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Debates públicos: não basta parecer, é preciso ser

O município promoveu um encontro para a comunidade discutir o plano para a nova estação ferroviária, mas o espaço para os contributos da população foi mínimo. No entanto, a falha pode ser colmatada e mostramos como.

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Fotografia: Mário Canelas

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Imaginem que são convidados e convidadas para um jantar e, na hora marcada, colocados numa extensa fila, atrás de autoridades e convidados de honra. Agora imaginem que ao chegarem à mesa, após horas de espera, percebem que sobra muito pouco para comer além de restos. A cena imaginária é uma analogia que convida à releitura sobre o debate do Plano de Pormenor da Estação Coimbra B, realizado no último dia 24 de maio, no Pólo II da Universidade de Coimbra. Proposta pelo movimento Cidadãos Por Coimbra e promovida pela Câmara Municipal em parceria com a Assembleia Municipal, a iniciativa foi anunciada com entusiasmo como sendo a primeira aberta à ampla participação cidadã – e foi exatamente neste pioneirismo que a expetativa se tornou frustração. «Horrível. Esse é um modelo totalmente ultrapassado de participação», avaliou um dos muitos arquitectos presentes. «A sensação é de que fomos usados para legitimar o debate», lamentou uma outra pessoa, à saída do evento. Vozes que são ponto de partida para revisitar aquela tarde por um prisma diferente – o dos que ocuparam os últimos lugares da fila.

O tempo é fator importante na compreensão dos espaços de participação do debate. Mais de 200 pessoas lotaram o auditório Laginha Serafim – Polo II/Departamento Engenharia Civil para ouvir quatro horas e 40  minutos de falas ininterruptas de gestores, políticos, palestrantes convidados, arguentes listados e público em geral. «Nunca se praticou em Coimbra este tipo de debate», enfatizou Luis Marinho, presidente da Assembleia Municipal e mediador do evento. «Nunca é demais discutir Coimbra, debater Coimbra, ouvir todas as opiniões, porque todas têm contributos válidos para a nossa comunidade», completou o chefe do Executivo, José Manuel Silva. Mas o «nunca» dos representantes municipais foi insuficiente para mudar a mais baixa representatividade popular de sempre, no evento. Estatisticamente, das quase cinco horas de interlocuções registadas naquela tarde, o tempo concedido à «voz do povo» foi de meros 7% – ou escassos 19 minutos. Democraticamente, é uma conta que não fecha – mas abre a oportunidade de refletirmos sobre modos eficientes de participação cidadã e fortalecimento social.

Os diferentes degraus da participação cidadã  

 «A participação cidadã constitui um sinónimo para poder cidadão», escreveu a pesquisadora Sherry Arnstein, em um artigo seminal de 1969 que até hoje tem ajudado a refletir sobre essa «pedra fundamental da democracia» e sua relação com as mudanças sociais. No texto Uma escada da participação cidadã, Arnestein apresenta três níveis de participação popular distribuídos em oito degraus: na base da escada estão manipulação e terapia, degraus caracterizados pela não-participação popular e pela intenção de «educar» ou «curar» adotada por tomadores de decisão. Os degraus intermédios (informação, consulta e pacificação) abrem uma concessão limitada às pessoas ouvirem e serem ouvidas – o que não garante, contudo, que haja qualquer efeito influenciador na opinião dada pelos cidadãos, «não há garantia de mudança do status quo», aponta Arnstein. Alcançar os degraus mais altos (parceria, delegação de poder e controle cidadão) implica real poder de influência e co-participação nas decisões públicas pela população. Se utilizássemos a escada proposta há mais de meio século por Sherry Arnstein para avaliar o debate de 24 de maio, qual seria o nível de participação cidadã ou quais degraus teriam sido alcançados no debate do Plano de Pormenor da Estação Coimbra B?

«Qual a pressão demográfica que o projecto vai impactar na zona Norte da cidade«Há estudos que fundamentam a necessidade de uma ponte sobre o Choupal e que problema essa ponte resolveria?»; «Não consigo perceber porque estão a propor uma linha férrea com o dobro do custo no Vale do Mondego»; ou ainda «Estive a contar mais de cem casas que serão deitadas abaixo em São Martinho do Bispo. Não há mais nenhum sítio para a via férrea além de passar por cima das casas das pessoas?» – foram perguntas não respondidas, guardadas para debates futuros.

À primeira vista, o evento estaria no segundo nível – ou de «participação mínima de poder» -, ao serem identificados os degraus da informação e consulta, do ouvir e ser ouvido. Porém, de acordo com Arnstein, «quando estes níveis são definidos pelos poderosos como o grau máximo de participação possível, os cidadãos não têm o poder para assegurar que suas opiniões serão aceitas por aqueles que detêm o poder». As palavras da investigadora norte-americana tornam sensíveis pronunciamentos feitos, por exemplo, pelos presidentes Luis Marinho e José Manuel Silva. O mediador, ao comentar sobre a metodologia do debate, declarou ter sido adotada «uma fórmula multifacetada de criar opinião pública – e esperemos uma opinião pública favorável em relação aos desígnios deste projecto». Já o presidente da Câmara Municipal falou sobre a importância de ouvir a todos para depois, «a quem é de direito, tomar uma decisão e implementar um projecto que seja tão favorável a todos e a todas quanto possível». São entrelinhas que merecem reflexão ponderada.

