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    Entrevista a António Ferreira

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    Reportagem da rodagem de «Bela América»

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    Casa do Cinema de Coimbra

    Filme de António Ferreira coloca ex-combatente racista num lar e «olho no olho com mulher negra»

    Perante a escalada da xenofobia e racismo em Portugal, que pede reflexão e diálogo, o cinema pode desempenhar um importante papel. É o que defendem o realizador de Coimbra e protagonistas de «Arménio», José Martins e Mina Andala, em rodagem no último andar das Galerias Avenida.

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    Fotografia: Tiago Cerveira

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    Entrevista a António Ferreira

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    Casa do Cinema de Coimbra

    De «Esquece Tudo o Que Te Disse» (2002), parece que agora o realizador António Ferreira nos quer dizer «esquece tudo o que viste (ou não viste) no cinema sobre colonialismo, racismo e terceira idade em Portugal. «Em certos momento [a personagem] diz coisas que eu passei toda a vida a dizer, mas nunca vi este meu lado retratado nas salas de cinema, na televisão», revela a protagonista Mina Andala, actriz portuguesa, conhecida do pequeno e grande ecrã, que ainda no ano passado desfilou na passadeira vermelha do Festival de Cannes ao lado de Jude Law e Alicia Vikander, pelo filme «Firebrand» (2023, Karim Aïnouz).

    «Quando se fala na guerra colonial e nas colónias foca-se muito no lado bélico da coisa, no lado militar, não se reflecte sobre as ressonâncias pelas quais, até hoje, a nossa sociedade está contaminada», continua Andala antes de ir para a varanda dar o braço a José Martins e gravar mais uma cena de «Arménio», a quinta longa-metragem do realizador de Coimbra que acaba de ser rodada, como habitual, na nossa cidade. «É uma sucessão de quadros fortes e ao mesmo tempo belos e terríveis desta realidade», descreve Martins.

    Estamos no último andar das Galerias Avenida. O sexto a contar da sala onde durante décadas foram projectadas inúmeras películas, hoje Casa do Cinema de Coimbra. O espaço foi ocupado por uma clínica e transformado em cenário do filme que conta a história de um octagenário, ex-combatente da guerra colonial, que subitamente se vê internado num lar por motivos de saúde e é entregue aos cuidados de Hermínia. «Anda todo à volta da questão do envelhecimento, de uma pessoa que sempre foi autónoma, e esteve relativamente bem fisicamente, que a certo ponto da vida se vê obrigado a ir para um lar e a forma como lida com isso», conta António Ferreira. «Por outro lado, como ex-combatente e homem que cresceu durante o Estado Novo em que os negros eram caracterizados como terroristas e selvagens, que, de repente, se depara com a situação em que a pessoa que cuida dele é negra.»

    Andala diz que «este filme tem o condão de colocar pela primeira vez um homem branco olho no olho com uma mulher negra». «Os dois portugueses», nota, assumindo ao longo da conversa que há um lado da nossa sociedade que considera que desconhece. «É preciso diálogo e falar das coisas, e eu acho que o cinema tem esse poder e deveria usá-lo mais vezes. Somos todos pessoas e o Portugal de ontem não é o Portugal de hoje. E é preciso falar acerca disso.»

    José Martins, que recordou sorridente as chanfanas que comeu na República Pra-kys-tão e os tempos em que pisou o palco do (Teatro) Avenida com o Grupo de Teatro de Campolide, que fundou na década de 1970, diz que «o quotidiano [dos idosos nos lares] é cada vez mais uma realidade à qual a nossa sociedade não está minimamente atenta». «Estes espaços que são a única solução, mas muitas vezes são depósitos e antecâmaras de um fim de vida triste e sem objectivos. Não são actividades que façam com que as pessoas se sintam socialmente úteis, estão a fazer essa coisa horrível que é passar o tempo.»

    «É preciso diálogo e falar das coisas, e eu acho que o cinema tem esse poder e deveria usá-lo mais vezes. Somos todos pessoas e o Portugal de ontem não é o Portugal de hoje.»

    Mina Andala, actriz

    Nem tudo é pesado. Zeca Carvalho, fundador do Coimbra Impro (que «batalha» no Grémio Operário por estes dias), diz que interpreta um fisioterapeuta que aligeira bastante os dias no lar de «Arménio». Mas, a viver em Coimbra desde 2021, o actor e formador considera que «era necessário falar da condição dos idosos em Portugal; a violência contra os idosos, o preconceito que é dirigido aos idosos, a maneira pela qual são alijados da sociedade». Questionado sobre o tema do preconceito abordado no filme, conta que a filha foi vítima de xenofobia em Coimbra e, como professor num estabelecimento de ensino local onde convivem pessoas de etnia cigana e de nacionalidade/ascendência africana e sul-americana, constata que «estas histórias se somam e nos últimos anos está crescendo, o que é bastante alarmante». Mas assegura que «por outro lado também existe mais denúncia e mais reflexão sobre o tema, como é o caso deste filme».

    Um estudo do European Social Survey, avançado pelo jornal Público em 2020, revelou que 62% dos portugueses manifestam alguma forma de racismo. No caso da xenofobia, são inúmeras as notícias que dão conta de testemunhos e denúncias na comunicação social, nos últimos anos.

    Depois de «Pedro e Inês», o filme português mais visto de 2018 com base na lenda coimbrã do amor proibido entre D. Pedro de Portugal e a galega Inês de Castro, coroada rainha depois de morta, e «Bela América» (2023), a história da política e candidata a presidente – que «não é de esquerda nem de direita, muito pelo contrário» seduzida por um cozinheiro desalojado, António Ferreira conta a história do encontro entre Hermínia e Arménio e aborda «a questão do racismo do ponto de vista do racista». Recusando-se a «falar para dentro da bolha, onde o discurso é para a pessoa que já não é racista e é anti-racista», o realizador considera «que isso é chover no molhado» e «gostava de falar para a pessoa que ou é racista ou é, mas acha que não é. Como aquele comentário: “Não sou racista, mas casar não”.»

    Excepto os protagonistas, a restante equipa e elenco são de Coimbra. Claudia Carvalho, Isabel Craveiro, Sofia Coelho, Robson Lemos, João Damasceno, Rui Damasceno, Pedro Lamas e o jovem Teosson Chau são alguns deles. «Gosto de trabalhar em casa, há muito talento», diz António Ferreira. José Martins e Mina Andala sentem-se em casa, elogiam a cidade e subscrevem o valor artístico e cultural.

    Segundo o realizador «Arménio» deve chegar às salas em 2025.

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