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Rádio Miúdos

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Reportagem Aldeia da Inovação Social

Rádio Miúdos: «Temos uma voz para dizer aquilo que nós queremos»

Trabalhando a confiança, não só dos locutores como na força da comunicação social, há muito que a primeira rádio portuguesa feita por crianças e para crianças deu os primeiros passos. Agora o sonho é global.

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Fotografia: Filipa Queiroz

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Reportagem Aldeia da Inovação Social

«Temos um comunicado importante a fazer…», diz Tomás. Estamos na Aldeia da Inovação Social, na aldeia da Luz, Alentejo, e o locutor da Rádio Miúdos está instalada numa tenda no largo principal, a tratar da animação sonora e a transmitir em directo informações aos participantes, mas também a fazer entrevistas e reportar o que vai acontecendo. Com ele estão Sara, 13 anos, Luana, com 14, João Pedro e Verónica, coordenador e directora da estação.

Aproveitámos uma pausa para o lanche para os conhecermos. Tomás é o mais velho e há dois anos que anda nesta vida do jornalismo. Tem 15 anos e é fã do apresentador de televisão e também radialista Vasco Palmeirim. Luana integrou a equipa mais recentemente, mas começou na rádio da escola. «Adorei, fazia todos os projetos que havia e já queria entrar na Rádio Miúdos, mas os meus pais tinham-me dito que não. Ao terceiro convite foi de vez». E que tal? «É muito bom. Temos uma voz para dizer aquilo que nós queremos e falar daquilo que gostamos.»

Sara explica que cada um tem o seu programa. No caso dela, faz semanalmente uma emissão de uma hora com Luana, que exige outra hora de produção, ou seja, preparação daquilo de que vão falar. «Se tivermos alguma entrevista, preparamos a entrevista; se não tivermos entrevista, temos de preparar conteúdos.» Entrevistas a quem? «Muitas pessoas de muitas áreas diferentes. Às vezes as entrevistas são a pessoas menos conhecidas e é giro porque, às vezes, as pessoas não são conhecidas, mas fazem coisas muito giras, então nós acabamos por descobrir muitas coisas novas.»

Tomás, Rádio Miúdos

Tomás dá um exemplo de uma entrevista que o inspirou. Foi a Mafalda Mota, escritora e ilustradora do projecto Heróis Sem Capa. «O objetivo dela é homenagear os heróis da vida real. Aqueles que não têm capa, que não se conhecem, outra vezes que se conhecem muito bem. Portanto, normalmente são pessoas com uma característica diferente das outras. Ela foi super querida, muito simpática. Tem uma alegria dela mesmo e o projeto dela é muito bonito. Então, gostei muito, apesar de não ser muito conhecida acho que foi das entrevistas que mais gostei de fazer.» 

Perguntámos aos três locutores qual dos conhecidos gostaram mais de entrevistar. «Os Clã!», atirou o Tomás. «A Bárbara Tinoco e a Marisa Liz», lançou Sara. «A Marisa disse que estava na expectativa de nós fazermos perguntas um bocadinho diferentes e disse que acabámos por fazer outras perguntas que ela não costuma receber com tanta frequência», acrescentou orgulhosa. Luana está mais calada, ainda não conduziu muitas entrevistas, normalmente encarrega-se da filmagem para a transmissão vídeo.

Luana, Rádio Miúdos

O estúdio da Rádio Miúdos é no Bombarral. A equipa é grande e trabalha a partir de outras geografias. Cada um tem o seu programa e também se revezam para participar em iniciativas com esta. Transmitem em streaming no próprio site, das 15h às 18h em directo e o resto da grelha é gravada. Também é possível aceder através da aplicação para smartphone, têm um canal no Youtube e ainda o Canal Miudinhos. «Tem histórias, lengalengas, músicas mais infantis. É lúdico. A nossa é mais séria, mas é para miúdos na mesma. Somos uma rádio feita por miúdos para miúdos», clarifica Tomás, que admite que, às vezes, quando precisam de falar com alguém, dizem-lhes que «é melhor ir o adulto». «As pessoas olham de lado», diz. Sara partilha a vez em que entrou nos bastidores de um concerto e pediu à cantora Carolina Deslandes uma entrevista. Ela diz que o agente teve uma postura desconfiada. «Só depois de mostrar o projeto é que acabo por ter a confiança das pessoas.» 

