltar os Sentidos, cujo propósito está perfeitamente alinhado com a proposta educativa Guarda Rios. Os dois empreendimentos trabalham juntos através da arte, no caso específico, de cerâmica criativa. Mas Daniela quer ampliar a oferta de atividades artísticas e procura nova parceria para pinturas em aguarela. Para dar visibilidade ao empreendimento social e aumentar as doações, o Guarda Rios e o Rizo estão presentes no mercado vegano do The Living Room. Além de workshops abertos a toda a comunidade, o Guarda Rios organiza dias abertos, para miúdos e graúdos poderem conhecer de perto todos os não humanos mencionados no início desta história.