No antigo burgo de Celas, há muito engolido pela cidade, podemos encontrar mais um edificado religioso medieval conimbricense: o Mosteiro de Celas. O convento —também conhecido por Real Mosteiro de Santa Maria de Celas — foi fundado por volta de 1221 pela infanta D. Sancha de Portugal, filha de D. Sancho I, na época em que a principal residência real se situava na atual Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, e pode ser visitado.
Após dois anos e meio de portas fechadas, devido à pandemia de COVID-19 e a obras de conservação e restauro, o espaço de culto religioso e propriedade do Estado reabriu ao público em janeiro de 2023. A intervenção ficou a cargo da Direção Regional de Cultura do Centro (DRCC) e o saldo final da empreitada ascendeu a 315.784,26€ – 228.735,76€ de financiamento comunitário, 40.710,41€ de comparticipação da Fábrica da Igreja Paroquial de Santo António dos Olivais de Coimbra, entidade à qual o imóvel está afeto, e 46 338,09€ de custos acrescidos que a DRCC assegurou por via do seu orçamento.
Visitámos o convento com António Fonseca, juiz da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade de Celas, a entidade que o gere, que considera que alguns elementos não foram reabilitados como previsto no caderno de encargos da empreitada. Parte do telhado do claustro, concretiza, não foi devidamente recuperada e agora, quando chove, há infiltrações numa das alas, o que não acontecia antes. Por vezes, detalha, a água chega a entrar no átrio da sala do capítulo, o que pode afetar as atividades do mosteiro, que continua a servir a comunidade católica.
A situação foi comunicada à DRCC, mas a irmandade diz não ter obtido qualquer justificação para a falha, quando, frisa António Fonseca, «só a direcção regional tem autoridade para compor o telhado». O problema, continua, só deve ficar resolvido noutra empreitada. Também a porta direita da fachada ficou por compor.
À Coimbra Coolectiva, a DRCC garante que todos os trabalhos previstos em caderno de encargos foram efetuados, sem qualquer exceção, e foram até realizados trabalhos urgentes que não estavam previstos, ou quantificados. Têm registo da existência de anomalias no telhado desde 2006, resultantes da existência de árvores de grande porte na envolvência, cuja folhagem obstrui as caleiras com facilidade, situação que «é agravada, claramente, devido à ausência de manutenção regular».
Suzana Menezes, directora regional de cultura do centro, afirma que o que se verifica atualmente, uma vez que técnicos da DRCC procederam à análise da situação após os alertas mais recentes, é um agravamento da situação, fruto da degradação continuada e exponencial das estruturas, nomeadamente pelo apodrecimento do forro inferior. Acrescenta que «a empreitada realizada apenas previa trabalhos de reparação pontual neste telhado (revisão e substituição em 10% da área do revestimento e limpeza integral do mesmo), que foram realizados. Face ao estado da estrutura, estes trabalhos não foram suficientes para corrigir os problemas, nem foram preconizados para tal, por insuficiência de recursos financeiros.»
No Mosteiro de Celas encontramos a primeira igreja feminina da Ordem de Cister a ser construída de raiz em Portugal: as anteriores resultaram de adaptações de conventos masculinos.
Apesar das constantes transformações arquitetónicas, ainda existem vestígios da arte gótica portuguesa. São principais exemplos os capitéis que transitam entre os séculos XIII e XIV e que marcam as duas galerias do claustro, e a forma atipicamente circular da igreja. Já o interior da igreja apresenta elementos renascentistas e maneiristas do século XVIII. Acredita-se que estes últimos componentes tenham estado sob a responsabilidade do arquiteto Diogo de Castilho, autor da construção
dos túmulos de D. Afonso Henriques e Sancho I, na igreja do Mosteiro de Santa Cruz.
A descrição de frei Bernardo da Assunção, baseada nos documentos existentes no cartório do mosteiro, dita que foi concedida a D.Sancha uma licença para estabelecer o espaço religioso, embora não exista uma data de emissão. A escolha do local, na época em que Coimbra era capital do reino (e o Largo de Celas, na freguesia de Santo António dos Olivais, ficava nos arredores da cidade), deveu-se ao interesse no terreno pela «abundância das águas» e «pela fertilidade da terra e temperatura dos ares».
Desinteressada pelo dia-a-dia na corte, a filha do rei D.Sancho I terá passado grande parte da vida no mosteiro. O local de culto religioso já serviu de «asilo para cegos e aleijados», em 1891, de «sanatório para mulheres», em 1932, e, mais perto de nós, de hospital pediátrico, entre 1977 e 2011. Com a extinção das ordens religiosas masculinas, em 1834, e, mais tarde, das femininas, o Mosteiro de Celas ficou sob a gerência canónica da Irmandade de Nossa Senhora da Piedade, após o falecimento da última monja, em 1883.

«É um monumento tão central que normalmente ninguém o vê», brinca António Fonseca. Mas esta é uma realidade partilhada entre alguns moradores de Coimbra que chegam a afirmar: «Isto está aqui e nunca tinha visto», exemplifica. Um dos motivos, acredita, passa pela limitação causada pelas agências ao encaminharem os turistas apenas para as zonas históricas da Universidade de Coimbra e Santa Clara-a-Velha.
O mosteiro continua a cumprir a função litúrgica, o que inclui eucaristias, comunhões, acolhimento de catequeses e, no mês passado, de peregrinos. António Fonseca destaca que a vertente cultural e turística é um aspecto complementar.

No âmbito da Jornada Mundial da Juventude de 2023 e para dar a conhecer o local a mais pessoas, o mosteiro organizou no seu espaço e na Capela de S. Germano atividades como workshops, catequeses e o acolhimento de voluntários e peregrinos (alguns vindos de Itália, França e Espanha).
Relativamente aos problemas do edifício, a directora regional da cultura do centro considera que a paróquia ou a irmandade podem, e devem, se quiserem, mediante a apresentação de um projeto a parecer prévio junto da Direção-Geral do Património Cultural e autorização para realização da intervenção da Direção Geral do Tesouro e Finanças, promover as intervenções que forem consideradas necessárias.
Remata que a DRCC «está ciente que não foram atendidas todas as necessidades do imóvel, mas aquelas que foram possíveis considerar atendendo ao montante financeiro alocado ao projeto no contexto do Programa Operacional Centro 2020. Por essa razão, sinalizamos para o próximo programa operacional, o Centro 2030, a necessidade de investimentos complementares, designadamente, em elementos de património integrado, conforme documento Plano Estratégico Regional de Conservação, Restauro e Valorização do Património Cultural da Região Centro, que pode ser consultado online.
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Clara Neto é licenciada em Línguas Modernas com Menor em Jornalismo e Comunicação pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, ex-redatora do jornal A Cabra e esta reportagem é fruto de um voluntariado de um mês na Coimbra Coolectiva.
* Este artigo foi actualizado a 8 de Novembro de 2023, tendo sido acrescentada a reposição da verdade e esclarecimentos de Suzana Menezes, directora regional de cultura do centro que, por lapso da Coimbra Coolectiva, não seguiram na versão original deste trabalho.
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