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Coimbra Out Loud

João Rui: «Uma parte de ti é o sorriso do teu pai e outra é o insulto do teu vizinho.»

Drive through your suburbs into your blues Into your blues Gira o disco e o pequeno João escuta atento, junto ao pai e ao tio. «Quem é este senhor, tio? Ele morreu? E morreu de quê?» Tanta coisa em três perguntas. Curiosidade, gosto pela música, interesse pela morte. Tudo numa sala de estar da aldeia […]

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Fotografia: João Azevedo

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Coimbra Out Loud

Drive through your suburbs into your blues
Into your blues

Gira o disco e o pequeno João escuta atento, junto ao pai e ao tio. «Quem é este senhor, tio? Ele morreu? E morreu de quê?» Tanta coisa em três perguntas. Curiosidade, gosto pela música, interesse pela morte. Tudo numa sala de estar da aldeia de Sobral, no município de Soure, onde João Rui vive até aos 8 anos. «Lembro-me de vir a Coimbra e pensar que a Igreja de Santa Cruz era a entrada para o metro.» Muda-se com a família para essa cidade que dava ares de capital para continuar os estudos no Ensino Básico. Mas aquelas sessões, a ouvir os discos de vinil do pai, acompanham-no. «O meu pai gostava muito de música, comprava muitos discos. Aquele que estávamos a ouvir era o L.A. Woman dos The Doors (Calha bem! Podia ser outra coisa qualquer, mas tinha bom gosto)».

Mais tarde, quando já se ajeita com a guitarra, pega na Honda do padrinho mas só se lembra de pensar: «Isto está em muito mau estado.» Já sabe umas coisas. Tem 16 anos e ao passar na rua vê uns vizinhos a tocar na garagem e a ideia materializa-se na sua cabeça: «Isto pode ser feito.» Ouvir discos nunca mais foi o mesmo. De Elvis Presley aos The Cure, começa a separar mentalmente cada som e cada instrumento, desafia a mente e carrega no peito todas as emoções embebidas em letras e notas musicais. É nessa vertigem da música que conhece a cara metade artística. «Conheci o Jorri quando ele veio para a universidade fazer Química, acho. Eu já me juntava com uns colegas na garagem a ensaiava umas coisas, mas não havia aquela coisa de fazer uma banda. O Jorri é que vinha de Leiria mais ou menos formatado com a ideia de criar um grupo e fazer concertos.» 

O curso de Gestão aconteceu, mas não sabe muito bem porquê. «Culpo os psicólogos que fazem aqueles testes psicotécnicos na escola. Fiz aquele curso mas podia ter sido outro qualquer». O lado divertido do Marketing ajuda a levar a empreitada a bom porto. Ainda trabalha uns anos num banco, mas o coração já só seguia o compasso musical. Com Jorri. «Somos como aqueles velhos casais em que que um vai enterrar o outro.» Muita gente gravita à volta de A Jigsaw. Bateristas, guitarristas, violinistas, cantores e outros músicos que compõem a mutável Great Moonshiners Band e embalam o caminho quase predestinado do projecto bicéfalo. «Houve um grande processo de descoberta sobre o que é que nós queríamos fazer dos temas, um grande regresso às origens e ao que havia dos blues e do folk para nós.» 

Há aquele adágio do «És aquilo que comes» e João Rui acredita que somos aquilo que consumimos intelectual e culturalmente. A literatura é fundamental (Fiódor Dostoiévski, Franz Kafka, entre outros) e as letras são tão ou mais importantes do que a melodia. «Tem de haver uma razão para as coisas, para aquela frase estar ali; pela mesma razão por que está ali aquela guitarra, tem de haver uma razão para aquela palavra, aquela vírgula, aquela inflexão.» Nada é feito ao acaso, nem à solta. Os textos são escritos com anos de antecedência. «Há medida que vou escrevendo vou percebendo relações entre as canções.» Lobos, piratas, alquimia, morte. «Haverá alguma coisa mais importante? Vou falar de quê, dos móveis do Ikea?».

Cada canção que sai da pena de João Rui serve um conceito, mas há partes que lhe agradam mais do que outras. «No Drunken Sailors & Happy Pirates falo da construção de identidade, da ideia de horizonte, dos heróis ou ídolos, da parte de ti que não és só tu. Uma parte de ti é o sorriso do teu pai e outra é o insulto do teu vizinho.» A voz é poderosa. Mas também faz com que o público passe a vida a desencantar referências. De Mark Lanegan a Leonardo Cohen (para «aquela senhora que vinha de bengala ao concerto»). O que não sabíamos, era que durante anos quis soltar uns agudos. João fala rápido e o tom sobe quando não está a cantar, mas ao microfone a voz cai com a gravidade.