Luís Marinho,, presidente da Assembleia Municipal de Coimbra

«Não podemos fazer um debate eterno»

Sherry Anstein ressalta tais entrelinhas, ao afirmar que a divisão dos degraus nem sempre é capaz de revelar obstáculos para se alcançar níveis genuínos de participação como o «paternalismo e a resistência à distribuição de poder», por parte dos tomadores de decisão, ou «inadequação de infraestrutura» ou «limitado acesso à informação» pelos cidadãos e cidadãs. Essas barreiras podem estar em discursos subtis ou travestidas de regras de organização e ordem. Foi o que aconteceu, por exemplo, aquando da abertura do microfone às pessoas não-convidadas oficialmente – ou as ‘últimas da fila’ -, após 3h40 de falas previamente programadas. «O objetivo agora é ouvir as pessoas», anunciou o mediador do debate, para um auditório já esvaziado, às 18h30. Contudo, quando algumas pessoas tentaram inscrição para falar foram surpreendidas com o encerramento das submissões, pois já havia uma dezena delas.

«Estão aqui muitos. Nós não podemos fazer um debate eterno e, portanto, eu pedia que as pessoas tentassem esclarecer o mais possível com menos número de palavras possível para que muitos possam perguntar. Em função do decorrer do trabalho nós veremos o tempo que nos resta e aquilo que em princípio se considera a cada um para poder falar», havia informado Luis Marinho, logo no início da sessão. Parte das palavras e práticas observadas naquela tarde guardavam um alinhamento com a noção «campo» do sociólogo francês Pierre Bourdieu, onde discursos, estruturas e normas específicas marcam os espaços de disputa de diferentes agentes e grupos sociais no contexto do chamado «poder simbólico». Exemplo disso seria a disposição de lugares reservados às autoridades nas primeiras fileiras do auditório, deixando ao público aquelas mais ao fundo. E o pouquíssimo tempo de fala concedido ao público também foi simbolicamente amargo. «Temos aqui dez inscritos, que terão de dois a quatro minutos para falar» – estabeleceu o mediador, em contraste flagrante com tempo concedido aos 14 outros interlocutores previamente convidados, que tiveram entre 10 a 45 minutos de fala.

Do grupo de 10 inscritos, já só sete permaneciam no auditório quando chamados à fala – e os três ausentes não puderam ser substituídos por outros que quisessem participar. Mais, ainda: um dos sete interlocutores a conseguir inscrição – o secretário da ONGA Quercus Coimbra, Túlio Cunha – teve a leitura de um manifesto interrompida depois de esgotado o tempo estabelecido para intervenções, a apenas um parágrafo para a conclusão do texto. Quando alguém da plateia questionou sobre a possibilidade de conceder à pessoa calada o tempo necessário para leitura das últimas linhas, o mediador sentenciou: «O senhor está inscrito? Não está. Então não pode falar».

«Estes tempos de participação parecem-me o indicativo de um mecanismo deficitário porque não foi um espaço verdadeiramente inclusivo. Não podemos pensar que participação assume só aquele formato fechado, pensado de cima para baixo, onde vocês vêm mas falam quando eu deixar, têm um tempo pré-definido para isso. Isto não é propriamente participação. É muito asséptico», avalia Ana Raquel Matos, socióloga co-coordenadora do programa de doutoramento Democracia no Século XXI pelo Centro de Estudos Sociais, em parceria com a Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra (CES/FEUC). Asséptico também foi o silêncio dispensado a algumas questões colocadas pelo público. «Qual a pressão demográfica que o projecto vai impactar na zona Norte da cidade«Há estudos que fundamentam a necessidade de uma ponte sobre o Choupal e que problema essa ponte resolveria?»; «Não consigo perceber porque estão a propor uma linha férrea com o dobro do custo no Vale do Mondego»; ou ainda «Estive a contar mais de cem casas que serão deitadas abaixo em São Martinho do Bispo. Não há mais nenhum sítio para a via férrea além de passar por cima das casas das pessoas?» – foram perguntas não respondidas, guardadas para debates futuros. Muitas dúvidas e poucas respostas, muitas vozes e pouca participação.

