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Opinião | O SNS e a névoa de soluções hospitalares para a cidade

Por António Rodrigues

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Fotografia: Mário Canelas

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Referi que paulatinamente se vai operando a transformação do direito aos cuidados de saúde num bem transacionável e deixado às flutuações do mercado, daí que pairem nuvens negras sobre Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, quase consensualmente e a par da conquista das liberdades, é apontado como uma conquista maior da nossa democracia. Em Coimbra, concretamente desde 2012, foi o desmantelamento do Hospital dos Covões progressivamente «canibalizado» pelos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC) – com a centralização de todas as decisões no Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (CHUC) – e a opção pela localização para a, já longamente anunciada, nova maternidade.

Com essa centralização desativaram-se camas de internamento no Hospital dos Covões, fundiram-se serviços e competências em desrespeito pelas culturas organizacionais distintas e os seus profissionais viram-se compulsivamente transferidos para passarem a exercer na «grande catedral». Sem notícia de quaisquer estudos preparatórios, de planeamento estratégico e de espaço para a participação profissional e cidadã, sem prestação de contas. Todo um processo que continua envolto em névoas e sem a antecipação rigorosa do que virá a ser a rede hospitalar da cidade, já no prazo dos próximos dez anos. E com um campus hospitalar sobrelotado, com acessos estrangulados e um edifício central em pletora. Ao que se vem acrescentar, como já acima referido, a recente decisão da edificação da nova maternidade nesse mesmo espaço.

Não se contestando a fusão das duas maternidades em função dos níveis de natalidade atuais, o que se contesta é a opção pela sua localização futura, facto que só pode ser justificado à luz do desmantelamento deliberado do Hospital dos Covões, onde antes se reuniam todas as condições, quer de espaço, quer dos serviços clínicos diferenciados de apoio. Também não é o saudosismo a falar. Seria absolutamente adequado e conveniente que se tivesse equacionado a continuidade da existência dos dois hospitais, tecnicamente diferenciados, eliminando as redundâncias injustificadas e criando complementaridades virtuosas. Mas essa não foi a opção prevalecente. Do que se tratou foi de um processo deliberado de ocultação continuada de decisões sucessivamente impostas que foi ganhando a cumplicidade de vários governos, por sinal até de matizes até diferenciadas.

E o que se afigura agora dizer, para o imediato? É sabido que em Portugal há, atualmente, 1 364 623 cidadãos sem médico de família ou equipa de saúde familiar atribuída. Nos Centros de Saúde da cidade, dos 160 992 cidadãos inscritos, 5 298 não têm médico de família (3,3%). Mas fica o alerta: até ao final do presente ano, podem aposentar-se 12 destes profissionais, o que elevará as necessidades para 17 novos médicos de família. Já no que respeita às urgências hospitalares, até 2017 os atendimentos médios diários registados nos dois polos do CHUC foram estáveis, rondando os 535 a 550/dia. Em 2018 e 2019 já atingiram os 575. Mas, em 2020, com a pandemia, baixaram para os 419, elevando-se novamente em 2021 e nos dois primeiros meses de 2022 para cerca de 450/dia.

Sem notícia de quaisquer estudos preparatórios, de planeamento estratégico e de espaço para a participação profissional e cidadã, sem prestação de contas. Todo um processo que continua envolto em névoas e sem a antecipação rigorosa do que virá a ser a rede hospitalar da cidade, já no prazo dos próximos dez anos.



Se estes dados se revelam relativamente tranquilizadores no que à urgência geral diz respeito, tal já não se aplica à resposta por parte de algumas especialidades. De entre estas, sobressaem a Obstetrícia e a Perinatologia como áreas a merecerem particular atenção. Assegurando os cuidados às grávidas e aos recém-nascido nas duas maternidades, cuja possibilidade de fusão no quadro dos atuais edifícios atuais se revela impossível, e face ao envelhecimento acentuado dos seus corpos clínicos, não se afigura impossível que, tal como noutras regiões, venham a surgir problemas num futuro próximo. Acresce que a nova maternidade, que agregará as duas atualmente existentes, ainda não passou do papel, da fase de projeto. Mas há carências documentadas também, entre outras, na anestesiologia, na otorrinolaringologia, na oftalmologia…

Isto dito, mas agora noutro plano, eis-nos chegados às questões nevrálgicas que já vão fazendo correr muita tinta. Do papel de complementaridade com o SNS atribuído constitucionalmente à iniciativa
privada, hoje vemos-mos confrontados com uma realidade de concorrência que disputa os seus recursos humanos e o seu orçamento (já ronda os 40%). O sinal mais visível é a intensificação da migração de médicos do SNS para os grupos privados. E a solução que se impõe não é passível de ser conseguida com a mera sucessão de «planos de contingência», de tentar tapar feridas com pensos rápidos quando, por baixo, a gangrena vai alastrando. O SNS necessita de se reencontrar com a genuinidade dos seus princípios fundadores. De estratégia passível de o recuperar do quadro de insuficiências e roturas atuais, de ser atrativo para quem nele trabalha e de servir bem quem o financia e dele depende.

Para que tal aconteça, importará que se ouse romper com o dogmatismo e o controlo asfixiante das finanças, conferindo poder de gestão às suas estruturas, estas por sua vez em comunhão com a participação cidadã. Ao nível global, mas também local, o SNS necessita de uma intervenção profunda.Nomeadamente, e no que a Coimbra diz respeito, há já um Perfil Municipal de Saúde – Coimbra 2020 publicado pela Câmara Municipal e pela Universidade – que constitui um bom diagnóstico. Ainda com impacto direto no plano local/regional, recorda-se a Lei de Bases da Saúde aprovada em Setembro de 2019 e que ainda aguarda a divulgação da regulamentação necessária – o Estatuto do SNS.

Lei de Bases que prevê a descentralização, que não uma mera municipalização, mediante a constituição dos Sistemas Locais de Saúde que integrem os serviços de saúde, o poder local, o ensino, a segurança social e demais atores comunitários com intervenção num conceito alargado de saúde. Uma proposta descentralizadora, integradora de vontades e com forte componente de intervenção cidadã. O caminho far-se-á por aqui? Aguardemos expectantes, mesmo sabendo que ontem já era tarde.

António Rodrigues é de Coimbra e é médico de família (aposentado).

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