As digressões são «educativas». «Acabamos o concerto, copinho de água e cama. No dia seguinte, mais duzentos quilómetros e outra vez.» A sério? «Todos os exageros que se possa fazer vão pagar-se no concerto do dia seguinte. Ou a voz não chega lá ou estás cansado, ou estás com sono, e não consegues dar o teu melhor. Quando chegas àqueles concertos em que há pessoas que fizeram muitos quilómetros para te ver, fica complicado dar menos do que aquilo que podes dar.» Já por isso não evita uma boa conversa, lá do palco. Falar sobre os temas, conectar, por muito que parte de si peça alguma reserva. «É uma coisa única que está ali a acontecer, cria-se uma família instantânea, acho difícil não falar. Acho difícil o silêncio. Não faz parte de mim.»

Produtor na Lux Records, mistura quase tudo o que a editora conimbricence lança. «Por isso tenho conhecimento daquilo que se vai fazendo e há muita, muita qualidade». Bandas novas e velhas glórias, as colaborações são inúmeras, mas há uma especial. Tracy Vandall conquista-o desde o dia em que a vê cantar Lost Words, com os Tiguana Bibles. «Achei magnífica a voz dela e tive a ideia de escrever uma canção para ela cantar; depois foi uma questão de a encontrar no States e convidá-la. Lovely Vessel apareceu no álbum Drunken Sailors & Happy Pirates no ano seguinte. «Mais tarde voltámos a cantar coisas juntos e hoje a Tracy é uma habitué dos concertos, porque dá uma segunda vida às canções.» Nisto aparece também John Mercy. «Porque se tivesse de ter outro nome era o que eu escolhia.» Na calha está um disco a solo, outro com Tracy e outro com Pedro Renato. 

«É muito prematuro falar de muitas das coisas que contribuem para a existência do meu disco a solo, mas a minha família foi onde encontrei sempre muito apoio para tudo o que quisesse fazer.» A família de sangue e a cidade de Coimbra. «É aqui que tem feito tudo e tanto. Em Portugal nunca houve aquela ideia de: “Ei, se fizermos um grande concerto pode ser que esteja cá alguém que nos vai contratar”. Em Coimbra então isso não acontece e a Blue House surge muito por causa disso, da ideia de auto-suficiência. Com editoras grandes ou levamos o álbum feito e querem editar ou não há hipótese. Há 20 anos davam 50 mil euros a uma pessoa para gravar um álbum. Agora com 50 vezes menos do que isso consegues gravar um álbum, com a mesma qualidade ou superior».

Faz falta a crítica. «Com a internet temos a ilusão de que estamos todos lá fora mas não estamos, porque a rádio e a televisão continuam a ser os manda chuvas. A Blitz deixou de ser isenta. Houve blogues, uma espécie dos nossos bombeiros voluntários, mas começaram a morrer. Depois veio o MySpace e as redes sociais que customizaram tudo e os blogues ficaram um bocado como Portugal: Ninguém passa aqui por acaso. Como estamos na União Europeia, deixamos de ser um blogue e já estamos no Facebook europeu mas somos uma descoberta que as pessoas decidem activamente fazer. Mas sim, faz falta alguém isento que escreva e mantenha as pessoas em bicos de pés»

Só falta tempo para investir na técnica de alguns instrumentos. Mas se falta um som em estúdio, João é o aquele quinto elemento que não vemos no cartaz mas está lá. Se falta uma voz, não se inibe de a chamar, como aconteceu com Carla Torgerson. E há outras que não nomina, mas desconfiamos que moram lá na vontade. «Um dia destes sonhei que estava num bar com o Tom Waits. Não era o Tom Waits de agora, era o dos anos 80, do Rain Dogs talvez. Ele tinha um monitor a passar letras e eu dizia: “Não reconheço nada disto”. Ele respondia: «Pois, já editei há algum tempo.» Eu continuava a pensar: «Mas eu devia saber isto!» e nisto toca a Summer…qualquer coisa, não me lembro, e eu digo que acho que aquela conheço. A única coisa que ele responde é: «Oh, that one always cracks me up». E acordou. 

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