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Informação sobre violência doméstica

Vamos falar sobre a violência doméstica em Coimbra?

As redes sociais têm ajudado na denúncia das situações de abuso e foram mais de duzentas no ano passado, mas não há uma casa abrigo especialmente dedicada nem resposta a emergências.

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Fotografia: Mário Canelas, Maxim Hopman, Ulrike Mai

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«Hoje estou a contar isto, amanhã estou doente». A frase é-nos dita por Maria (nome fictício). Durante quase três décadas, Maria viveu um inferno em casa, com «violência física, psicológica, económica e sexual» por parte do então marido. Em 2018, com a ajuda de familiares e amigos, conseguiu fugir de casa. «Estava muito doente e cansada. Só quando fugi é que consegui apresentar queixa, tinha muita vergonha de contar a minha vida», lamenta. Actualmente, não tem casa nem emprego, e vive na Comunidade de Inserção Renascer, um espaço da Cáritas de Coimbra, com localização secreta, para mulheres em situação de vulnerabilidade.

Espancamentos, insultos, agressões aos dois filhos (uma em comum com o agressor, outro de um primeiro casamento), foi esta a vida de Maria durante quase 30 anos. «Uma vez partiu-me o nariz, outra levou-me de rastos da cozinha até ao quarto, noutra bateu-me com uma mangueira na presença do meu filho e enteado (filho do primeiro casamento do agressor). Chegou a dar um murro ao meu filho, que lhe partiu quatro dentes», relata, entre lágrimas. No meio da tristeza de ter perdido tudo, confessa ter sorte por estar viva. «Cheguei a encontrar uma arma num armário da casa», recorda. Quatro anos depois, Maria lamenta não ter falado mais cedo com as autoridades.

Ana (nome fictício) passou por duas relações abusivas. Na primeira, da qual teve dois filhos, sofreu violência física. Na segunda, com uma filha, a violência foi psicológica. «Ele controlava-me o telemóvel, horários de trabalho, afastou-me de familiares. Além disso, exercia violência com os meus filhos, punha o rapaz a deitar sangue pelo nariz, insultava-os, chamava-os burros, dizia que não estavam a fazer nada na escola. Para além disso, chamava gorda à minha filha mais velha», enumera. A mais nova, filha da segunda relação, não vê o pai há meses. «Ele renegou a filha e vê-se que ela anda triste. Isso nota-se nos desenhos que faz, em que desenha o pai a chorar», conta.

Os dois filhos mais velhos de Ana têm tido acompanhamento psicológico. «O do meio anda revoltado e fecha-se muito. Chegou a ter comportamentos violentos na escola», afirma. Ana está a tentar reconstruir a sua vida e está, desde Maio, a trabalhar. «Tem sido difícil conjugar os horários de trabalho com os da escola dos meus filhos, mas tenho conseguido», aponta. Da primeira relação, só posteriormente fez queixa. Na segunda, fê-lo assim que acabou a relação e incentiva outras vítimas a vencer o medo e denunciar as situações de abuso.

Empoderar as vítimas

Maria e Ana são duas das dez vítimas de violência doméstica, entre mulheres e crianças, que estão na Comunidade de Inserção Renascer da Cáritas, em Coimbra. O espaço tem capacidade para 30 pessoas em situação de vulnerabilidade, seja ela violência doméstica, risco de exclusão ou marginalização, toxicodependências ou período de reinserção depois do cumprimento de uma pena de prisão.

«Não recebemos situações de emergência. As entidades sociais contactam-nos, as pessoas integram a lista de espera e, à medida que vamos tendo vagas, vamos analisando a sua vinda», conta a coordenadora da comunidade, Isabel Figueiredo. No local, prossegue, há um desenvolvimento de competências parentais, acompanhamento jurídico, integração profissional e estabelecimento escolar das mulheres e crianças. «Os acordos de permanência são para seis meses, mas há algumas que não ficam esse tempo e outras que ultrapassam», revela.

O objectivo, continua Isabel Figueiredo, é que as pessoas, no caso mulheres, de várias idades, se empoderem e retomem a vida normal. «Fazemos sempre dois a três contactos depois de saírem daqui. Damos continuidade ao apoio que necessitam», sublinha. Não sendo uma instituição para situações de emergência, a coordenadora conta que, quando são contactados, fazem o encaminhamento para os locais devidos.

