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    Relatório da UNESCO

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    Escolas que já proíbem telemóveis

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    Tecnologia e ensino

    Campainha ou telemóvel – o que toca mais alto na hora do recreio?

    Um grupo de pais, professores e pessoal do Agrupamento de Escolas Martim de Freitas lançou uma petição pela proibição dos smartphones em contexto escolar. A direcção entende que há alternativas mais pedagógicas para promover a socialização das crianças e o uso seguro da tecnologia. O debate já percorreu Portugal e chega agora a Coimbra.

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    Fotografia: Mário Canelas

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    Relatório da UNESCO

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    Escolas que já proíbem telemóveis

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    Tecnologia e ensino

    O recreio das 10h vai a meio e centenas de alunos espalham-se pelos pátios, campos de jogos e espaços de convívio da Escola EB 2,3 Martim de Freitas, em Celas. Há conversas, correrias, passes de bola, rodas e piruetas – o burburinho típico de intervalo, mas que para muitos membros da comunidade escolar seria maior, mais saudável e mais seguro se o telemóvel não fosse convidado para a festa. Sentadas nas escadas de um dos blocos, meia dúzia de adolescentes, atiram, quase em coro, um animado «Bom dia, director» a Luís Gonçalves. A imagem oferece duas versões para a mesma história: todas estão de ecrã na mão; todas são capazes de se ligarem ao que está à volta.


    «A escola deve levar os estudantes a perceber, de forma autónoma, que têm fora do telemóvel um espaço e pessoas mais interessantes do que aquilo que vêem no ecrã», diz Luís Gonçalves, director do Agrupamento de Escolas Martim de Freitas. Dentro de dias, o professor vai receber uma petição, que soma já mais de 300 assinaturas, a pedir a interdição do uso de telemóveis, tanto nas salas de aula, como no recreio. Não será bem-sucedida, pelo menos para já. «A função da escola é educar. Não se chega à educação pela proibição ou obrigação, além de que não cabe à escola proibir a utilização de um equipamento que foi oferecido pelo encarregado de educação», reage.


    A petição replica em Coimbra o abaixo-assinado de âmbito nacional, que começou a correr em Maio e recolheu mais de 21.800 assinaturas, unidas pelo mesmo objectivo: proteger as crianças de episódios de bullying, travar o acesso a conteúdos nocivos, reduzir a exposição diária a ecrãs, promover o convívio presencial e dar espaço à brincadeira. Até ao final deste mês, é esperado que o Conselho das Escolas emita um parecer sobre este assunto, mas, mesmo sem uma decisão final do Ministério da Educação, são cada vez mais os estabelecimentos de ensino a restringir ao máximo o uso de telemóveis, de norte a sul do país.

    Por cá, há colégios privados que também avançaram este ano para a proibição, mas no ensino público mantém-se a regra geral. «Estamos preocupados com o acesso permanente ao telemóvel e o vício que isso representa. Se entrarem numa escola, o que vão ver são crianças de 10 ou 12 anos em grupo, mas cada uma agarrada ao seu telemóvel. O padrão é este», alerta Catarina Prado e Castro, promotora da petição em Coimbra.

    Voltamos ao recreio da Martim de Freitas. Se tivéssemos chegado uns 15 minutos mais tarde, a tempo do intervalo das turmas dos 5º e 6º anos, reconhece Luís Gonçalves, o cenário seria diferente: mais silêncio; mais alunos absortos, de telemóvel na mão. «A situação das crianças mais pequenas é diferente e causa-me mais preocupação. Mas também sabemos que este fenómeno tem uma explicação. Por norma, é na passagem do primeiro para o segundo ciclo que recebem, pela primeira vez, um telemóvel. Estão deslumbrados porque têm um equipamento novo», entende.

    O filho de Catarina Prado e Castro, a frequentar o 6º ano, «é o único da turma que não tem telemóvel». «No ano passado, andou a ver pornografia nos telemóveis dos colegas. É chocante. Foi o que me alertou para esta questão», conta.


    Proibir ou educar

    No jogo do gato e do rato, a tecnologia e o algoritmo estão sempre um passo à frente de qualquer regra ou controlo. As ferramentas que permitem limitar o acesso à internet e bloquear conteúdos nem sempre são eficazes ou tidas como necessárias pelos encarregados de educação. Este é um dos argumentos que, para os promotores da petição, pesa a favor da proibição do uso de telemóveis em recinto escolar. «Os pais ainda se focam muito nos aspectos positivos dos smartphones, mas esquecem-se que estão a colocar nas mãos de crianças computadores que dão acesso a tudo. Basta dois ou três não terem controlos parentais para a turma inteira assistir a vídeos com conteúdos altamente inapropriados», defende Catarina Prado e Castro. A educação de adultos e crianças para o uso correcto da tecnologia, reforça, «não é suficiente para resolver o problema».

