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A nossa reportagem no Bairro da Relvinha

Opinião | Numa altura em que se debate o direito à habitação Jorge Vilas estaria do lado certo da barricada

Por João Baía

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Fotografia: Autocolante da autoria de Francesco Marconi

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A nossa reportagem no Bairro da Relvinha

Conheci o Jorge Vilas e o bairro da Relvinha como actor da peça de teatro antimilitarista A Guerra sobre a guerra colonial, apoiada pelo CITAC, proposta e encenada por João Viegas e levada à cena no bairro para celebrar o 25 de Abril de 1974, em 2004. Em 2007, na dissertação de licenciatura em Sociologia sobre o movimento de moradores em Coimbra entre 1974 e 1976, destacou-se a singularidade da história do bairro da Relvinha, na cidade e no país, que conduziu a outra investigação num mestrado em Antropologia, desta vez sobre as memórias dos moradores do bairro da Relvinha entre 1954 e 1976, terminada em 2009 e publicada em livro em 2012.

Sem a generosidade de Jorge Vilas, um excelente narrador, um grande contador de histórias, sem a indicação dos moradores das casas construídas na primeira fase da construção do bairro e a porta de casa que ele e a sua esposa mantiveram sempre aberta às minhas visitas e questões teria sido mais difícil levar estas investigações a bom porto. Depois de terminar a investigação vesti a «camisola» de amigo do bairro, juntando-me ao seu já extenso grupo de amigos que foram apoiando o bairro ao longo de décadas. E é enquanto amigo do bairro que escrevo estas linhas. Entre os vários grupos que apoiaram e dinamizaram projectos no bairro, Jorge Vilas recordava o GRAAL, a República dos Galifões, o CITAC, a Cooperativa Agrícola de Barcouço, os Companheiros Construtores, o projecto da Coimbra Capital da Cultura CBRX- Relvinha.

Guardo com esmero a t-shirt feita pelo António Alves (que projectou e coordenou a pintura do mural da História do bairro da Relvinha) com o conhecido e antigo autocolante «A casa do proletário não pode sair do seu salário», desenhado por Francesco Marconi para angariar fundos para apoiar o bairro, que circulou por todo o país e ilustrou a capa da revista italiana de arquitectura Casabella, em 1976.

Numa altura em que tanto se debate o direito à habitação, Jorge Vilas estaria do lado certo da barricada, dos excluídos, dos que carecem de uma habitação, ou de condições de habitabilidade condignas, ou que são obrigados a viver na rua, ou a abdicar de bens essenciais para terem um tecto. Ajudou a colocar a Relvinha no centro da cidade, tornando o bairro um ponto de encontro de gente tão diversa que continuará disponível para apoiar o bairro e os seus moradores sempre que for necessário.

A sua luta pela construção de uma sociedade mais justa tem de continuar. É urgente cuidar deste bairro, da sua história e dos seus moradores; imaginar novos futuros e construí-los com as próprias mãos, como os moradores fizeram a seguir ao 25 de Abril de 1974. O que faz falta é semear mais relvinhas e pessoas como o Jorge Vilas que foi pondo ao longo dos anos o bairro da Relvinha no centro da cidade, da pólis, participando, organizando, estimulando os moradores a participarem e a lutarem pelo direito à habitação, à educação e ao acesso à cultura. Semear relvinhas é continuar a cuidar da obra física, social e humana construída ao longo de décadas de lutas, reuniões, manifestações, festas e encontros.

Saibamos seguir o seu exemplo de combatividade, verticalidade e inconformismo. O Jorge faz parte da história da cidade de Coimbra, dos movimentos sociais e do seu bairro. Uma das últimas lutas em que se empenhou foi a construção do Centro Social e Cultural do Bairro da Relvinha. Espero que a Câmara Municipal, a Freguesia, a Universidade e os grupos culturais da cidade ajudem os moradores a continuar a dinamizar este espaço. O Jorge Vilas continuará vivo enquanto houver uma Cooperativa Semearrelvinhas dinâmica e moradores organizados e participativos, houver movimentos fortes e combativos pelo direito à habitação e à cidade e continuará a ser uma referência para várias gerações.

Obrigado por tudo e por me teres ajudado a conhecer uma outra cidade, uma cidade que não se acomoda e que continua a acreditar que outro mundo é possível e urgente.

Termino com a letra de uma música de José Afonso, músico que Jorge Vilas tanto admirava e que tem o seu nome inscrito na toponímia do bairro e o rosto pintado no mural da história do bairro da Relvinha. É uma canção que versa sobre a busca incessante pela mudança, sobre a entrega desinteressada e uma inquietação permanente, sobre a solidariedade, a busca pela igualdade e o eterno questionamento que deveremos manter sobre o «que fazer?» e, sobretudo «como fazer?», que acompanharam de diferentes formas a vida de Zeca e do Vilas:

Letra manuscrita da música Utopia do álbum Como se fora seu filho, de José Afonso (1983). Consultada no arquivo de José Mário Branco a 22 de Fevereiro de 2023, disponível aqui.

João Baía, doutorando em Migrações, especialidade em Antropologia, no Instituto de Ciências Sociais – Universidade de Lisboa e investigador associado do Instituto de História Contemporânea – Fac. Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa. Autor do livro Saal e autoconstrução em Coimbra – Memórias dos moradores do Bairro da Relvinha 1954-1976.

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