No passado dia 9 de Julho, ficámos todos em alerta com a notícia de que os concelhos de Coimbra e Amadora tinham registado uma concentração média horária de 188 microgramas por metro cúbico de ozono no ar. Os dados eram da estação do Instituto Geofísico de Coimbra, na Avenida Dias da Silva e o problema estava no facto de o limite ser de 180. Avisavam que as freguesias afectadas eram Almedina, Santa Cruz, São Bartolomeu, Sé Nova, Eiras, Santa Clara, Santo António dos Olivais e São Martinho do Bispo.
Mas o que é que isso significa na prática e por que é que a situação levou a um alerta por parte da Direcção Geral da Saúde (DGS) e da Comissão de Coordenação e Desenvolvimento Regional do Centro (CCDRC), entidade responsável pelo controlo da qualidade do ar, recomendando que crianças, idosos e pessoas com problemas respiratórios ficassem em casa?

«O ozono é uma substância oxidante, por isso ataca as vias respiratórias. As pessoas não são todas sensíveis por igual. São mais as crianças até três anos, idosos acima dos 65 anos e pessoas com problemas respiratórios», explica-nos o professor do Instituto Politécnico de Coimbra (IPC) e doutorado em Ciências Aplicadas ao Ambiente, Abel Carvalho.
«A forma de actuação passa pela definição de fontes de poluição e redução de emissões. Nos meios urbanos, a maior fonte de emissão é o transporte rodoviário»
Oxana Txepel, investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra
O especialista adianta ainda que estes níveis se formam através da concentração de três ingredientes: óxido de azoto provocado por combustões, compostos orgânicos (que podem ser libertados por plantas) e radiação ultravioleta. «É muito difícil controlar ou mitigar estes níveis. Em relação ao sol não podemos fazer nada; aos compostos orgânicos também é difícil. Só no óxido de azoto é que podemos ter algum controlo. Qualquer combustão pode provocar libertação de óxido de azoto, desde automóveis, lareiras, caldeiras industriais e até um cigarro», enumera.

A investigadora da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra, Oxana Tchepel, acrescenta ainda outra dificuldade:o facto de o ozono ser um poluente secundário. «Não há fontes de formação directa. Os episódios ocorrem normalmente em dias com forte radiação solar, temperaturas altas e vento fraco», informa.
Controlo das combustões
Dos três factores que contribuem para o aumento dos níveis de concentração de ozono, Abel Carvalho afirma que só as combustões podem ser controladas pela acção humana, mas admite dificuldades. «Em ambiente urbano, uma redução da circulação de automóveis ou da actividade de caldeiras industriais poderia afectar a actividade económica, mas são os factores que podemos controlar. A dificuldade de controlar estes episódios leva a que a DGS [Direcção-Geral da Saúde] peça à população que se proteja», aponta. Para Oxana Tchepel, a mitigação destes episódios é um assunto importante, mas complexo. «A forma de actuação passa pela definição de fontes de poluição e redução de emissões. Nos meios urbanos, a maior fonte de emissão é o transporte rodoviário», salienta.
Mas Oxana Tchepel acrescenta mais um factor à complexidade de controlar estes episódios: é que mesmo a redução de emissões não é garantia de que os níveis de concentração de ozono baixem. «A ligação entre os três elementos não é linear e depende do equilíbrio entre os três. Em determinadas situações, a redução das emissões de óxido de azoto pode até levar ao aumento dos níveis de ozono, o que torna mais complicada a implementação de medidas de mitigação».
Câmara Municipal não tem plano de acção
Em Coimbra, existem duas estações de medição de qualidade do ar exterior, que são geridas pela CCDRC): uma na Avenida Fernão de Magalhães e outra no Instituto Geofísico, na Avenida Dias da Silva. Quando questionado sobre que medidas é que a autarquia tem previsto accionar para mitigar estes episódios e melhorar a qualidade do ar em geral, a resposta do vereador com a pasta do Ambiente, Carlos Lopes, é curta e categórica: «É a comissão quem faz o controlo da qualidade do ar. Gere as duas estações de Coimbra e tem a competência de gerir os avisos. Sempre que a CCDRC nos comunica, nós damos nota pública dos avisos».

Segundo a informação que nos foi prestada pela CCDRC, «perante a ocorrência de ultrapassagens aos valores limiares de informação e de alerta nas estações da rede de monitorização da qualidade do ar da região centro, é enviado um comunicado, via e-mail, para os organismos de saúde da região, para as autarquias das zonas afectadas, às instituições de ensino e para os órgãos de comunicação social locais, regionais e nacionais, com o objectivo de informar a população o mais breve possível da situação.
Do comunicado consta informação relativa aos poluentes em excedência, as concentrações, os locais atingidos e as precauções que cada indivíduo deve tomar em termos de saúde». A Comissão prossegue que é também disponibilizada ao público informação sobre as situações de excedência aos valores limiares de informação e de alerta registadas na Região Centro, desde que seja efetuada subscrição pelo endereço electrónico geral@ccdrc.pt.

Oxana Tchepel alerta, no entanto, para a dificuldade em tirar conclusões na medição da qualidade do ar em Coimbra, devido às falhas na recolha. «Por exemplo, o óxido de azoto tem tido uma eficiência muito baixa na recolha de dados. Nos últimos anos, a estação que avalia a emissão deste poluente junto ao tráfego rodoviário em Coimbra teve uma eficiência de 11% em 2017, 36% em 2018 e 0% em 2019. Em 2020, a eficiência já é 91%, mas deixaram de estar disponíveis os níveis de óxido de azoto de uma das estações, que caracteriza níveis de poluição de fundo urbano. Desta forma, é difícil analisar a situação e tirar conclusões», entende.
Muito a fazer na melhoria
A Agência Portuguesa do Ambiente disponibiliza um portal onde é feita a previsão da qualidade do ar em todo o país. Segundo o histórico do portal, a qualidade do ar em Coimbra entre os meses de Julho e Agosto variou, em média, entre o médio e o fraco.
Oxana Tchepel admite que, apesar dos episódios recentes, a tendência dos últimos anos é a redução dos níveis de concentração de ozono. No entanto, considera haver ainda muito a fazer relativamente à melhoria da qualidade do ar exterior. «Se fizermos a comparação com os padrões da Organização Mundial da Saúde, a situação é mais complicada, em Coimbra e na maioria das cidades europeias. Estes padrões não são obrigatórios, mas são recomendados, e têm por base os efeitos na saúde», completa.

A má qualidade do ar em Portugal levou a que, em Novembro de 2021, a Comissão Europeia entrasse com uma acção no Tribunal de Justiça da União Europeia devido à má qualidade do ar causada por níveis elevados de dióxido de azoto, com especial incidência nas zonas Lisboa Norte, Porto Litoral e Entre Douro e Minho.
«A poluição atmosférica continua a constituir o problema mais grave de saúde ambiental na União Europeia (UE). De acordo com as estimativas da Agência Europeia do Ambiente, cerca de 400 mil mortes prematuras podem ser atribuídas, em cada ano, à poluição atmosférica na UE. No que se refere especificamente ao dióxido de azoto, as estimativas apontam para quase 50 mil mortes prematuras por ano», informava, então, a Comissão Europeia numa nota de imprensa.