«Direccionamos para Segurança Social, Centros de Saúde ou Juntas de Freguesia. Não há um acolhimento imediato. Os serviços a que as vítimas devem recorrer são a Polícia de Segurança Pública, Guarda Nacional Republicana, a União das Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) e a Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV). Não se querendo expor desta forma, podem recorrer ao técnico do Centro de Saúde», recomenda, considerando importante dar o passo de denunciar. «As vítimas, muitas vezes, vivem muito sós. Ao dar o primeiro passo, têm um suporte», aponta Isabel Figueiredo.

Denúncias nas redes sociais

Segundo o relatório da APAV, só em Coimbra foram registadas 233 denúncias ao longo do ano de 2021. «São 30 a 35 casos por mês, entre violência conjugal, a crianças e idosos. A maior parte das denúncias são de mulheres, com cerca de 80%. As faixas etárias mais frequentes rondam os 35 a 45 anos», descreve a gestora do Gabinete de Apoio à Vítima da APAV Coimbra, Natália Santos.

A responsável admite que o sistema de justiça é o último recurso das vítimas e que só o fazem quando as outras vias estão esgotadas. Quanto aos mecanismos de denúncia, Natália Santos destaca que, nos últimos anos, têm aumentado os alertas através das redes sociais. «Temos Facebook, Instagram e abrimos recentemente conta no TikTok. Isso tem agilizado as denúncias, sobretudo pelas faixas etárias mais jovens», conta.

Através de mensagens no sistema de chat das redes sociais, os técnicos da APAV encaminham para os gabinetes adequados. «Agora os mecanismos de denúncia são mais fáceis e a APAV criou condições para que isso aconteça», sublinha Natália Santos. Para além das redes sociais, a gestora do Gabinete aponta para outras vias, como a queixa presencial (com ou sem marcação), telefone, email «e ainda há quem o faça por carta. Para além disso, a Comissão para a Igualdade de Género criou outros mecanismos durante a pandemia que se mantêm, como um sistema de SMS», lembra.

Após o encaminhamento para os gabinetes, Natália Santos revela que o tratamento varia de pessoa para pessoa. «A primeira análise é ver do que se trata, perceber se a pessoa está ou não em crise, se precisa de intervenção imediata. Depois, o apoio é feito de acordo com a situação concreta, seja ele jurídico, psicológico, social e no contacto com outras instituições. Mas é sempre diferente de pessoa para pessoa», sublinha.

Em Coimbra, não há uma casa abrigo ou vagas de emergência para estes casos. «Mas existem vagas de emergência na região Centro, de outras organizações», sublinha Natália Santos, completando que este encaminhamento é feito pela Comissão para a Cidadania e Igualdade de Género, que faz a coordenação das respostas a nível nacional.

Da parte da UMAR, Beatriz Santana, técnica de apoio à vítima, descreve que, em Coimbra, existe o Gabinete de Apoio à Vítima no Departamento de Investigação e Acção Penal (situado na Rua da Sofia), «que acompanha vítimas de violência doméstica (no caso deste Gabinete, de todos os géneros), ao longo dos processos crime, ou seja, para além de dar apoio emocional, também apoia as ofendidas ao longo dos trâmites processuais, acompanhando-as às diligências quando necessário. Assim sendo, maioritariamente as pessoas chegam ao Gabinete encaminhadas pelo Ministério Público ou pelas polícias».

No entanto, a técnica acrescenta que qualquer pessoa pode solicitar apoio deste Gabinete, que também auxilia na realização de denúncia, quando é da vontade da vítima. «Quando não existe processo crime, nem existe intenção de denunciar o crime, é realizada uma avaliação de necessidades e as pessoas são encaminhadas para serviços vários, de acordo com essa mesma avaliação», completa.

A nível nacional, a violência doméstica causou 16 vítimas mortais este ano, o mesmo número de todo o ano passado. As mais recentes vítimas foram uma mulher em Marco de Canaveses, atingida na cabeça pelo ex-companheiro, e uma mulher de 71 anos em Oeiras, sendo a filha a principal suspeita. Em 2021, foram registadas mais de 13 mil ocorrências de violência doméstica no país.

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