João Pedro Costa é um dos dois adultos na sala. Enrola cabos, fala com quem passa, dá indicações sobre o que se vai passar a seguir. Não afina a voz quando fala com o staff. É fundador e coordenador. Tem muitos anos de experiência como profissional de rádio e formador na área dos media, em Portugal e não só. Trabalhou na R.U.T., RFM, RádioGeste, Rádio Macau e Euronews. Em 2015, regressado ao país depois de todas essas andanças, Verónica desafiou-o a fazer uma rádio para miúdos. «Nessa altura, como qualquer produtor de rádio, disse-lhe: “Olha lá, se houvesse uma rádio para miúdos não achas que já se tinham posto a fazer uma?”, e Verónica respondeu-lhe: «Não, mas a ideia é mesmo uma rádio de miúdos para miúdos!».

Verónica Milagres da Silva trabalha com crianças há mais de duas décadas. Com formação em ensino básico, ensina música, é cantora lírica e gravou inúmeros discos para crianças. Um prémio da Fundação Calouste Gulbenkian no âmbito do concurso de empreendedorismo social na diáspora Faz-Ideias de Origem Portuguesa no valor de dez mil euros, e o apoio da Representação da Comissão Europeia em Portugal, serviu para criar a estrutura da Rádio Miúdos. Adquirido o equipamento de streaming e «aquelas coisas que precisávamos de base», nasceu a primeira rádio portuguesa para crianças, em Novembro de 2015.

Exclusivamente on-line, com emissão 24 horas/7 dias por semana, destina-se a todas as crianças, pais e educadores, portugueses, luso-descendentes ou falantes de português que vivem em Portugal, no estrangeiro e nos PALOP (Países Africanos de Língua Oficial Portuguesa). No início transmitiam só em audio, apesar de, segundo João Pedro, as pessoas acharem era «uma coisa arcaica». «Mas não», argumenta, «cada vez mais a voz humana é uma defesa contra a opressão da imagem, do Instagram e todas as redes. Vê-se pelo crescimento dos podcasts, sobretudo nos Estados Unidos, mas vai ter eco no resto [do mundo]. Nessa altura ainda nos olhavam como um projeto do século passado, mas cada vez mais a voz será uma necessidade humana – ouvirmos a voz humana.»

Verónica, João Pedro, Tomás, Sara e Luana

O objectivo da Rádio Miúdos é dar às crianças portuguesas uma rádio à sua medida, com conteúdos, música, linguagem e informação adaptados às suas idades e onde possam ter voz. Pôr os miúdos a brincar com a própria língua desafiando-os através da palavra e da audição e não tanto pela imagem. Combater o “desamparo da língua” com que muitos emigrantes se deparam quando passam a residir no estrangeiro e preencher uma lacuna no panorama da língua portuguesa, ser um ponto de encontro e uma ferramenta para que as crianças emigrantes, espalhadas pelo mundo, possam praticar a língua e ter contacto com a cultura mantendo a ligação a Portugal.

João Pedro diz que as crianças sentem que estão a ser ouvidas. Que sentem que há quem cresça a ouvir a voz delas mantendo, ao mesmo tempo, um certo anonimato porque só se é identificado pela voz. E isso «é uma conquista», considera. A Rádio Miúdos vai às escolas e apoia a criação de Rádios Escola. «Achamos que uma rádio trabalha nas escolas a um nível das open e soft skills, isto é, trabalha a área social, trabalha a área de responder a desafios, trabalha o trabalho em equipa, trabalha comunicação. Em última análise até a noção de imprensa, tu respondes perante quem. Tu és um locutor, tens uma equipa responsável. Há hierarquia, mas uma hierarquia onde toda a gente é responsável e cooperativa.»

