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Investigadores de Coimbra foram ao Joker para dar o prémio à botânica

O objectivo era chegar aos 50 mil euros e comprar um terreno para conservar plantas raras ou que só existem em Portugal. Ficaram umas casas abaixo, mas o que conseguiram vai ser investido na flora local – João Farminhão e Filipe Covelo contam-nos como saíram na sorte grande da botânica.

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Fotografia: Sara Rodrigues (capa), Diogo Fernandes

O dia é 1 de Abril de 2024, depois do jantar. Mais de 700 mil televisões em todo o país estão ligadas no «Joker», o concurso que anda há seis anos a pôr à prova a cultura geral dos portugueses, acenando como trunfos um prémio máximo de 50 mil euros e um dos apresentadores mais populares da estação pública. Esta noite, Vasco Palmeirim vai terminar o programa a dizer que há 90 espécies de plantas que só existem em Portugal. Esta foi a vitória de João Farminhão e Filipe Covelo, dois investigadores da Universidade de Coimbra que foram a jogo para promover a flora nativa e conseguir financiar projectos de conservação. Saíram dos estúdios da Valentim de Carvalho com três mil euros, convertidos de imediato num «Fundo Joker para a Botânica» — a meta era comprar um terreno e criar uma mini-reserva, a «Jokerlândia».

A ideia e o jogo de palavras que se seguiu à participação no concurso partiram de João Farminhão, presidente da Sociedade Portuguesa de Botânica, curador do Jardim Botânico e investigador do Centro de Ecologia Funcional que, no último ano, não só descobriu três novas espécies de plantas como encontrou um caminho alternativo para o «mecenato acelerado». «[Com a participação no «Joker»] iniciámos uma nova era da aquisição de fundos para causas colectivas, em horário nobre da RTP», diz, sorridente. Nas ciências, o financiamento disponível, explica, tende a favorecer a investigação aplicada e é preciso ser «original quando não abundam fundos para projectos de identificação de flora», essenciais à conservação de espécies. «Não podemos conservar o que não tem nome. Se não conhecermos o que temos não podemos planear uma estratégia de conservação», reforça.

Com o prémio de três mil euros na mão, a «ideia imediata» foi usar o dinheiro em expedições botânicas em zonas pouco conhecidas: «Andar por aí a colher plantas raras e a explorar terra incógnita». Mas pode também «servir para custos de publicação de artigos ou ajudar outros investigadores que estão em situação precária». Era o caso de Filipe Covelo, gestor da valiosa colecção do Herbário da Universidade de Coimbra, desafiado a ser o «Super Joker», o acompanhante dos concorrentes, que ajuda na resposta a algumas perguntas e na conquista de mais jokers, que servem para eliminar opções erradas. Na altura do concurso, o investigador «também estava com a situação [laboral] tremida» — hoje, e ao fim de dez anos de, brinca, «um estágio intenso», conseguiu um contrato de trabalho.

Condeixa e Pedrulha têm «jardins de maravilhas»

Filipe Covelo tem também outra ideia para usar o prémio do «Joker» a favor da divulgação da botânica, a partir de Coimbra: a colecção de aguarelas «lindíssimas» de Ursula Beau, uma geógrafa alemã que, nos tempos livres, pintava plantas e foi incentivada por Abílio Fernandes, então director do Jardim Botânico, a retratar a flora de Coimbra. O resultado são 800 retratos, vários inéditos, da flora que existia na cidade e arredores, nos anos de 1950 e 60. «São de grande valor iconográfico. Nalguns casos, são as únicas representações a cores de algumas destas espécies», destaca João. «Devíamos publicar estas aguarelas e fazer justiça histórica: é talvez a mais importante artista botânica do século XX português e pouca gente a conhece», defende.

Especialista em orquídeas africanas, João fez o mestrado no Museu Nacional de História Natural de Paris e o doutoramento na Universidade Livre de Bruxelas – até que lhe apareceu «em sonhos, por trás do nevoeiro, Félix de Avelar Brotero», a dizer-lhe que «tinha de regressar à ditosa pátria amada» e «ser mais uma alminha a dedicar-se à taxonomia». Poucos meses após o regresso a Portugal, sem contrato de trabalho, mas empenhado na nova «missão» do estudo da flora portuguesa, inscreveu-se no «Joker» para poder continuar a trabalhar cá. «Pensei: “Vou ganhar 50 mil euros para ficar a olhar para as flores, a descrever espécies e a escrever papers”», conta.

Já com Filipe Covelo, grande entusiasta do programa, a bordo a meta ficou estabelecida na «Jokerlândia»: conseguir chegar aos 50 mil euros e converter o prémio num terreno para conservação de plantas. Um dos sítios de interesse fica em Almaroz, em Condeixa. «É uma colina cheia de plantas interessantes, nomeadamente lavandula latifolia, uma alfazema nativa, muito rara em Portugal. A última população com bom aspecto em Portugal fica aqui», destaca João. O «Fundo Joker» «seria uma maneira de criar uma micro reserva». Outra das ideias que atiraram «para o ar» foi a conservação de uma «área muito mais extensa», em Arruda dos Pisões, em Rio Maior onde, indica Filipe, «há um compêndio muito grande de plantas raras». Mais perto de nós, na Pedrulha, também «há um jardim silvestre de maravilhas». «A colina ao lado do N10, fica coberta de jacintos e orquídeas, em abundância fora de comum», detalha João. Ainda este mês, os dois botânicos andaram por lá para «tentar resolver um mistério de 200 anos» sobre a identidade de umas plantas da família das cenouras. «É um sítio especial para a flora. Aquela colina da Pedrulha devia ser preservada porque é um fresco do que existia aqui antes da transformação urbana», reforça João.

Coimbra «é o melhor sítio»

João e Filipe conversam connosco no coração histórico do Jardim Botânico, onde encontramos novos testemunhos das aventuras dos dois investigadores pelas serras e campos portugueses. Os canteiros que circundam o quadrado central reconstituem paisagens nacionais, com plantas, rochas e solos recolhidas por ambos em excursões botânicas. «A ideia é dar a volta ao país em 48 estações».

Em Portugal, garantem, ainda é possível encontrar espécies novas e Coimbra «é o melhor sítio» para fazer este trabalho. «Temos o maior herbário [nacional], um Jardim Botânico, investigadores que trabalham em coisas engraçadas, como a polinização, e temos o professor Jorge Paiva, que representa a época de ouro das floras. Ainda é possível falar com pessoas dessa época. Há potencial para fazermos coisas engraçadas», reconhece João.

Para este trabalho de conservação, Filipe Covelo, convoca todas as pessoas: «Em Portugal, é muito urgente, em Portugal, que os cidadãos façam o papel do Estado. Cada vez se percebe mais que tem de ser dessa maneira».

João espera que a participação num concurso de televisão, pelo prémio e pela «oportunidade fantástica de falar em horário nobre de causas que vão ao coração», inspire outros a fazer o mesmo. Dica de jogador: «Definam bem a vossa causa para o bem comum e digam que são muito bons nas áreas que não dominam e um fracasso nas que dominam».


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