    Luís Gonçalves, director do Agrupamento de Escolas Martim de Freitas


    Já para Luís Gonçalves a abordagem só pode ser pedagógica: «Se proibirmos, quem ensina a não clicar nos links de uma mensagem de phishing? Quem explica que, quando o jogo é gratuito, o preço somos nós? Este é o trabalho que fazemos nas disciplinas de Cidadania, Oficina Digital e TIC [Tecnologias da Informação e Comunicação] e só podemos fazê-lo se os telemóveis estiverem presentes».

    A estratégia do agrupamento, continua, é garantir que os alunos têm com que se entreter nos intervalos e escolham não tirar o telemóvel do bolso. Está a haver investimento na biblioteca e nos espaços para jogos, contactos com a Federação Portuguesa de Teqball para criar actividades na escola, há novas mesas e bancos a convidar ao convívio, a rede de clubes foi alargada e foram dados passos para que os assistentes operacionais recebam formação e consigam dinamizar os intervalos.


    A recomendação da UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura) vai, no entanto, bem mais longe: o uso de smartphones nas escolas deve ser proibido quando for prejudicial ao ensino e ao bem-estar dos alunos. E são muitos os sinais a apontar neste sentido. «Não desvalorizo o que diz a UNESCO, nem as preocupações dos encarregados de educação. Eu sei e percebo os perigos. Mas entendo que essa restrição deve ser criada pela oferta de alternativas ao uso do telemóvel» nos tempos livres, conclui Luís Gonçalves.

    «Cyberbullying é muito preocupante»

    O relatório da UNESCO, «A Tecnologia na Educação: uma ferramenta ao serviço de quem?», divulgado este Verão, conclui que o uso excessivo de ecrãs diminui o desempenho escolar, coloca em risco o bem-estar e a privacidade das crianças, provoca desatenção e potencia comportamentos agressivos. «A questão do cyberbullying é muito preocupante», retoma Catarina Prado e Castro. «Crianças com telemóveis nas mãos significa a captação de cenas que se passam na escola, que há 20 anos morriam ali e que agora, filmados, são humilhações para o resto da vida», problematiza.

    No ano lectivo de 2022/2023, a GNR (Guarda Nacional Republicana) registou 140 crimes de bullying e cyberbullying. Os dados foram apresentados a 20 de Outubro, no Dia Mundial de Combate ao Bullying, com as autoridades a referirem que estes actos de violência ocorrem fora da visão dos adultos e estão a ganhar novos contornos nas redes sociais.

    «Através do telemóvel, o anonimato é facilitado, permitindo aos agressores assediar, ameaçar ou difamar as vítimas sem medo de represálias. O cyberbullying pode acontecer em qualquer momento e em qualquer lugar. Podem captar imagens, manipulá-las e divulgar mensagens, fotos ou vídeos humilhantes. A natureza viral das redes sociais amplifica enormemente o impacto do bullying», observa Marina Cunha, psicóloga, especialista em intervenções com crianças e adolescentes, e terapias cognitivo-comportamentais.

    A perda de competências emocionais, de socialização e de comunicação são alguns dos «sinais que não podemos ignorar em como o uso de telemóveis está a deixar rastos negativos». «Há competências sociais que devem ser desenvolvidas aos 10/12 anos e só se aprendem fazendo, vivendo as coisas: como responder a um amigo, estabelecer contacto visual, iniciar uma conversa ou receber um elogio», explica Marina Cunha. Quando as crianças são mais ansiosas ou têm mais dificuldades na interacção social a tendência pode ser usar o telemóvel para «recusar estas situações que são ameaçadoras para eles». «A forma como utilizam o telemóvel é um factor de manutenção e agravamento das dificuldades que já têm», adita.

    Ouvir os alunos

    Os estudos mostram também que as crianças ou jovens mais dependentes do uso do telemóvel «apresentam níveis mais elevados de ansiedade, stress, sintomas depressivos, isolamento e depressão».

    A UNESCO também sinaliza estes riscos e conclui ainda que, ao nível cognitivo, o impacto negativo na aprendizagem pode ser significativo: a simples proximidade a um telemóvel é capaz de provocar distracção, com especialistas a indicar que um aluno pode demorar 20 minutos para voltar a ficar concentrado na tarefa que estava a desempenhar antes de cair uma notificação no ecrã.
    Os dados fornecidos pelo PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos), refere ainda a UNESCO, sugerem uma correlação negativa entre o uso excessivo da tecnologia e o desempenho académico.


    Apesar do diagnóstico, Marina Cunha também se afasta da ideia de proibição. «O momento é para todos pensarmos sobre esta questão. A atitude deve ser de educação, de repensar como usar esta ferramenta, sem ficarmos vítimas, nem reféns», diz. Tal como Luís Gonçalves, a psicóloga acredita que a resposta mais eficaz é a que sair dos alunos. «A malta nova é capaz de gerar soluções e limites de utilização aos telemóveis na escola, se forem motivados para isso. Temos de os ouvir», destaca. Neste debate, ninguém pode andar distraído.

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