Verónica, João Pedro, Tomás, Sara e Luana

Futuro global

Os primeiros dois anos da Rádio Miúdos foram puro amor à camisola. Entretanto, Verónica e João Pedro conseguiram financiamentos, nomeadamente da iniciativa pública Portugal Inovação Social, mas também de entidades como a Rede de Bibliotecas Escolares, o Instituo de Apoio à Criança e o Fundo Social Europeu. «Quando não há financiamentos a gente trabalha na mesma, o problema é que os financiamentos têm um prazo de validade. Nós contratamos as pessoas e depois as pessoas têm de deixar de trabalhar para nós porque o financiamento acabou. Isto é um processo opressivo de pescadinha de rabo na boca. Isto é onde nós temos paixão, pelo projeto e por manter esta rádio a funcionar e os cento e tal miúdos que já passaram pelos estúdios da Rádio Miúdos, mais os outros miúdos que online vão participando, mais os milhares de miúdos das escolas onde trabalhamos. E trabalhamos nestes momentos com outras instituições que acreditaram no nosso processo.»

Por causa desta conversa, o Tomás e a Sara também quiseram entrevistar-nos. Quiseram saber mais sobre a Coimbra Coolectiva e passaram-nos microfone. Foi uma conversa entre colegas, parceiros também no caminho da sustentabilidade financeira, mas com igual amor e entusiasmo pelo ofício.

João Pedro acredita que a Rádio Miúdos pode mostrar que há mais escolhas para o futuro e diz, com a sua voz da experiência: «Eu posso morrer pobre, mas cá dentro nunca estarei pobre.» «Obviamente quando não se tem dinheiro não se sabe o dia de amanhã, mas, pelo menos, consigo dormir descansado», continua. «É uma coisa de que eu me livrei. Tu não estás a vida toda a dar mais notícias, a dar más notícias. As notícias são más, é um processo tóxico nas nossas cabeças de que eu me libertei há uns anos e que ainda bem que me libertei.»

Ainda sobre o trabalho nas escolas, que não se cansa de relatar, João Pedro diz que o fascínio da rádio é o efeito «ninguém me vai ver, ninguém sabe se eu sou preto ou branco, se tenho caracóis, se tenho borbulhas, se uso ósculos, se sou gordo, quebra-se logo uma barreira inicial». E acrescenta: «Sabem o que é que o Instagram diz hoje em dia? Tu és feito, tens de ser como esta pessoa. E quando as crianças encaram que são uma pessoa que não tem corpo e tem apenas voz, há um clique.»

O coordenador da Rádio Miúdos fala em «fenómenos» que acontecem nas visitas a escolas onde, por vezes, professores ou auxiliares avisam que certos alunos provavelmente não vão participar nas actividades propostas. «E, de repente, esse miúdo que não abre a boca nas aulas, com quem o professor nunca teve sequer uma interação, no fim diz-nos que nunca lhe tinha ouvido a sua voz. De repente, acontece o milagre do microfone – e nós brincamos porque a nossa directora tem mesmo Milagres no nome. Às tantas, os miúdos entendem que com a voz conseguem fazer coisas que nunca conseguiram fazer. Depois adaptam a técnicas de rádio, aquelas coisas que lhes ensinamos nas aulas. Afinal de contas acabámos por perceber que os conteúdos e a metodologia que usamos é adaptada aos currículos das escolas – a entrevista, a reportagem, a crónica, a opinião.»

O sonho final da Rádio Miúdos é tornar-se uma rádio global. «É acabar a emissão em directo ali no Bombarral às 18h e, por exemplo, passar para o nosso estúdio no Rio de Janeiro. E a malta da Rádio Miúdos no Rio de Janeiro fazer a emissão até às 21h. E do Rio de Janeiro dizem: “Agora a emissão passa para a Califórnia”. Esse é o sonho: uma rede internacional.» Enquanto isso não acontece, esperamos a Rádio Miúdos em Coimbra. Ficou feito o convite.

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