Joan Busquets, arquitecto e autor do Plano de Pormenor da nova estação

Perspetivas, desafios e soluções para a participação cidadã

Conceder pouco espaço de participação, inviabilizar intervenções populares ou estruturar plataformas excessivamente formais de debates fragiliza o processo democrático e arranha a credibilidade nas instâncias políticas. E o desafio de incluir democraticamente todos e todas que queiram participar das decisões coletivas não é fácil de transpor, mas há formas de colmatar essas falhas com sensibilidade e vontade política. «Participar é envolver, é ter voz, é ter uma postura receptiva no sentido de ouvir e acolher aquilo que os cidadãos, cidadãs e coletivos organizados têm para dizer. É preciso chamar os coletivos organizados da sociedade civil e ouvi-los. Esse deveria ser o espaço privilegiado para pensarmos a participação em questões desta natureza. De outra forma, há aqui um desequilíbrio. O espaço de participação é um espaço de co-construção de decisões. Se não for assim, estamos de alguma forma a coartar a participação», enfatiza Ana Raquel Matos.

«É assim: eu não posso faltar ao trabalho para assistir a um evento que vai ocorrer às duas e meia da tarde, dia útil. Tem que se encontrar uma alternativa que vai abranger os diferentes segmentos da população. É uma questão de direito à cidade.»

Ana Raquel Matos, socióloga

Segundo a socióloga, os desafios para essa co-construção começam pela antecipação do diálogo. «Primeiro, o debate público deve acontecer o mais cedo possível. Este é um critério importante, exatamente porque ele deve acontecer antes das decisões estarem tomadas”, enfatiza. Neste aspeto, a boa notícia é que o debate ocorrido no último dia 24 de maio foi caracterizado como o primeiro de muitos, pela gestão municipal. «Esta é uma fase muito preliminar, não há detalhes ainda. Estamos trabalhando com um modelo conceptual. A questão agora é ‘que cidade queremos construir aqui?’ Estamos nessa fase e, por isso, a própria Câmara irá fazer muitos mais debates», declarou a vereadora da mobilidade, Ana Bastos.

Estabelecer dias, horários e formatos alternativos de participação cidadã também são requisitos de incentivo à co-construção da cidade. «É assim: eu não posso faltar ao trabalho para assistir a um evento que vai ocorrer às duas e meia da tarde, dia útil. Tem que se encontrar uma alternativa que vai abranger os diferentes segmentos da população. É uma questão de direito à cidade», alerta Ana Raquel Matos. «Muitas pessoas não podem abdicar de um dia ou de uma tarde de trabalho para ir contribuir para o bem comum, para pensar a cidade. Tem de haver outras maneiras de envolver os diferentes segmentos da população. Há pessoas que não gostam de escrever, outras que não gostam de falar em contextos públicos. Portanto, tem de haver diferentes espaços para acolher as diferentes opiniões, as diferentes percepções, sobre aquilo que está a acontecer na cidade porque isso vai ter impacto nas nossas vidas. Fazer uma consulta pública implica ativar dispositivos técnicos e procedimentos burocráticos que acabam por se constituir como barreiras à participação: preencher um formulário, aceder a um relatório técnico, etc. Tem de haver outra forma de ouvir as pessoas», ressalta a investigadora do CES.

Há exemplos de boas práticas de participação cidadã por todo lado – do popular Orçamento Participativo aos modelos de «mini-públicos» (Estados Unidos) ou de «oficinas de bairros», entre tantos outros disponíveis para consulta e aplicação. O que nos falta, então, para implementá-los? «Eu diria que a boa prática se resume aqui a bom senso e vontade política», sintetiza Ana Raquel Matos. Para o arquitecto Duarte Miranda, que já participou de iniciativas cidadãs na Bélgica e integra grupos de ativismo democrático em Coimbra, «ainda há muito a aprender com esses tantos modelos que já existem». Ele olha com esperança, contudo, para iniciativas como o debate sobre a estação ferroviária que vai substituir a actual Coimbra B: «Há algum tempo aquele espaço nem sequer existia, não havia informação. Ainda estamos muito longe do ideal, mas este é o caminho».

Para dar um passo adiante ou subir um novo degrau da participação cidadã é preciso estar preparado para controvérsias, «situações que não são geradoras de consenso, exatamente por terem impacto na vida das pessoas», alerta Ana Raquel Matos. Esta parece ser uma condição aceite pela Câmara Municipal de Coimbra. «Deixo aqui o desafio de criarmos um fórum de discussão com todas as forças políticas. Tenho gosto em reunir de três em três meses com essa comissão. E, mais do que isso, desafio-vos todos a lançar os vossos próprios debates. Envolvam a população, convidem-nos e lá estaremos. O convite está aceite», garantiu Ana Bastos. Eis uma inegável oportunidade de colocar em prática modelos de participação cidadã menos burocráticos, amplamente democráticos. Retomando à analogia primeira: é preciso planear um novo jantar – não aquele cujo alimento seja priorizado às autoridades e técnicos, mas um onde toda e qualquer pessoa tenha a oportunidade de sentar-se à mesa.

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